A saída do procedimento por défices excessivos "não é um dado adquirido" para Federico Barriga, diretor de soberanos da Fitch. Para já, a agência de rating está de olhos postos na banca e na dívida.
Federico Barriga é claro: Portugal tem dois problemas — o endividamento excessivo e um sistema financeiro fragilizado. Juntos significam que a economia fica estrangulada, com pouca capacidade para crescer. Sem antecipar a decisão sobre a notação de crédito que a Fitch divulgará na próxima semana, o diretor do departamento de soberanos da agência deixa algumas pistas. Enquanto a dívida não começar a descer e a banca não estiver estabilizada, dificilmente o risco de investimento no país diminui de forma significativa.
Como avalia a economia portuguesa? Está no bom caminho para sair da crise?A taxa de crescimento em 2016 foi mais ou menos o que já tínhamos previsto. Nunca esperámos que a economia crescesse mais do que 1,5%. A nossa última previsão foi um crescimento de 1,2%, mais ou menos o que pode ser o número final. Para uma economia que vem de uma crise tão grande isto é um crescimento muito fraco. Temos dito ao longo de várias avaliações: um dos desafios é Portugal alcançar um crescimento maior e sustentável. Isto é importante, não queremos ter crescimento fraco com desequilíbrios externos. Não é surpresa que a primeira metade do ano passado foi uma grande desilusão, entretanto vimos alguma melhoria. No geral, esperamos uma melhoria moderada, mas não muito substancial.
A segunda metade do ano passado foi um ponto de viragem?Sim. Isso aparece nos números. Desde que o Orçamento foi apresentado, começámos a ver mais melhorias, também na confiança — a última review que tivemos foi em agosto, quando os dados não eram muito bons. Olhamos agora para a zona euro. É muito importante para Portugal e os últimos dados são positivos. Há um momentum. Os riscos são mais moderados. Não vemos nenhum choque significativo para os países da zona euro — há toda uma ansiedade em torno dos ciclos políticos, que são importantes, mas para Portugal penso que é menos. Mantemos o mesmo outlook.
Disse que o sistema bancário é chave para o rating. Porque está a pesar no crescimento, ou porque pode ter impacto nas finanças públicas?A razão pela qual [a banca] é um fator importante para o rating é a influência que tem nas contas públicas. Temos vindo a olhar para isto no passado e há ainda alguma incerteza no futuro, por isso continua a ser um fator.
Obviamente os dois. Em qualquer país o setor bancário tem incidência no cenário macroeconómico. Na Europa, e não só, desde a crise financeira, o setor bancário teve um grande impacto nas finanças públicas. E Portugal não é, obviamente, uma exceção. A razão pela qual é um fator importante para o rating é a influência que tem nas contas públicas. Temos vindo a olhar para isto no passado e há ainda alguma incerteza no futuro, por isso continua a ser um fator. Tem um impacto muito menor num país como a Irlanda, por exemplo, onde o setor financeiro já não tem uma ligação direta com as contas públicas. Mas em Portugal ainda há esta incerteza.
Prevê-se que Portugal saia do Procedimento por Défices Excessivos (PDE). E a Fitch esperava um défice pior para 2016 do que aquele que parece ser agora estimado pelo Governo. Faz diferença para o rating?É verdade que é um número melhor do que o que previmos há seis meses, ainda precisamos dos valores finais, mas as estimativas do Governo apontam para um desempenho melhor. Mas não olhamos apenas para um ano quando avaliamos o rating. No caso de Portugal, para onde olhamos além do défice, é para a dívida.
Estão preocupados com a dívida portuguesa?No ano passado a dívida aumentou outra vez, por causa do financiamento para a CGD.
Outra vez o sistema financeiro...A história do défice ainda não é nada. Na verdade, a saída do PDE só vai ser decidida depois de se ter alguma ideia do impacto da CGD nas finanças públicas. Nem diria que para nós isso é um dado adquirido.
Exatamente. Por isso, temos dito nos últimos relatórios que precisamos de ver uma diminuição no stock de dívida. Isso é chave, é o primeiro elemento que sublinhamos sempre. Até ao momento, ainda não vimos nada disso acontecer. A história do défice ainda não é nada. Na verdade, a saída do PDE só vai ser decidida depois de se ter alguma ideia do impacto da CGD nas finanças públicas. Nem diria que para nós isso é um dado adquirido. Só consideraremos isto como um fator quando a Comissão disser que Portugal saiu.
Está preocupado com a taxa de juro da dívida portuguesa? Os números são adequados para a economia portuguesa?Qualquer alteração significativa nos custos de financiamento pode provocar stress. Temos isto em conta.
Não posso falar pelo que o mercado faz. Claramente, Portugal tem um spread muito maior do que países como a Itália ou Espanha. O que posso dizer é que os riscos de financiamento ainda são um fator para o rating. Não comentamos cada movimento do mercado, mas no passado, especialmente, tem sido uma consideração chave para o rating, saber se um país tem acesso ao mercado. A abordagem mais de longo prazo é: para a sustentabilidade das finanças públicas, qualquer alteração significativa nos custos de financiamento pode provocar stress. Temos isto em conta.
Mas está preocupado com os 4%? Ou têm uma influência grande de fatores externos?É difícil dizer. Obviamente que a perceção de risco é muito mais elevada e há muitos fatores que contribuem para isto. O foco do nosso rating não é seguir o mercado de obrigações, porque se olharmos para países como Itália ou Espanha, os juros desceram muito mais do que o que seria de esperar pelo desempenho da economia. E os ratings não melhoraram em linha com os juros. É útil como uma referência, mas não é um dos fatores chave para onde olhamos.
Ainda está preocupado com desequilíbrios estruturais em Portugal?[A taxa de juro da dívida soberana] é útil como uma referência, mas não é um dos fatores chave para onde olhamos.
Sim. E penso que temos vindo a sublinhar em cada relatório que precisamos de ver melhorias. Um dos desequilíbrios estruturais é o nível de dívida da economia, não estou a falar só de dívida pública, mas também do que está a acontecer no setor empresarial e com as famílias. Reformas estruturais noutras áreas são um pouco mais difíceis de avaliar porque levam muito tempo a materializar-se.
Vê melhorias desde 2011, na sequência do programa de ajustamento?Sim, o maior progresso foi do lado das finanças públicas, no défice. O défice desceu muito. Nos fluxos houve muitas melhorias, mas no stock, no volume, foi muito menor. No que toca a reformas no lado do crescimento, temos alguns dados que apontam para mais exportações. E não está só melhor no sentido em que estamos a exportar mais, mas também no sentido da qualidade das exportações, que melhorou. As empresas estão a ganhar competitividade. Mas no nível do crescimento global, Portugal não está a convergir. Não está a convergir de todo para a média europeia. Há questões de legislação, mas também de outras limitações estruturais, como por exemplo a perda de população, que leva tempo a reverter.
Para além do sistema financeiro, que outros setores precisam de reformas estruturais?Neste momento o enfoque está claramente no setor bancário. É claro pelas discussões que ouvimos, pelos jornais. Mas não damos conselho político. Quando olhámos para o Orçamento, vimos algumas medidas para melhorar a eficiência e coisas que tiveram algum efeito no passado, mas só poderemos avaliar quando houver alguma informação. Não podemos fazer grande avaliação de coisas que ainda não aconteceram.
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Fitch: “A história do défice ainda não é nada”
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