Chuva de críticas à norma (apagada) do BdP que permitia vender bancos

Banco de Portugal deparou-se com uma chuva de críticas à norma que permitia avançar com a venda de participações em bancos. Acabou por recuar na proposta, mas introduziu novas inibições.

O Banco de Portugal queria ter o poder para obrigar os maiores acionistas dos bancos a venderem as suas participações caso a solidez da instituição estivesse em risco ou se existissem suspeitas de lavagem de dinheiro, mas esbarrou num muro de críticas do setor. Face à contestação, o supervisor recuou nesta norma que constava da versão inicial do Código da Atividade Bancária (CAB), introduzindo, ainda assim, outras limitações no anteprojeto que já enviou ao Governo.

As reações dos bancos foram especialmente duras neste ponto do CAB. Em causa está (ou estava, porque o código foi revisto e a norma retirada) isto:

  • “O Banco de Portugal pode determinar a venda da totalidade das ações respeitantes a uma participação qualificada quando tenha sido inibido o exercício dos respetivos direitos de voto ou quando existam motivos razoáveis para suspeitar que, em relação a essa instituição de crédito e associada à participação qualificada em causa, foi ou está a ser efetuada ou tentada uma operação de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo”.

Faria de Oliveira é ouvido perante a II COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À RECAPITALIZAÇÃO DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS E À GESTÃO DO BANCO - 17JUN19

“Fortíssimo desincentivo ao investimento nos bancos”

Para a Associação Portuguesa de Bancos, “as alterações propostas no domínio das participações qualificadas suscitam as maiores reservas”.

A associação liderada por Faria de Oliveira chamou a atenção para o “elevado grau de incerteza” que as alterações comportam, e para a “ausência de paralelo noutros ordenamentos jurídicos”, e para o “fortíssimo desincentivo ao investimento no capital dos bancos portugueses, quer a nível nacional, quer internacional” que poderia resultar caso as mudanças fossem aprovadas.

O BCP disse discordar “frontalmente” com a opção do legislador. “A forma algo discricionária como os acionistas podem ver os seus direitos fortemente limitados com consequências patrimoniais potencialmente significativas constituirá seguramente uma condicionante à capitalização dos bancos de raiz nacional”.

A Caixa Geral de Depósitos (CGD) disse que o regime pretendido pelo Banco de Portugal é, no mínimo, confuso. “É pouco claro quanto aos pressupostos, requisitos, processos e procedimentos de venda e às consequências da não alienação”, sublinhou o banco público.

“Nos limites do confisco”

A observação mais longa e mais crítica relativamente a esta norma veio da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), dona do Banco Montepio. “Será um dos artigos mais polémicos do projeto”, começou por dizer a mutualista.

A instituição alertou para a subjetividade que é o Banco de Portugal atuar nos casos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo. “A atuação do Banco de Portugal será desencadeada pela sua própria convicção da verificação dos indícios das condutas reprováveis, decisão para a tomada da qual não se exige contraditório, nem a intervenção de uma entidade externa e independente que qualifique penalmente as condutas”, criticou a AMMG. “Não parece que a vantagem de uma intervenção rápida deva fazer postergar a certeza da justiça dessa intervenção e abrir a porta a arbitrariedades escassamente fundamentadas”, avisou.

Apresentação de resultados da Associação Mutualista Montepio - 01JUL20

Nessa medida, a pergunta impõe-se: “E se os pressupostos da intervenção não forem consistentes?

Segundo a mutualista, avançando-se para uma venda forçada de uma participação maioritária isso implicaria necessariamente a sua desvalorização imediata. Além disso, não se faria a operação de um dia para o outro com “acrescidas repercussões negativas no valor da venda”. “A desvalorização das ações iria produzir imparidades. Como é que o Banco de Portugal iria reagir perante as imparidades que a sua atuação originara? Desconsiderava-as? Não parece possível! Compensava-as com um acréscimo na redução do preço? Desequilibrando ainda mais a instituição? O que parece traduzir-se numa expropriação sem encargos para o Estado, desconsiderando o valor real das participações em causa”.

E, por fim, rematou: “Estamos nos limites do confisco, que não é aceitável face à Lei Fundamental do Estado Português.”

O que ficou no CAB?

Face ao “volume e pertinência dos comentários recebidos durante a consulta pública e ponderando a eficácia da medida tal como apresentada”, o Banco de Portugal foi forçado a deixar cair esta proposta. Contudo, manteve na versão revista o poder de inibir os direitos de voto de acionistas, mas alargou a sua capacidade de intervenção a todos os direitos sociais, como o direito a receber dividendos, o direito a participar em aumentos de capital ou o direito à informação.

O supervisor sublinhou que existirá “discricionariedade sobre quais os direitos sociais, em concreto, a suspender, dependendo da situação concreta”.

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