Sofia Ribeiro Branco, sócia co-responsável da área de contencioso da VdA, é a escolha da Advocatus da rubrica "Como é fazer contencioso em plena pandemia?".
Sócia co-responsável pela área de Contra-ordenacional & Penal, Sofia Ribeiro Branco, colabora com sociedade desde 1999 com prática que tem centrado em torno dos litígios de natureza societária, criminal e contraordenacional. Desenha programas de compliance e conduz investigações internas nas empresas, representando igualmente clientes em ações de private enforcement, fundadas em pedidos de responsabilidade civil por violação das regras regulatórias e setoriais.
As férias judiciais são um tema que é politicamente recorrente. Perante este contexto da pandemia, concorda que deveriam ser reduzidas, de forma a recuperar o tempo perdido? Parece-me uma solução simples mas que terá alguns anti – corpos.
As medidas determinadas pela pandemia para o setor da Justiça e as férias judiciais são duas realidades diferentes e têm propósitos diferentes, não devendo, na minha perspetiva, ser confundidas.
Durante este período alguns prazos e a realização de algumas diligências foram suspensos, mas os Tribunais continuaram a dar resposta aos casos urgentes e também a muitos não urgentes na medida do possível. Os restantes intervenientes da Justiça continuaram a trabalhar, ainda que com as limitações decorrentes da pandemia.
A situação pandémica terá causado atrasos nalguns processos, mas não será a redução do período de férias judiciais que irá resolver esse tema.
Fala-se ou falou-se em situações de pre rutura do SNS. E do sistema de Justiça? O que se pode esperar com esta paragem derivada da pandemia?
O sistema de Justiça também foi, naturalmente, afetado pela pandemia, mas ainda não é possível medir a extensão do impacto. É possível detetar sintomas, mas é cedo para se antecipar um quadro mais completo.
Quem serão as maiores vítimas desta paragem?
Não tenho a pretensão de apontar um tipo de vítima em especial, desde logo porque me parece que as medidas tomadas em relação ao sistema de Justiça no contexto da pandemia, como em qualquer outro setor, afetam stakeholders de natureza diversa, cada qual de forma diferente e com impactos específicos.
O discurso dos atrasos na Justiça é recorrente. Já foram adiadas 50 mil diligências devido à Covid-19. Esta passará agora sempre a ‘desculpa’ para esses mesmos atrasos?
Não creio. Sem menorizar os impactos da pandemia e das medidas aplicadas ao setor da Justiça, trata-se de um período excecional e que não me parece que possa ser perpetuado como resposta.
Não é fácil ser PM ou ministra da saúde nesta fase. Mas como avalia a atuação do Governo ao lidar com a pandemia? Estamos reféns das opiniões de demasiados especialistas?
Numa situação absolutamente excecional, como a de uma pandemia, o papel de PM ou Ministra da Saúde é certamente mais difícil. Essa complexidade leva-me a não avançar com apreciações imediatistas.
Fazer contencioso em confinamento é possível?
Possível é, tanto que temos trabalhado intensamente durante este período. Revela-se, no entanto, mais desafiante, porque na minha área de especialidade o contacto presencial é muito importante e, nestes tempos, tem de ser realizado através de meios tecnológicos. No caso da VdA, felizmente, estávamos preparados, o que tem permitido continuar a trabalhar com o menor impacto possível.
Numa situação absolutamente excecional, como a de uma pandemia, o papel de PM ou Ministra da Saúde é certamente mais difícil. Essa complexidade leva-me a não avançar com apreciações imediatistas”
As diligências feitas à distância são uma miragem, um discurso enganoso do poder político? A Justiça ainda não é suficientemente tecnológica?
Sem prejuízo de ainda haver caminho a percorrer, a verdade é que se nota evolução do setor da Justiça no que respeita à utilização de tecnologia, e não necessariamente apenas no contexto de realização de diligências à distância.
Relativamente à realização das diligências à distância, a minha perspetiva é a de que a tecnologia não é um substituto válido em todos os casos, não podendo prescindir-se do contacto presencial, sobretudo nas situações em que a imediação é crucial.
No entanto, a minha experiência é a de que, mesmo com limitações, há muita vontade dos atores da Justiça em recorrer às melhores soluções possíveis, incluindo as tecnológicas, para permitir o prosseguimento dos casos e a realização das diligências e dos atos.
Dá-se ao “luxo” de poder recusar casos?
Recusar casos é um direito e um dever, onde a deontologia, a ética profissional e as regras de compliance imperam nessa decisão.
O facto de estar integrado num escritório de grande dimensão, corta-lhe as vazas para aceitar alguns clientes?
É mais ao contrário. A circunstância de estar integrada num escritório como a VdA permite-me acompanhar casos interessantíssimos. Muitos deles tocam em diversos setores, o que exige equipas multidisciplinares que são possíveis num escritório como a VdA.
Sente que o escritório onde está, pela estrutura que tem, dá menos valor ao contencioso e mais a uma advocacia de negócios?
De forma alguma. Num mundo cada vez mais competitivo e regulamentado, o aumento do número de litígios nas principais áreas da atividade tem sido consistente, e ainda mais no contexto pandémico que vivemos, pelo que a VdA tem uma fortíssima atividade na prática de contencioso. Temos uma ampla equipa especializada em contencioso. Só no grupo Resolução de Conflitos somos oito sócios, no qual não se esgota o ambiente de contencioso da firma.
O contencioso já foi mais valorizado do que é?
Não creio. O contencioso é uma vertente bastante importante para os clientes. O sucesso dos casos tem, necessariamente, impacto na sua atividade, no seu negócio e, cada vez mais, na sua reputação.
E as boutiques nesta área fazem sentido?
As boutiques nesta área existem, havendo espaço – e diversidade de casos – para diferentes respostas ao nível da advocacia.
Já foi ameaçado ou insultado em tribunal?
Felizmente, nunca passei por situações que ultrapassassem os limites ou que constituíssem ameaça ou um insulto.
Qual foi o caso em que saiu do tribunal e pensou “saí-me mesmo bem!”? Sem falsas modéstias.
Qualquer resposta seria presunçosa. Todos os casos são tratados de forma profissional e com o mesmo empenho.
A Justiça faz-se condenando. Esta é a tese que domina na opinião pública. Como explicar ao cidadão comum que não é esse o caminho?
Não sei se é essa a tese que domina na opinião pública. A Justiça tanto se faz condenando como absolvendo. Com o devido enquadramento qualquer cidadão consegue compreender isso.
Como é a sua relação com a magistratura. É do tipo de advogada conflituosa, diplomata, respeitadora ou mais provocadora?
A relação com a magistratura é sempre respeitadora.
A Justiça tanto se faz condenando como absolvendo. Com o devido enquadramento qualquer cidadão consegue compreender isso”
Se fosse ministro da Justiça quais seriam as suas três prioridades?
Nunca me debrucei seriamente sobre essa possibilidade. Ainda assim, procurando responder à sua questão, elegeria como eixos fundamentais a eficiência do sistema, a clareza das leis e a materialidade das decisões.
E bastonário da Ordem dos Advogados?
A advocacia é um dos pilares da Justiça. A defesa da profissão e das suas garantias fundamentais será sempre uma missão de qualquer Bastonário.
E, finalmente, se fosse PGR?
Eu gosto mesmo é de ser advogada.
Qual foi ou é para si o melhor ministro/ministra da Justiça desde o 25 de abril?
Não vou destacar um, pois considero que todos os Ministros da Justiça tiveram o seu papel.
Estamos (Portugal) muito obcecados com a corrupção?
A mediatização dos casos de corrupção tem vindo a aumentar e pode criar a ideia de que existe mais hoje do que antes, o que pode não ser necessariamente verdade. Tem, porém, o lado positivo de consciencializar para os riscos e para a consequente adoção de medidas de prevenção.
Pretende algum dia pôr em prática a regra de denúncia obrigatória por parte de advogados que se deparem com suspeitas de lavagem de dinheiro?
A legislação e a regulamentação de compliance sobre estas matérias têm contemplados mecanismos que endereçam estas questões, e que a VdA tem implementados.
Se pudesse escolher, em que jurisdição (europeia ou mundial) trabalharia e porquê?
A resposta a esta pergunta é fácil. Já escolhi e é Portugal. É no meu país que quero dar o meu contributo para a Justiça.
Os advogados têm horizontes mais abertos que os magistrados (juízes ou procuradores)?
Têm experiências e papéis necessariamente diferentes.
As decisões judiciais – de primeira ou segunda instância – são muito dependentes ou influenciadas pelo mediatismo?
Os casos decidem-se nos tribunais.
Mudaria as regras dos advogados poderem falar de casos concretos, de forma a que o vosso trabalho fosse mais compreendido?
Para compreender o trabalho de um advogado não é preciso falar de casos concretos. Não quer dizer que, em casos específicos, isso não possa justificar-se, mas, provavelmente, o fundamento será outro.
A mediatização dos casos de corrupção tem vindo a aumentar e pode criar a ideia de que existe mais hoje do que antes, o que pode não ser necessariamente verdade”
Gostaria que houvesse uma instância totalmente independente – com maioria de não magistrados – que avaliasse a ética e imparcialidade de um magistrado. Um canal direto entre cidadãos, advogados e magistratura?
Não tenho a certeza de ter compreendido a ideia proposta. Tenho dúvidas sobre a forma como uma solução destas poderia ser implementada e o que pretenderia obter-se com um canal deste género. De todo o modo, já existem mecanismos legais para acautelar as garantias de imparcialidade dos magistrados.
A prestação de contas dos nossos magistrados é necessária?
Se por prestação de contas entende fiscalizar os magistrados, já existem entidades com competência para o efeito.
Arbitragem versus tribunais. Este meio de justiça privada vai engolir os tribunais, mais cedo ou mais tarde?
Vão sempre coexistir. O recurso aos tribunais arbitrais é mais adequado para resolver determinados casos e aos tribunais judiciais para outros. Para além disso, haverá sempre a Justiça penal.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Sofia Ribeiro Branco, da VdA: “A tecnologia não é um substituto válido em todos os casos”
{{ noCommentsLabel }}