O que vai mudar hoje para a Carris e passageiros?
No dia em que a Carris passa para a alçada da Câmara Municipal, o ECO põe tudo em pratos limpos: saiba em que pé está a Carris, o que muda para si e o que muda para a empresa.
A Carris passa esta quarta-feira da tutela do Estado para a da Câmara Municipal de Lisboa, numa transferência que tem apoiantes e detratores, mas que tem também história — afinal, durante décadas até à sua nacionalização em 1975, a empresa que gere os autocarros, elétricos e elevadores de Lisboa pertencera ao município. Agora, a Carris “regressa a casa”, como disse o presidente da Câmara Fernando Medina em novembro ao assinar o memorando de entendimento com o Governo.
O que vai mudar? A estratégia da Câmara já está delineada e há alterações que começam já hoje. Qual é a Carris de que a Câmara vai tomar as rédeas? É uma empresa que tem perdido meios e passageiros nos últimos anos, mas que Fernando Medina está confiante de conseguir recuperar.
O que muda para o passageiro?
Na assinatura do memorando de entendimento entre o Governo e a Câmara Municipal de Lisboa, a 21 de novembro, o presidente da Câmara de Lisboa aproveitou para apresentar algumas das mudanças que se avizinham, algumas das quais entram em vigor já no dia 1 de fevereiro, no mesmo dia do decreto-lei que efetiva a mudança de mãos da Carris.
- Os preços dos passes descem para idosos e crianças. Entre os quatro e os 12 anos de idade, as crianças têm direito a transporte gratuito na Carris e no Metro com um cartão Lisboa Viva. Para os idosos, o preço do passe Navegante Urbano, que permite circular no Metro, na Carris e também nas paragens urbanas da CP, desce 60%: passa a custar 14,50 euros.
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- Ainda no primeiro semestre de 2017, a Câmara de Lisboa prevê ter Internet sem fios disponível gratuitamente nos autocarros e elétricos da Carris.
- Vai ser criada até 2019 uma Rede de Bairros, com 21 novas linhas que servirão para circular dentro de cada bairro, ligando escolas, mercados e centros de saúde. Esta terça-feira o Público já divulga quais são, avançando ainda que quatro das carreiras deverão começar a funcionar ainda em 2017: duas em Marvila, uma nos Olivais e outra no Parque das Nações.
- Sete corredores de elevado desempenho vão ser abertos para linhas estratégicas de autocarros da Carris.
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O que muda para a Carris?
A frota da Carris contava a 31 de dezembro de 2015 com 618 autocarros — uma redução significativa desde 2005, quando a empresa contava com 785, além dos elétricos que eram 58 em 2005 e são agora 48. Também o número de funcionários tem vindo a diminuir: em 2005 a Carris tinha 2.787 pessoas a trabalhar, e no final de 2015 eram 1995.
Agora, a Câmara de Lisboa espera inverter essa tendência, investindo 60 milhões de euros para comprar 250 novos autocarros nos próximos três anos. Os novos autocarros vão ser maioritariamente elétricos e a gás o que, garante a Câmara, poderá reduzir a poluição emitida pela frota em 40%. Também se prevê contratar 220 motoristas e criar um Centro de Formação de Condutores para os preparar.
Falta saber se o impulso no investimento vai ajudar a recuperar os passageiros que a Carris tem perdido. O número de passageiros transportados pela Carris está em tendência descendente: desde 2012 a empresa perdeu mais de 39 milhões de passageiros.
Dois peritos consultados pelo ECO explicaram que o investimento tem de ser o primeiro passo para a recuperação dos passageiros, visto que anos de escassez levaram a uma degradação do serviço. O investigador Rui Cunha Marques falava mesmo de um “ciclo vicioso”, em que em que “o défice de investimento leva à menor qualidade do serviço, com menor qualidade de serviço há menos passageiros, e com menos passageiros há menos receita”.
Outro desafio para a Câmara Municipal de Lisboa é, incontornavelmente, o financiamento. O Relatório e Contas de 2015 da empresa mostra que a Carris fechou o ano com um prejuízo de 21,215 milhões de euros. O resultado é melhor do que o anterior — 2014 acabou com um prejuízo de 59,63 milhões — mas ainda está longe de um fecho no verde.
Como se vai financiar? Em outubro, o vereador das Finanças da Câmara, João Paulo Saraiva, anunciou algumas das estratégias. A principal é a criação de um fundo de 15 milhões que vai ajudar a garantir a gestão corrente da empresa — ou seja, os custos operacionais, que não incluem o investimento em infraestruturas ou em material. A maior parte do dinheiro neste fundo vai ter como base a cobrança do estacionamento em Lisboa, que entram diretamente nos cofres da Câmara Municipal. Também vão contribuir para financiar os custos correntes da Carris o Imposto Único de Circulação e as multas de trânsito.
Os gastos operacionais da Carris fixaram-se, em 2014, nos 95 milhões de euros, o que significa que quase foram recuperados na bilheteira, onde os rendimentos ficaram perto dos 90 milhões. O problema maior de financiamento são os investimentos mais profundos — uma dificuldade que é comum à maior parte das grandes cidades europeias.
A partir de dia 1 de fevereiro, porém, a Carris tem um problema a menos. A dívida da empresa vai ficar junto do antigo acionista, o Estado, e a Câmara começa com uma folha limpa — com Fernando Medina a prometer que, sob a tutela municipal, o endividamento não vai acontecer ao mesmo ritmo.
"O Estado não faz nenhum favor, porque mantém-se responsável pelo que já é responsável, que é a dívida que criou.”
O primeiro-ministro António Costa, quando anunciou que a dívida ficava no Estado, afirmou que não se tratava de um “favor”, pois o acionista limitava-se a manter a responsabilidade pela dívida que acumulara enquanto geriu a Carris. A dívida, afirmou, era de 700 milhões de euros. Fonte oficial da Carris disse ao ECO que, a 31 de dezembro de 2016, já depois das afirmações do primeiro-ministro, a dívida se fixava nos 593,8 milhões de euros. É um fardo que fica levantado da empresa, que segue com o cadastro mais limpo para a gestão municipal.
A entrada em vigor do decreto-lei 86-D/2016 de 30 de dezembro, esta quarta-feira, passa assim para a Câmara Municipal de Lisboa a “titularidade do (…) capital social” da Carris, e reconhece “ao município de Lisboa a plenitude das atribuições e competências de autoridade de transportes relativamente ao serviço explorado pela Carris”. Mas pode não permanecer como se encontra atualmente. Afinal, o pedido de apreciação parlamentar do Partido Comunista Português — embora já haja garantia de que a ideia é alterar o diploma e não revogá-lo — garante que a história não fica já encerrada.
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