Como a EDP e a Engie montaram o negócio da venda das barragens de 2,2 mil milhões
O que é que Águas Profundas, Camirengia e Movhera têm a ver com a venda das barragens da EDP à Engie? O BE diz que foram usadas para a EDP evitar pagar imposto do selo, o Governo diz que vai avaliar.
À primeira vista, Águas Profundas, Camirengia e Movhera parecem nada ter a ver com a história da venda de seis barragens no Douro pela EDP a um consórcio liderado pelos franceses da Engie, no ano passado. Porém, foram justamente estas sociedades que estiveram no centro do negócio avaliado em 2,2 mil milhões de euros e que o Bloco de Esquerda acusa agora de terem sido usadas para a EDP aproveitar-se abusivamente de um benefício fiscal, enquanto o Governo assegura que a Autoridade Tributária vai avaliar o caso.
Segundo a dirigente bloquista Mariana Mortágua, a EDP e a Engie montaram uma “estrutura” para que a venda das barragens fosse fiscalmente tratada como uma cisão/fusão entre sociedades, ao invés do trespasse das concessões. Ao fazê-lo dessa forma, a EDP evitou pagar 110 milhões de euros em imposto do selo. Se o fez abusivamente ou não, agora caberá à Autoridade Tributária deliberar. Mas como é que o processo decorreu?
17 de dezembro de 2019
Já com a perspetiva de explorar as barragens da EDP, o consórcio da Engie, Crédit Agricole Assurances e Mirova decide criar a sociedade Águas Profundas, com um capital de 50 mil euros. A sociedade foi criada com o objetivo concentrar os interesses dos vários acionistas numa única sociedade, através da qual se iriam desenvolver as negociações e comunicações com a EDP até à conclusão do processo de aquisição.
O presidente desta sociedade é Stephan Gabard, responsável de M&A da Engie, e a administração conta com mais três administradores: Etienne Jacques Andre Jacolin (Engie); Raphael Xavier Lance (Mirova); Nicholas Hayon (Mirova).
Embora com capital reduzido, a capacidade financeira da Águas Profundas foi reforçada um ano depois, em dezembro de 2020, através de uma oferta particular de obrigações (610 milhões de euros) e com um aumento de capital (332 milhões de euros).
Memorize o nome da sociedade, pois vai surgir mais à frente.
19 de dezembro de 2019
Dois dias depois de criada a Águas Profundas, através de um comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a EDP anuncia que chegou a acordo para a venda de seis barragens no Douro — Miranda, Bemposta, Picote, Foz Tua, Baixo Sabor e Feiticeiro — ao consórcio liderado pela Engie.
A transação, que fazia parte de um plano da EDP em relação à “otimização do portefólio” de ativos, como tinha anunciado ao mercado meses antes, ficou a aguardar as autorizações dos reguladores, segundo anunciou a elétrica na CMVM.
3 de março
A primeira autorização surge três meses depois: a Comissão Europeia aprova a venda de seis barragens da EDP, concluindo que o negócio com o consórcio francês não afeta a concorrência na União Europeia.
25 de agosto de 2020
A EDP – Gestão da Produção de Energia avança com um projeto de cisão mediante o destaque de parte do seu património para com ele constituir uma nova sociedade, a Camirengia Hidroelétricos.
Com efeito, são destacadas para a Nova Sociedade (no futuro veio a chamar-se Camirengia Hidroelétricos) o património afeto às unidades de negócio autónomas, destinadas à produção de energia elétrica através de fontes hídricas de produção de energia elétrica, relativas aos seguintes aproveitamentos hidroelétricos: Miranda, Picote, Bemposta, Baixo Sabor, Feiticeiro e Foz Tua.
No projeto de cisão, a empresa justifica a transferência das seis barragens (ativos, passivos, posições contratuais e posições fiscais, incluídos) para uma única sociedade se insere no âmbito dos objetivos estratégicos assumidos pelo grupo EDP relativamente à reconfiguração do seu portefólio de ativos, redução do risco e desalavancagem. Também frisa que a concentração das barragens numa única sociedade “poderiam maximizar o valor intrínseco”.
13 de novembro de 2020
“O Ministério do Ambiente e da Ação Climática informa que foi, hoje [sexta-feira], aprovada a transmissão dos aproveitamentos hidroelétricos de Miranda, Bemposta, Picote, Baixo Sabor (constituído por duas barragens) e Foz-Tua. Com parecer favorável da Agência Portuguesa do Ambiente à transmissão destes Títulos de Utilização de Recursos Hídricos, a EDP pode, assim, proceder à venda das infraestruturas à Engie“.
Em comunicado, o Governo português (através do Ministério do Ambiente) dá “luz verde” ao negócio de venda das barragens ao consórcio da Engie.
16 de dezembro de 2020
É criada a sociedade Camirengia Hidroeléctricos, com capital de 416 milhões, concretizando-se a cisão de parte do património da EDP – Gestão da Produção de Energia com a separação das seis barragens. A sociedade tem como presidente da administração Miguel Setas, da EDP.
17 de dezembro de 2020
A EDP anuncia, através de comunicado enviado à CMVM, ter concluído nessa semana e com sucesso a venda das seis barragens do Douro ao consórcio da Engie (40%), o Crédit Agricole Assurances (35%) e a Mirova (25%).
18 de dezembro 2020
Um dia depois de comunicada a venda, há alterações na administração da Camirengia Hidroeléctricos: Bertrand Louis Jean Fauchet (da Engie) é designado presidente da sociedade, com mais cinco administradores ligados a outros membros do consórcio: Pedro Manuel Corte-Real Cruz (Engie), Charles Son Portalier (Credit Agricole Assurance), Frederic Jean Daniel Payet, Raphael Xavier Lance (Mirova), Joaquim Pedro da Costa e Sousa Ferreira Ribeiro.
Ao mesmo tempo, Miguel Setas renuncia ao cargo nesta sociedade.
19 de dezembro de 2020
A Águas Profundas, criada um ano antes, passou a chamar-se Movhera I – Hidroelétricas do Norte. Esta sociedade e os seus acionistas assinam neste dia o Share & Purchase Agreement com a EDP para a aquisição da totalidade do capital social da Camirengia, para onde dois dias antes tinham sido transferidas as seis barragens e as respetivas concessões.
Nos dias seguintes, a Águas Profundas reforçou a sua posição financeira: procedeu a uma missão de obrigações realizada por oferta particular no valor de 610 milhões de euros (21 de dezembro) e a um aumento de capital de 332 milhões de euros.
25 de janeiro de 2020
A Movhera I – Hidroelétricas do Norte anuncia a fusão por incorporação da Camirengia Hidroelétricos, a sociedade que detém as barragens. A operação é “ditada por imperativos de simplificação e racionalização organizacional, com a inerente redução de custos, decorrente da duplicação de estruturas”, gerando-se um aumento da rentabilidade.
Com esta fusão, a Camirengia extingue-se.
3 de fevereiro
Depois de ter sido absorvida pela Movhera I, a Camirengia passa a designar-se Movhera II – Hidroelétricas do Norte e são designados dois administradores: Etienne Jacques Andre Jacolin (Engie) e Filipe Almeida dos Santos.
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