Em entrevista ao Capital Verde, Wytse Kaastra, Utilities Lead da Accenture, garante que o consumidor de energia está a mudar e vai exigir ofertas mais "transparentes e fáceis de comprar".
Os consumidores de energia estão a mudar: 60% estão mais conscientes das alterações climáticas e dos seus impactos ambientais desde a pandemia de Covid-19 e 50% dizem estar hoje mais disponíveis para investir em eficiência energética do que no passado. Além disso, os consumidores querem melhores serviços dos seus fornecedores de energia, que reflitam os seus valores e estilos de vida. Querem eletricidade verde e querem-na a preços baixos.
Estas são apenas algumas das conclusões do mais recente estudo da consultora Accenture “New Consumer Energy: Delivering New Energy Experiences for Future Growth”.
Em entrevista ao Capital Verde, um dos autores do documento, Wytse Kaastra, Utilities Lead da Accenture, explicou que o facto de o ecossistema de energia estar hoje num ponto de mudança, em transição para um futuro descarbonizado, é uma enorme oportunidade que as empresas de energia não podem desperdiçar.
De acordo com o estudo, os novos modelos de consumo de energia do futuro (com base no pagamento de serviços, como já acontece nas ofertas de streaming como a Netflix ou na plataforma de mobilidade Uber) podem traduzir-se num crescimento médio anual dos resultados antes de impostos de 25%, até aos 8 mil milhões de euros nos seis principais mercados da Europa.
O que define o novo consumidor de energia?
O novo consumidor de energia é um consumidor muito mais ativo e envolvido, com um papel mais pró-ativo na procura de novos tipos de serviços de energia, principalmente no que diz respeito a soluções descentralizadas. Maioritariamente no norte da Europa, onde o clima é mais frio e o consumo de energia para aquecimento é mais elevado, as preocupações estão relacionadas com o isolamento das suas casas, com foco na redução do consumo energético, de forma a serem mais eficientes.
Uma segunda tendência que estamos a observar são as soluções de painéis solares, bombas de calor e caldeiras inteligentes, que permitem que o novo consumidor de energia se torne também um prosumer (produtor-consumidor), ou seja, um participante ativo do sistema elétrico.
Finalmente, o interesse do novo consumidor de energia também se está a direcionar para a mobilidade elétrica, acrescentando a forma como se movimenta à sua lista de preocupações. Esta realidade é confirmada em todas as pesquisas que fizemos, seja em entrevistas com clientes ou pelos dados que obtemos, informação que nos permite inferir que estes produtos e serviços estão em crescimento em toda a Europa.
O que deseja e o que exige este novo consumidor? Energia de fontes renováveis? Eficiência energética? Poluir menos com o seu próprio consumo de energia?
Sim, sem dúvida nenhuma. O business case para a eficiência energética é muito atrativo. O consumidor está disposto a ser mais eficiente no seu consumo energético. Esta situação está relacionada, por exemplo, com o isolamento das casas, onde sobretudo no norte da Europa fazer um upgrade ao isolamento do telhado, chão e janelas é o melhor business case de todos os tempos. Por outro lado, o interesse por painéis solares também tem sido crescente. Em certos países é possível comprar eletricidade verde ao comercializador, em alternativa à incapacidade de adquirir painéis solares próprios. A título de exemplo, em países como a Holanda, a eletricidade hoje em dia já é verde por predefinição. Há 10 anos, os comercializadores compravam certificados de CO2 para tornar a eletricidade verde, mas a verdade é que atualmente as pessoas querem energia verde produzida no seu próprio meio ambiente, no seu próprio país.
O modelo de negócios está a passar da venda de uma commodity simples, eletricidade e gás, para um tipo de serviços/modo de vida, onde podemos continuar a fornecer a mesma commodity mas à qual temos que associar um contrato de serviços, como o aluguer de painéis solares ou a subscrição de soluções de carregamento inteligente.
O novo consumidor de energia quer produzir a sua própria energia?
Sim. Embora precisemos de ter cuidado porque quando pensamos em produzir a nossa própria energia, imaginamos grandes casas com painéis fotovoltaicos no telhado e um Tesla estacionado à porta. Estes clientes serão certamente os early adopters, mas são poucos os afortunados. Temos de estar cientes que a maioria das pessoas vive em apartamentos e, como tal, precisamos de ter soluções mais criativas para o mass market. Como nem todas as pessoas podem ter painéis solares nos telhados dos seus apartamentos, os comercializadores precisam de fornecer energia verde ou de disponibilizar, por exemplo, uma opção virtual onde seja possível comprar eletricidade de energias renováveis. E o mesmo é aplicável à mobilidade elétrica como aliás já se está a assistir nas grandes cidades onde se vê um rápido crescimento de soluções de mobilidade elétrica em modelo de partilha ou pay-per-use como motas elétricas, e-táxis ou soluções de car sharing. Tudo elétrico. Essa é a tendência.
O que podem fazer as empresas de energia para obterem valor e crescimento neste novo ecossistema de energia?
É tudo uma questão de escala. Fazer pequenos projetos-piloto é vantajoso devido ao seu valor de marketing, mas não cria realmente crescimento e valor em escala. Acho que o mais importante é o envolvimento do cliente. Isto não é uma tendência impulsionada pela tecnologia como se pode ver, por exemplo, com as casas inteligentes — uma solução tecnológica, mas com uma baixa adoção. A adoção começa a crescer substancialmente quando há uma boa proposta de valor. Isto significa três coisas para as empresas de energia: i) estão a responder às necessidades do cliente; ii) estão a criar engagement; e iii) que o preço é atrativo. A proposta de valor precisa de ser madura o suficiente para o preço certo. Na minha perspetiva, o business case precisa de fazer sentido, de ser transparente e fácil de comprar, uma aquisição tipo Netflix ou Uber, que cria a experiência certa para o cliente. Além disso, como empresa de energia, é necessário ter uma marca que dê aos clientes a confiança e a capacidade de operar. Se conseguirem obedecer a todos estes requisitos, as empresas de energia estão prontas para escalar.
Os modelos de negócios das empresas mudarão muito? Em que sentido?
Os modelos de negócios vão mudar imenso. Acho que em 2030, ao olhar para trás, veremos que o nível de mudança foi enorme. O modelo de negócios está a passar da venda de uma commodity simples, eletricidade e gás, para um tipo de serviços/modo de vida, onde podemos continuar a fornecer a mesma commodity mas à qual temos que associar um contrato de serviços, como o aluguer de painéis solares ou a subscrição de soluções de carregamento inteligente. Obviamente que isto será gradual. Não será dentro de um ano, mas acontecerá muito mais rápido do que as pessoas possam pensar.
A maior ameaça aos seus negócios são as mudanças no comportamento do consumidor e as mudanças dramáticas nas regulamentações climáticas? Que impacto pode ter nas utilities?
Gostava que as utilities tivessem em mente a necessidade urgente de abraçar estas mudanças. As utilities são o interveniente natural na base desta transição energética, por isso têm um papel muito importante a desempenhar: liderar e facilitar a mudança. Se decidirem permanecer à margem, apenas a observar, sem se mexerem, outros fá-lo-ão por eles – empresas de oil & gas (ex: BP), da indústria automóvel (ex. Fiat, Volkswagen), de telecomunicações (ex: Vodafone) ou mesmo startups irão entrar na cadeia de valor e começar a “comer fatias” do negócio. E quando isto acontecer, as utilities começarão a ser marginalizadas e o seu modelo de negócios tornar-se-á antiquado e obsoleto. Não obstante, quero reforçar que sou bastante otimista e que acredito que se adotarem a mudança, as utilities transformar-se-ão nas empresas de serviços de energia de referência, com visão de futuro, e irão certamente liderar a transição que estamos a assistir. E, ao fazê-lo, irão deparar-se com uma grande oportunidade de negócio.
O business case precisa de fazer sentido, de ser transparente e fácil de comprar, uma aquisição tipo Netflix ou Uber, que cria a experiência certa para o cliente. Além disso, como empresa de energia, é necessário ter uma marca que dê aos clientes a confiança e a capacidade de operar. Se conseguirem obedecer a todos estes requisitos, as empresas de energia estão prontas para escalar.
É urgente que existam ofertas de energia sustentável para os consumidores e a um preço baixo?
Mais do que a um baixo preço, precisa de existir um business case atrativo. É muito mais uma questão de retorno. Os clientes não se importam de pagar premium se percecionarem que estão a receber o valor suficiente de volta. No final de contas, é mais sobre o sentido do ponto de vista de investimento pessoal, e não se as utilities têm o preço mais baixo do mercado.
O que podem beneficiar para os seus negócios as empresas de energia ao se tornarem mais verdes, mais digitais?
O digital é o facilitador-chave para a maioria das mudanças que estamos a observar no setor. Primeiro, o digital garantirá que a proposta é viável em casos, por exemplo, em que o consumidor estiver a fazer um carregamento inteligente ou quiser controlar os painéis solares, a tecnologia permitirá a criação de soluções para o fazer. Em segundo lugar, torna a solução melhor e mais barata. Por fim, é fundamental em termos de marketing, vendas e experiência de cliente, pois permite digitalizar a proposta de valor. Não é economicamente atrativo continuar a vender painéis solares porta a porta. Hoje em dia já é possível obter uma oferta do comercializador após um processo totalmente digital, onde facilmente o cliente encontra a sua casa via Google Maps, seleciona o seu telhado e só na última etapa do processo é que o operador entra em contacto para efetuar o pagamento e agendar uma visita técnica à casa.
Um EBITDA de 8 mil milhões de euros em 2030. É esta a “oportunidade” à espera das empresas de energia no novo ecossistema de energia?
Este número é uma estimativa para seis países europeus. É uma projeção que acreditamos ser realista — nem extremamente agressiva nem conservadora. O principal fator que se observará neste novo ecossistema de energia é que a margem por cliente será muito maior do que aquela que se obtém no negócio core (venda de energia). Enquanto o negócio core é um negócio de volume, em que se vende muita eletricidade por uma pequena margem, os novos produtos e serviços serão um negócio de valor, onde o volume é menor mas a margem por transação é muito maior.
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Ofertas de energia do futuro têm de ser “tipo Netflix ou Uber e criar a experiência certa para o cliente”
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