Como é ser advogado versus professor universitário? “Tenho sempre a preocupação de equilibrar uma mensagem de realidade”, diz Rita Cruz

Professora na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa desde 1996, Rita Cruz, sócia da CCA, partilhou com a Advocatus a sua experiência.

Rita Cruz, sócia da CCA Law Firm, divide a sua vida profissional entre o escritório e a Universidade Católica Portuguesa, onde é assistente das cadeiras de Processo Civil na licenciatura de Direito desde 1996.

A sócia centra a sua prática nas áreas de contencioso, arbitragem, reestruturação e seguros, nomeadamente ao contencioso civil e societário. Rita Cruz é ainda docente no Curso de Pós-Graduação de Ciências Jurídicas e no Mestrado Forense, ambos da Universidade Católica Portuguesa.

Quando começou a dar aulas?

Comecei a dar aulas em 1996.

O que pesou para essa decisão de lecionar?

Tinha acabado o curso há dois anos, estava a acabar o estágio na Ordem, já tinha estado no Governo e achei que podia ser uma oportunidade de crescer, de me desafiar e uma forma de manter atualizados e, sobretudo aprofundados, os meus conhecimentos.

Em que faculdades dá aulas?

Sempre dei aulas na Universidade Católica Portuguesa. Atualmente apenas na Faculdade de Direito, mas já dei aulas na Faculdade de Gestão e na de Comunicação Social.

Acho os cursos de Direito (licenciatura) francamente bons.

Rita Cruz

Sócia da CCA Law Firm

O que diferencia um aluno de direito face aos de há uma década?

Para além da óbvia diferença em termos de pensamento tecnológico e de uso e maneio das respetivas ferramentas, são mais competitivos e muito mais informados.

O que tenta passar como mensagem principal do que é o direito?

Tenho sempre a preocupação de equilibrar uma mensagem de realidade – fazendo-lhes ver a imperfeição do funcionamento da nossa justiça, dos nossos tribunais e até da lei, mas sem deixar de lhes alimentar algum idealismo, o sonho de fazer Justiça, com “J” grande, de defenderem as causas que acreditam, de que o Direito existe exatamente para fazer cumprir essa justiça. Nem sempre é fácil manter esse equilíbrio, mas acho fundamental um estudante de Direito sair da universidade com a convicção de que pode fazer a diferença, seja num tribunal, seja na sociedade, seja no mundo.

Se tivesse de escolher: professor/a universitário/a ou advogado/a no escritório?

A resposta a essa pergunta varia consoante os dias e foi naturalmente variando ao longo das várias etapas da vida. Já dou aulas e sou advogada há 25 anos, por isso é natural que as coisas tenham evoluído. Se inicialmente era muitas vezes confrontada com a necessidade de ter que optar devido ao esforço e à entrega que cada uma dessas atividades exigia (uma vezes o escritório, outras a vida académica), a verdade é que fui conseguindo conciliar e atualmente, à medida que se vai ganhando experiência em ambos os lados, vai-se conseguindo um equilíbrio e um balanço que não obrigam a que tenha que fazer essa escolha em definitivo, mas claro que alguma coisa tem que ceder e a progressão académica acabou por ficar para trás…

O que lhe ‘rouba’ mais tempo?

Advocacia sem dúvida, até porque para além de advogada sou sócia da CCA o que, por si só, exige também uma grande dedicação de tempo e de disponibilidade.

Os cursos melhoraram com Bolonha?

Depende do que considera “melhorar”. Melhoraram na globalização/internacionalização, na maleabilização, na variedade de oferta. Pioraram no aprofundamento das matérias, na ponderação dos assuntos, na própria relação entre aluno/professor, que foi afetada pelo encurtamento da duração das cadeiras.

E como avalia os cursos em Portugal?

Acho os cursos de Direito (licenciatura) francamente bons. Dão uma importante solidez na formação, quer técnica, quer pessoal. Hoje em dia, a licenciatura tem que ser encarada em complemento com o mestrado, pois com as alterações de Bolonha, grande parte das matérias (sobretudo a parte mais prática) fica relegada para o mestrado.

Nem sempre é fácil manter esse equilíbrio, mas acho fundamental um estudante de Direito sair da universidade com a convicção de que pode fazer a diferença, seja num tribunal, seja na sociedade, seja no mundo.

Rita Cruz

Sócia da CCA Law Firm

Há universidades que ensinam o direito que deveriam fechar por falta de qualidade?

Provavelmente. Mas como não as conheço, não vou falar delas.

O Estado investe pouco no ensino universitário?

Não respondo.

De que forma as suas ‘skills‘ como professor ajudam no exercício da advocacia?

Lecionar obriga a estarmos constantemente atualizados nas matérias, a par das novas visões do direito, do que se vai escrevendo, do que se vai decidindo nos tribunais. Este estudar permanente permite-nos ter uma visão mais global, para além do(s) caso(s) que temos de lidar no dia-a-dia do escritório e, sobretudo, permite-nos com muito mais facilidade resolvê-los e encontrar novas soluções. Por essa razão, acho que ambas as atividades se completam e nos tornam profissionais melhores e mais completos.

Estamos ainda com demasiados licenciados em direito?

Muitos, mas não diria demasiados. O curso de Direito, além de interessante é muito abrangente, tendo múltiplas saídas profissionais. Não serve só para formar advogados. Basta o aluno fazer um mestrado noutra área para estar apto a abraçar uma multiplicidade de profissões.

A universidade funciona também como forma de recrutar os melhores alunos para o seu escritório?

Recrutar não sei, mas identificar, sim. É possível apercebermo-nos logo quem são os melhores alunos e, às vezes, podem até nem ser os melhores alunos, mas os que demonstram ter mais perfil para a profissão.

E ensinar em plena pandemia? Como descreve a experiência?

Um filme de terror. A ideia era que as aulas fossem dadas presencialmente (estou a referir-me ao semestre passado), mas acabou por ser sempre um ensino híbrido, com as vantagens e desvantagens de ambas as situações. Os alunos que estavam em casa tinham que assistir às aulas por zoom, o que para além da gestão desses alunos na sala de aula (direcionar a câmara; direcionar o quadro; lembrar que eles também queriam participar…) obrigava a lidar com os problemas técnicos de cada um – invariavelmente uns não ouviam, outros não viam, outros não conseguiam falar. Depois tínhamos os alunos na própria sala de aula…com máscara, janelas abertas e porta aberta (estávamos no inverno!). Um imenso esforço para falar por trás da máscara; um imenso esforço para os ouvir e, sobretudo para os distinguir. Como nunca os conhecemos sem máscara, tornou-se hercúlea a tarefa de os distinguir e de os avaliar. Enfim… desafios nunca vistos, mas acho que valeu a pena o esforço de se manterem aulas presenciais em vez de totalmente à distância. A desmotivação, a despersonalização, a falta de convívio, a solidão, teriam sido inevitáveis.

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