Como é ser advogado versus professor universitário? “Os cursos com Bolonha perderam no ensino estrutural”, diz Pedro Marinho Falcão

Pedro Marinho Falcão começou a sua carreira como professor universitário em 1988. Segundo o sócio da CNMF, "ser advogado não é excludente da carreira de professor universitário".

Desde 1988 que Pedro Marinho Falcão, sócio fundador da Cerejeira Namora, Marinho Falcão, assumiu o desafio dar aulas. Atualmente, leciona na Universidade Portucalense, onde começou o seu percurso universitário, mas já colaborou com o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, em Barcelos.

O sócio conta com mais de 30 anos de experiência em bancário e financeiro, fiscal, corporate, arbitragem e contencioso. Pedro Marinho Falcão é membro do Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal, da Associação das Sociedades de Advogados de Portugal, do Fórum Penal – Associação dos Advogados Penalistas e da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Espanhola.

Quando começou a dar aulas?

Iniciei o meu percurso académico em 1988, ainda como estudante. Frequentava o 5º ano da Universidade Portucalense e recebi um convite para ser monitor (o equivalente a assistente universitário) da disciplina de direito económico do 3º ano. Era, simultaneamente, aluno e professor e desdobrei-me no estudo das disciplinas do 5º ano para terminar o curso e na preparação das aulas do 2º ano. Na data em que fui convidado o professor Silva Cunha, antigo ministro de Salazar e responsável pela fundação da Universidade Livre, que viria a dar lugar à Universidade Portucalense, lançou-me o desafio e disse-me que tinha chegado a minha oportunidade, por ser um dos melhores alunos que tinha passado na universidade.

Recordo-me que, no 1º ano, tinha sido meu professor em História das Instituições e, num universo de 600 alunos, fomos 10 à prova oral, dos quais 5 obtiveram aprovação. Tive a melhor nota nessa disciplina e, à saída, disse-me que um dia podia ser professor naquela universidade. A profecia concretizou-se e, no final do curso, fui convidado ainda aluno do 5º ano.

Nesse ano recebi o prémio Fundação Eng.º António Almeida para o melhor aluno do ano pelas mãos do Professor Silva Cunha que, na cerimónia de entrega, me disse “não estou arrependido da nota que lhe dei” e percebi que foi com orgulho que me convidou para lecionar na Universidade Portucalense.

O que pesou para essa decisão de lecionar?

O gosto pelo ensino, o orgulho em ser professor da universidade e a vontade de aprender, ensinando.

Aprendo muito com os meus alunos, sobretudo porque sou, desde há vários anos, responsável pelo curso noturno, que integra estudantes trabalhadores, habitualmente mais interessados, experientes e com uma visão prática dos temas que são lecionados.

Entendo que a ligação do ensino à advocacia enriquece o magistério do professor, tornando o ensino mais prático e apetecível do ponto de vista do aluno.

Pedro Marinho Falcão

Sócio fundador da Cerejeira Namora, Marinho Falcão

Em que faculdade dá aulas?

Desde sempre na minha universidade de origem: Universidade Portucalense. Contudo, colaboro com a mesma dedicação no curso de mestrado em Fiscalidade Portuguesa Avançada, que leciono no IPCA, em Barcelos. Trata-se de uma instituição de ensino com muita qualidade, frequentada por alunos formados em várias instituições de ensino e que procuram no IPCA uma graduação qualificada. Desde há 12 anos que leciono temas de fiscalidade nacional.

O que tenta passar como mensagem principal do que é o direito?

Na área da fiscalidade a mensagem principal radica na ciência jurídica. Não tenho por vocação diferenciar o justo do injusto, até porque a relação ente direito e justiça é de mera coincidência. Mas passo aos meus alunos os conhecimentos que são a sua ferramenta para o trabalho jurídico que os espera no exercício da profissão. Terão sempre a oportunidade de perceber o que é o direito e em que medida podem proteger quem os procura e assegurar as melhores soluções de defesa. O professor deve passar a mensagem da ética jurídica, mas não o fundamentalismo radical da justiça associada ao mundo do direito.

Se tivesse de escolher: professor/a universitário/a ou advogado/a no escritório?

Dez anos após o início da minha atividade de professor fui obrigado a fazer escolhas. Tive a oportunidade de optar pelo ensino em regime de exclusividade, renunciando à advocacia. Fizeram acompanhar a proposta de um aumento relevante do ordenado.

Rejeitei por duas razões: desde logo, porque entendo que a ligação do ensino à advocacia enriquece o magistério do professor, tornando o ensino mais prático e apetecível do ponto de vista do aluno; em seguida, porque a renúncia a qualquer uma das atividades seria redutora e cristalizaria a profissão.

Ser professor abre portas para conferências, seminários e outros cursos de formação especializada, que nos obrigam a uma permanente atualização e estudo.

Ser advogado alia o conhecimento teórico ao engenho de descobrir soluções práticas para resolver os problemas de quem precisa de auxílio especializado.

Na simbiose das duas vocações, conseguimos o melhor dos dois mundos e, 30 anos volvidos, daria este conselho a quem está a iniciar a profissão.

Ser advogado não é excludente da carreira de professor universitário; pelo contrário, são atividades que se complementam e favorecem o conhecimento jurídico em prol do aluno.

Não tem grande relevância o ensino que não tenha uma vertente prática e este pragmatismo só se adquire com o binómio docência-advocacia.

Pedro Marinho Falcão

Sócio fundador da Cerejeira Namora, Marinho Falcão

O que lhe ‘rouba’ mais tempo?

Naturalmente que, com um escritório que está no ranking dos 20 maiores do país, a atividade de advogado é aquela que exige maior dedicação, mas sempre com a mesma responsabilidade que dedico ao ensino. Tenho o maior respeito pelos alunos e dedico ao ensino a mesma preocupação que devoto à advocacia; apenas difere o tempo disponível, com maior pendor para a advocacia.

Os cursos melhoraram com Bolonha?

Os cursos melhoraram nos aspetos práticos, mas perderam no ensino estrutural. As disciplinas são hoje semestrais em temas que exigiriam um estudo e vocação anual.

Contudo, conseguimos lançar os alunos mais cedo no mercado de trabalho e captar os profissionais para outros graus de formação, o que na época pré-Bolonha era impensável.

Hoje é comum os advogados terem o grau de mestre. No tempo em que fui Presidente da Comissão Nacional de Estágio e Formação da Ordem dos Advogados apresentei uma proposta de regulamento de formação que impunha com caráter obrigatório a obtenção de créditos formativos aos advogados em exercício com sanções para o incumprimento, desde a simples advertência até à suspensão da inscrição na Ordem.

Estive como Joana d’Arc perto de ser queimado em praça pública e abdiquei desse projeto de regulamento. Confesso que iria revolucionar a advocacia, mas não passou no Conselho Geral, à data presidido por Rogério Alves.

Não tenho por vocação diferenciar o justo do injusto, até porque a relação ente direito e justiça é de mera coincidência.

Pedro Marinho Falcão

Sócio fundador da Cerejeira Namora, Marinho Falcão

De que forma os seus ‘skills’ como professor o ajudam no exercício da advocacia?

São atividades que se complementam. O ensino obriga-nos a criar quadros mentais, investigar e atualizar. A advocacia permite perceber o que é importante no conhecimento jurídico. Não tem grande relevância o ensino que não tenha uma vertente prática e este pragmatismo só se adquire com o binómio docência-advocacia.

Estamos ainda com demasiados licenciados em direito?

Na verdade, o mercado está saturado de licenciados em direito. A prova evidente é que, neste último processo de recrutamento, registámos 400 candidaturas para a nossa sociedade de advogados, que tem estágio aberto para cerca de 10 advogados estagiários.

Este número é o espelho da saturação do mercado. Contudo, no topo e na excelência em que apostamos, há sempre lugar para mais um.

Escritório de Lisboa da Cerejeira Namora, Marinho Falcão

A universidade funciona também como forma de recrutar os melhores alunos para o seu escritório?

A nossa sociedade de advogados tem protocolos com as melhores universidades do país e recruta os licenciados que alcançam as melhores classificações.

Por outro lado, disponibilizamos cursos de verão para estudantes do terceiro e quarto anos, o que nos permite sinalizar os melhores alunos, que tendem a apresentar a candidatura a estágio na ordem dos advogados sob o tirocínio do nosso escritório.

Já conhecidos e com conhecimento da disciplina da nossa organização são uma excelente fonte de recrutamento com resultados muito positivos.

Integram o nosso escritório advogados que são professores universitários, a quase totalidade tem o grau de mestre e muitos frequentam cursos de doutoramento. Isto diz muito sobre a exigência do nosso processo de recrutamento, que também se deve à qualidade dos colegas responsáveis pelo departamento de recrutamento e formação.

E ensinar em plena pandemia? Como descreve a experiência?

Ensinar em pandemia é um desafio. Falar 3 horas para um ecrã sem sentir a presença física dos alunos é uma experiência difícil, mas também gratificante.

Os alunos percebem o nosso esforço e correspondem.

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