O estado de emergência do e no Direito

  • Pedro Vaz Mendes
  • 21 Abril 2021

Percebendo que estamos a viver uma pandemia e que fruto da mesma a restrição dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos seria inevitável para proteção da nossa vida.

Em 18 de março de 2020 foi publicado o primeiro decreto do Presidente da República a declarar o estado de emergência com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública (no caso, a emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19 como uma pandemia internacional). Desde essa data até hoje foram aprovados mais 14 decretos que declaram, ou renovam a declaração, do estado de emergência.

Tendo em conta que cada estado de emergência tem uma duração de 15 dias, isto significa que, desde 18 de março do ano passado até 30 de abril do corrente, Portugal viveu em estado de emergência durante 7 meses e meio, ou seja, mais de metade do período decorrido.

E o que é que isto significa (juridicamente)?

O estado de emergência encontra-se previsto no artigo 19.º, da Constituição da República Portuguesa, e é regulamentado pela Lei n.º 44/86, de 30 de setembro. Pelo prazo de duração máximo previsto – 15 dias – compreende-se que o mesmo é absolutamente excecional.

Contudo, o aspeto verdadeiramente determinante do estado de emergência é que o mesmo permite a suspensão de alguns direitos, liberdades e garantias sendo que o conjunto de artigos que regulamentam estas matérias são o verdadeiro cerne da Constituição da República Portuguesa.

Também por isso, a Constituição prevê que legislar sobre direitos, liberdades e garantias é competência exclusiva da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo.

Assim, a Constituição da República Portuguesa assume que a proteção dos direitos, liberdades e garantias é um dever essencial do Estado de Direito, atribuindo-lhe especial dignidade na sua localização (consubstancia a Parte I da Constituição), estabelece critérios apertados para a possibilidade da sua restrição e confia a sua regulamentação à assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses.

Contudo, e em estado de emergência, o que se passa é tudo menos isso.

Se é verdade que, formalmente, os direitos, liberdades e garantias que podem ser suspensos são propostos pelo Decreto do Presidente da República, que a suspensão é autorizada pela Assembleia da República e que a execução da mesma é confiada ao Governo (através de decretos que mais não são do que regulamentos administrativos), a sua leitura conjunta revela uma realidade distinta.

De facto, analisando os sucessivos Decretos do Presidente da República, as Resoluções da Assembleia da República e os Decretos do Conselho de Ministros, verificamos que a definição constante dos dois primeiros conjuntos é genérica, sem grande concretização, e que é nos últimos que todos percebemos, verdadeiramente, em que medida os nossos direitos, liberdades e garantias estão restringidos.

Ou seja, a verdadeira suspensão dos nossos direitos, liberdades e garantias é determinada nos Decretos, isto é, nos regulamentos administrativos que regulam os estados de emergência.

Dir-se-á: mas essa regulamentação encontra respaldo nos sucessivos Decretos do Presidente da República e nas Resoluções da Assembleia da República.

Em teoria sim. Mas a realidade é que a abertura com que estes documentos são redigidos permitem várias soluções possíveis e em matéria tão sensível como a suspensão de direitos, liberdades e garantias não é aconselhável que exista uma deslocalização da decisão durante tanto tempo da Assembleia da República para um regulamento administrativo.

Percebendo que estamos a viver uma pandemia, com efeitos como nenhuma outra ocorrida na nossa vida, e que fruto da mesma a restrição dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos seria inevitável para proteção da nossa vida, seria possível – e aconselhável – que, mais de um ano depois da aprovação do primeiro estado de emergência, a Assembleia da República tivesse encontrado uma melhor forma de garantir o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

  • Pedro Vaz Mendes
  • Sócio da Vaz Mendes & Associados

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