Um ano de teletrabalho

  • Gonçalo Pinto Ferreira
  • 10 Maio 2021

É fundamental olhar para o teletrabalho de forma sistematizada, pois poucos terão dúvidas que este regime subsistirá para lá da pandemia e dos estados de emergência.

Já passou um ano! Este foi certamente o comentário que mais li e ouvi desde há dias e faz todo o sentido. É verdade, já passou um ano!

Recordar 13 de março de 2020 arrepia. De repente, num misto de surpresa e adrenalina, fomos todos para casa, convencidos muitos de nós que seria apenas por algumas semanas. Mas as semanas transformaram-se em meses e nada será, provavelmente, como antes.

Nas relações laborais, a adoção do regime de teletrabalho passou de possibilidade escassamente utilizada para uma realidade transversal a milhões de trabalhadores, sobretudo por imposição legal.

Ainda há poucos dias foi publicado o Decreto 4/2021 que regulamentou o estado de emergência, tendo sido, mais uma vez, enunciada a obrigatoriedade da adoção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, da modalidade ou da natureza da relação jurídica, sempre que este seja compatível com a atividade desempenhada e o trabalhador disponha de condições para a exercer, sem necessidade de acordo das partes.

Mas será que a legislação vigente estava preparada para esta mudança? Os exemplos diários mostram-nos claramente que não.

Ao contrário de outros países, em Portugal o teletrabalho já há muito que era regulado no Código do Trabalho. Mas tal regulação estava, certamente, conformada com o caráter excecional e, até muitas vezes, temporário deste regime.

Nos princípios e nas intenções, como tantas vezes acontece, enuncia-se a perfeição: o trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, sem redução de retribuição, nos termos previstos no Código do Trabalho ou em instrumento de regulamentação coletiva aplicável, nomeadamente no que se refere a limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional. Mas como se concretiza isto?

Já todos percebemos que é premente regular o teletrabalho, aceitá-lo como novo paradigma nas relações laborais e adequá-lo aos desafios diários. Sobretudo, acabar com a manta de retalhos legislativa que vai tentando dar resposta casuística e pontual a cada problema que surge.

Questiona-se o subsídio de refeição? Logo vem decreto dizer que o trabalhador mantém o direito a receber o subsídio de refeição que já lhe fosse devido.

Dúvidas quanto aos instrumentos de trabalho? Sai decreto para impor ao empregador o dever de disponibilizar os equipamentos de trabalho e de comunicação necessários à prestação de trabalho em regime de teletrabalho, e para acrescentar que, quando tal disponibilização não seja possível e o trabalhador assim o consinta, o teletrabalho pode ser realizado através dos meios que o trabalhador detenha, competindo ao empregador a devida programação e adaptação às necessidades inerentes à prestação do teletrabalho.

Não podemos continuar assim. É fundamental olhar para o teletrabalho de forma sistematizada, pois poucos terão dúvidas que este regime subsistirá para lá da pandemia e dos estados de emergência. É necessário saber o que fazer com as despesas dos trabalhadores. É essencial pensar como se podem efetivamente registar e controlar os períodos de trabalho. É importante tomar consciência da perenidade do teletrabalho até porque muitas empresas deixarão de ter escritórios físicos. E não bastará dizer que caberá às empresas pagar a fatura do teletrabalho. Seria demasiado redutor.

É por isso urgente implementar um regime que equilibre os interesses e necessidades de empregadores e trabalhadores e dê resposta aos desafios que já todos percebemos que o teletrabalho nos coloca. É que para muitos, depois de um ano de teletrabalho, vários outros virão.

  • Gonçalo Pinto Ferreira
  • Sócio da TELLES

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