Combater o gender (pay) gap com zeros e uns

Combater o gender (pay) gap com zeros e uns, uma forma simplista e generalista, porém direta, de explicar a base da programação computacional, pode ilustrar uma estratégia neste sentido.

“Durante os últimos anos, fui a única mulher em tecnologia da minha empresa”. A frase foi-me dita, em primeira pessoa, por uma empreendedora tecnológica portuguesa, mas podia ter sido contada, antecipo, por qualquer mulher a trabalhar em tecnologia. A revelação pouco inesperada, devo confessar, levou-me a pensar no assunto.

Fui ao dicionário.

Única: sem outro da sua espécie ou qualidade. Só, sozinho. Que só tem um elemento, uma unidade, um componente. Excecional.”

Sempre ouvi dizer que sermos únicos, na nossa individualidade, é uma forma de nos distinguirmos na vida em geral, e no mercado de trabalho em particular. Mas o que a tal frase me ressoou foi um desconforto difícil de disfarçar. Imaginem trabalhar num lugar onde são os únicos em algo. E que esse algo é uma mistura entre biológico e social, e tem até implicações na forma como somos percecionados, e impacto na forma como, por exemplo, trabalhamos, negociamos o nosso salário ou evoluímos na carreira.

Os dados do estudo Pioneers, divulgado em 2019 pela comunidade Portuguese Women in Tech, detalha que uma em cada dez mulheres a trabalhar em tecnologia, em Portugal, é o único elemento feminino da sua equipa. O estudo aponta ainda as razões que parecem afastar as mulheres do setor das tecnologias: o lento crescimento salarial, a baixa possibilidade de crescimento na carreira e o sexismo (quase 80% das inquiridas admite que já sofreu comentários ou gestos sexistas pelo menos uma vez).

Segundo outro relatório, “The Equality in Tech”, 57% das mulheres inquiridas testemunharam discriminação de género, em oposição a 10% dos homens. E, ainda que 35% das mulheres estejam descontentes com a sua compensação salarial, quando comparada com a dos seus pares masculinos (29%) , as mulheres estão menos predispostas a negociar ativamente um aumento salarial num emprego recente (44% dizem que sim, contra 49% dos homens).

As Nações Unidas estimam que, só nos países da Europa haja sete milhões de empregos em STEM (sigla em inglês para Science, Technology, Engineering e Mathematics) e que não haverá trabalhadores qualificados suficientes para preencher essas vagas (sim, leu bem, faltam três anos e meio para que cheguemos aí). Combater o gender (pay) gap com zeros e uns, uma forma simplista e generalista, porém direta, de explicar a base da programação computacional, pode ilustrar uma estratégia neste sentido.

Vejamos: estamos às portas de uma guerra de talento a nível europeu, que exige medidas concertadas e rápidas na resposta – sob pena de perdermos ainda mais o comboio tech no mundo -, mas temos nesse contra-relógio uma oportunidade porque, sempre que o mercado pede e não tem disponível, a valorização sobe. Apostar em upskilling e reskilling em tecnologia de mulheres – e homens, claro – é uma resposta já em marcha, com iniciativas como a da portuguesa Academia de Código ou da espanhola Ironhack a formar cada vez mais pessoas todos os anos – mas é preciso, ao mesmo tempo, insistir na sensibilização: é preciso fazer crer que a tecnologia não é um parque de diversões onde só os homens têm lugar, expressão e oportunidades.

Em 2019, a Google tornou público o seu esforço por assegurar uma remuneração igualitária entre os seus trabalhadores, e esta transparência parece prática comum na indústria. “A nossa análise à igualdade salarial assegura que a compensação é justa para trabalhadores com a mesma função, no mesmo nível, localização e performance. Mas sabemos que este é apenas um lado da história. Porque com o nivelamento, as classificações de desempenho e o impacto de promoções, este ano, estamos a rever de forma abrangente os processos para garantir que os resultados são justos e equitativos para todos os trabalhadores”, referia o blog da gigante tecnológica.

Iniciativas como a partilha destes testemunhos empresariais, de prémios como o das Portuguese Women in Tech ou e de dados sobre a evolução dos salários em tecnologia (que a Landing.jobs faz anualmente) são formas de construir um ecossistema mais justo e com igual acesso de oportunidade a homens e mulheres. E de aumentar a consciência de que, apesar dos progressos, há ainda um enorme caminho a percorrer nesta matéria.

O prémio que as Portuguese Women In Tech atribuem, anualmente, para dar visibilidade e distinguir mulheres que sejam exemplares no seu trabalho na área tech tem feito ver a realidade de outro prisma: mas lembro-me perfeitamente da frase de uma das vencedoras no debate que procedeu a entrega dos prémios: “Somos sempre quase a única na equipa”.

E, ainda que, de acordo com um estudo feito pelo SmartSurvey sobre os melhores países para as mulheres trabalharem, Portugal apareça em 6.º lugar (a seguir à Noruega, Dinamarca, Finlândia, Nova Zelândia e Suécia, considerando ), nunca hei de esquecer-me de uma história do arranque deste texto, contada há uns meses por uma empreendedora tecnológica portuguesa, sobre a sua experiência de construir uma equipa diversa em Portugal, nos últimos seis anos. “Até há poucos meses, era a única mulher da equipa em tecnologia porque é mesmo difícil contratar mulheres nesta área”.

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