Pelos erros da sociedade filha

  • Antónia Fontes Almeida
  • 12 Abril 2021

Devem as sociedades adotar medidas para mitigar o risco de serem objetivamente responsáveis por eventuais práticas infratoras do Direito da Concorrência, nas quais não participaram a qualquer título.

A decisão emblemática do Tribunal de Justiça no Acórdão ICI c. Comissão, em 1972, no processo C-48/69, representa um importante marco em matéria de concorrência, ao afirmar que uma sociedade-mãe, em determinadas circunstâncias, pode ser solidariamente responsável por violações das normas substantivas do Direito da Concorrência perpetradas por uma das suas sociedades subsidiárias. Essencial é que, pertencendo as sociedades à mesma unidade económica, a sociedade-mãe exerça uma influência decisiva sobre a sociedade subsidiária. Se assim for, a Comissão Europeia poderá impor o pagamento das coimas à sociedade-mãe, ainda que esta não tenha estado pessoalmente envolvida na infração. Nos casos em que a sociedade-mãe detém (quase) 100% do capital social da sociedade subsidiária (ainda que indiretamente, através de outras entidades intermediárias), presume-se que ambas constituem uma unidade económica e que a primeira exercia, no momento da infração, uma influência decisiva sobre a conduta da última.

A questão tem assumido enorme relevância, sendo um dos debates centrais e mais controversos neste domínio do Direito. Isto porque uma correta imputação da responsabilidade por infrações do Direito da Concorrência é indispensável para o correto funcionamento de qualquer autoridade a quem compita a aplicação das políticas antitrust.

Recentemente, no dia 27 de janeiro de 2021, num claro sinal de mudança, o Tribunal de Justiça da União Europeia confirmou a condenação da Goldman Sachs numa coima de EUR 37.000.000,00 pela participação de uma antiga subsidiária no cartel dos cabos de energia.

O Acórdão deste tribunal surge no contexto da decisão da Comissão Europeia (Decisão C (2014) 2139), na qual a Goldman Sachs foi considerada solidariamente responsável, na qualidade de sociedade-mãe, indiretamente (através do Fundo GS Capital Partners V, bem como de outras sociedades intermediárias) da Prysmian e da Prysmian Cavi e Sistemi Energia, por práticas infratoras do Direito da Concorrência por estas perpetradas, entre 29 de julho de 2005 e 28 de janeiro de 2009. A Comissão Europeia alicerçou a condenação da Goldman Sachs na presunção de influência decisiva sobre a conduta da sociedade subsidiária no mercado, bem como no exercício efetivo dessa influência, a qual, na sua perspetiva, poderia ser inferida da análise das ligações económicas, organizacionais e jurídicas entre as mencionadas sociedades.

Tendo a Goldman Sachs recorrido desta decisão, o Tribunal Geral da União Europeia considerou que a conclusão da Comissão Europeia se afigurava como correta. Isto porque, apesar de a recorrente não ter detido a totalidade do capital social da Prysmian durante todo o período da infração, controlava 100% dos direitos de voto associados às ações que detinha, ficando, por isso, numa situação semelhante à de um detentor único e exclusivo do capital social da subsidiária, podendo determinar a respetiva conduta económica e comercial. Adicionalmente, o Tribunal Geral da União Europeia considerou que a Goldman Sachs havia exercido efetivamente uma influência decisiva sobre a conduta no mercado da Prysmian e da Prysmian CS, designadamente por ter o poder de nomear os membros do conselho de administração e de convocar os acionistas para as assembleias.

Também o Tribunal de Justiça da União Europeia, no seu Acórdão de 27 de janeiro de 2021, corroborou a argumentação apresentada pela Comissão Europeia que havia sido confirmada pelo Tribunal Geral da União Europeia.

Este Acórdão pode ter várias implicações no seio de um grupo de sociedades, porquanto, relevante para a presunção de influência decisiva já não é apenas a detenção da (quase) totalidade do capital social, mas também a possibilidade de a sociedade-mãe exercer todos os direitos de voto da sociedade subsidiária. Deste modo, no atual contexto, devem as sociedades adotar medidas para mitigar o risco de serem objetivamente responsáveis por eventuais práticas infratoras do Direito da Concorrência, nas quais não participaram a qualquer título.

  • Antónia Fontes Almeida
  • Professora Assistente Convidada da Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa

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