A iniciativa Covax e o acesso à vacina mais concorrida do momento nos países mais pobres

  • Márcia Martinho da Rosa
  • 24 Fevereiro 2021

Não nos esqueçamos que quanto mais depressa combatermos esta Pandemia de ricos e pobres, mais rápido podemos começar a ter um Novo Futuro.

À data de hoje, Israel é dos países mais bem-sucedidos em termos de vacinação, com 43% dos mais de 9 milhões de israelitas vacinados, com pelo menos uma dose da vacina da BioNTech/Pfizer.

Ora passando do exemplo de um dos países mais bem-sucedidos, em termos de vacinação, olhemos para o extremo oposto, os países que ainda nem sequer acesso à vacina tiveram, como África.

As vacinas existentes, 140, todas elas estão protegidas por pedidos de patente (ainda não concedidos), ou seja, todas as empresas farmacêuticas, proprietárias das mesmas possuem já um exclusivo (provisório) que pode se estender até aos 25 anos (nos casos que a farmacêutica requeira o certificado complementar de proteção).

A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, no caso em concreto das patentes, ao serem concedidas, como um exclusivo a uma farmacêutica, ou qualquer empresa, têm sempre na sua base, um equilíbrio entre o interesse social e o desenvolvimento tecnológico, cientifico e económico do país e do mundo.

Tal exclusivo e proteção será efetuada mediante a concessão, por cada um dos Estados (em virtude da inexistência de uma patente unitária) de uma patente e consequente faculdade de exploração económica, no caso em concreto das farmacêuticas nos países onde a tenham protegido/depositado em termos de propriedade industrial, podendo tal farmacêutica explorar, produzir e vender a quem quiser e pelo valor que pretender.

Acresce ainda que tais patentes por serem medicamentos para uso humano, têm de ter uma autorização especial para serem introduzidas no mercado, com vista à sua comercialização e aplicação, podendo esta autorização ser concedida quer pela Agência Europeia do Medicamento ou pelo próprio Infarmed, no caso Português.

A população mundial que acede às vacinas que são aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento e que são patenteadas deveria ficar mais tranquila e segura, uma vez que estas patentes ao serem depositadas e aprovadas para produção e utilização médica, possuem um grau de fiabilidade e segurança, por terem passado no crivo de requisitos apertados de fiabilidade e novidade, uma vez que só podem ser patenteadas substâncias novas ou um composto novo com utilidade terapêutica que até então não tenha sido descoberto e que não estaria até então conhecido a qualquer perito da área de investigação, pelo que as vacinas devem ser vistas com grande fidúcia.

Muitas têm sido as vozes contra as patentes e o exclusivo de fabrico e comercialização às farmacêuticas, mas a verdade é que muitas dessas vozes se esquecem que o exclusivo que é conferido pela patente pretende garantir através desse exclusivo, a recuperação dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico que resultou na descoberta das vacinas, invenção no presente momento, crucial para a saúde pública, para além das investigações que foram paradas pelas equipas de cientistas, para dar prevalência à existência de vacinas para combate à COVID-19.

Importante e relevante é também toda a informação técnica e científica, que foi revelada nos cadernos de pedidos de patentes destas vacinas, algumas delas já publicadas, para que a indústria farmacêutica desenvolva novas invenções que sejam mais ágeis, rápidas em termos de fabrico, preservação e aplicação à população mundial.

Verifiquei num artigo da Carmo Afonso e noutro da Inês Monteiro Alves, que estas defendiam a “libertação das patentes” para os países mais pobres, pois bem, não concordo e alinho sim na posição e opinião da Catarina Maia que efetivamente retratou um dos problemas do acesso às vacinas aos países mais pobres que é capacidade de produção.

Porém além do problema da produção em massa, há um outro problema, que é o da distribuição destas patentes e o acesso às mesmas pelos países mais pobres, nomeadamente os países Africanos.

É verdade que com estes direitos de patente e exclusivos, estas farmacêuticas e muitos estados soberanos ficam com instrumentos não só económicos, mas também políticos, pois também têm o poder de limitar tais bens a quem quiserem, mas a verdade é que é dever de todos os Estados e das próprias Farmacêuticas ajudar estes países a combater uma Pandemia e respeitar estes direitos de patente, para que esta Pandemia cesse o mais rápido possível e assim olhar para um Novo Futuro.

Existe quem defenda que estando perante uma pandemia que estes direitos de patente deveriam ser “suspensos” entrando-se num regime de licenças compulsórias pelos estados, mas a verdade é que a história já demonstrou que quando assim é, as farmacêuticas retaliam posteriormente e vedam o acesso a muitos medicamentos a esses países, daí que a Europa tenha ido pelo caminho da diplomacia e dos acordos comerciais com as farmacêuticas, para as quais aliás contribuiu monetariamente sem ter assegurado a sua percentagem devida na titularidade de algumas das patentes existentes, o que não se percebe, uma vez que agora teria uma posição de negociação e acesso às vacinas muito maior do que na posição de mero comprado, encontrando-se lado a lado com outras potências económicas como os Estados Unidos e outros países como o Reino Unido, que tem sido um exemplo na vacinação.

Voltando ao cerne da questão – o acesso às vacinas “patenteadas” – pelos países mais pobres, e por forma a combater esta Pandemia, foi criada a COVAX, um programa coordenado pela OMS e pela Aliança Global para as Vacinas (GAVI), onde José Manuel Durão Barroso é atualmente presidente.

A GAVI, criada 2000, com sede atual em Genebra, foi impulsionada pela Fundação Bill e Melinda Gates, tendo a OMS aderido à mesma, assim como o Banco Mundial e outros países e doadores anónimos com a finalidade de imunizar as crianças que nasciam em países mais pobres e que não tinham possibilidades de aceder a vacinas em virtude desses países não terem planos de vacinação adequados e não conseguirem em termos económicos acederem às mesmas.

Com a Pandemia devido à COVID-19 a GAVI, a OMS, a CEPI e outros criaram a iniciativa COVAX para angariar fundos para adquirir as vacinas e distribuí-las pelos países mais pobres do mundo.

A previsão da COVAX em Janeiro de 2021 seria de que 1,3 bilhão dessas doses fossem entregues sem custo aos países mais pobres.

Mas serão estes números suficientes numa pandemia em que as mutações ao vírus são agora a maior ameaça? Parece-nos que não, pelo que os Estados deveriam fazer um esforço adicional para humanitariamente ajudarem aqueles países a acederem gratuitamente à vacina para mais rapidamente ficarem imunizados à COVID-A9.

Falando dos PALOP, graças ao mecanismo da Covax o Brasil receberá 10.672.800 doses da chamada Astrazeneca/SKBio e Timor-Leste terá direito a 100.8 mil unidades.

Angola irá receber mais de 2,5 milhões de doses da vacina AstrazenAeca/ SII, Cabo Verde terá 108 mil unidades, Guiné-Bissau 144 mil, São Tomé e Príncipe 96 mil e para Moçambique serão enviadas 2.424.000 doses do produto, segundo dados da COVAX.

Pelo exposto, a COVAX apenas conseguirá, pelo menos no primeiro semestre de 2021 imunizar 3,3% da população total dos 145 países mais pobres.

Para a COVAX, tal valor é “o suficiente para proteger os grupos mais vulneráveis, como profissionais de saúde.”. Mas serão estes números suficientes? A resposta é claramente não!

Os Países mais ricos, apesar de se verem a braços com uma pandemia e uma crise económica, em virtude dos confinamentos, não podem esquecer o lado humanitário dos países que mais precisam e que não têm nem sequer meios de combate à pandemia.

Face à ausência de resposta das farmacêuticas em produzir em tão pouco espaço de tempo tantas vacinas para toda a população, nomeadamente para os grupos de risco e mais vulneráveis, coloca-se a questão humanitária do acesso aos países mais pobres às vacinas.

Urge assim rapidamente garantir que os países de baixo e médio rendimento tenham vacinas contra o coronavírus suficientes, já que as potências como a Europa e EUA sugaram a totalidade dos primeiras milhões de doses produzidas e que mesmo assim ainda teimam em chegar.

Na última cimeira dos líderes do G7, ficou acordado que estes países duplicarem o apoio à vacinação contra a covid-19 no mundo para 7,5 mil milhões de dólares (6,2 mil milhões de euros), através do programa COVAX, mas a verdade é que ainda é insuficiente face aos países de que falamos, como África.

Ora de que forma poderia ser alargada esta ajuda das vacinas nestes países? Uma das sugestões que deixo é a lembrança do passado, como forma de chegar a um Novo Futuro.

Portugal deveria ajudar na coordenação, vacinação e acesso a mais vacinas a todos os países de Língua Portuguesa, assim como Macron ao sugerir a «Europa e Estados Unidos da América (EUA) entreguem “o mais rapidamente possível” 13 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 a África, para que o continente possa vacinar os trabalhadores de saúde», na última Cimeira dos G7, deveria também a França, ajudar os países Francófonos e em semelhança o Reino Unido ajudar os países mais pobres da Commonwealth.

Nunca as Patentes foram tão importantes e continuarão a ser pelo conhecimento científico que aportam à comunidade em geral e pelo desenvolvimento económico que das mesmas advém, mas o lado humanitário nunca pode, nem deve ser esquecido, pelo que podemos até desafiar as próprias farmacêuticas a dar um exemplo de solidariedade e filantropia, em doses de vacinas a cada um destes países, dando assim uma nova utilidade às patentes, além das já sobejamente conhecidas nos livros de propriedade industrial.

Não nos esqueçamos que quanto mais depressa combatermos esta Pandemia de ricos e pobres, mais rápido podemos começar a ter um Novo Futuro.

  • Márcia Martinho da Rosa
  • Vice-presidente da JALP – Associação Internacional de Jovens Advogados de Língua Portuguesa e AOPI

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