CMVM à espera do Governo para reforçar autonomia financeira
Novo Código dos Valores Mobiliários deverá ir esta quinta-feira a Conselho de Ministros. Supervisor pede liberdade para definir taxas, usar o dinheiro das coimas e mexer nas reservas.
O novo Código de Valores Mobiliários poderá ser aprovado esta quinta-feira em Conselho de Ministros, pondo fim a uma espera de dura já há ano e meio. A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) espera a resposta do Ministério das Finanças para avançar com a revisão, que lhe poderá dar maior autonomia e mexer nas taxas de supervisão que a financiam.
O secretário de Estado das Finanças anunciou recentemente que a proposta legislativa vai seguir a “brevíssimo prazo” para aprovação em Conselho de Ministros e posteriormente do Parlamento. João Nuno Mendes justificou a demora com a “complexidade” do processo. “É um documento que precisa de uma aprovação [do Governo] para ser enviado à Assembleia da República. Esperamos que nos próximos dias isso possa vir a acontecer”.
A CMVM enviou, em dezembro de 2019, uma proposta de alteração ao Código dos Valores Mobiliários, com objetivos de “simplificação, de redução de cargas regulatórias, de previsibilidade na atuação da atividade reguladora e de maior flexibilidade normativa, sempre com a necessária proteção dos investidores e do mercado”, segundo explicou a presidente Gabriela Figueiredo Dias, numa conferência da CMVM, esta terça-feira.
O pacote legislativo que está nas Finanças inclui não só o código — que celebrou 20 anos em 2020 –, mas também o regime jurídico de supervisão à auditoria e os estatutos da CMVM. Gabriela Figueiredo Dias tem defendido que o atual enquadramento legal que rege a atividade do supervisor é pouco claro, deixando a porta aberta a interpretações. Há, em consequência, um risco para a autonomia do supervisor, segundo a líder.
"É um documento que precisa de uma aprovação [do Governo] para ser enviado à Assembleia da República. Esperamos que nos próximos dias isso possa vir a acontecer.”
O reforço da autonomia é, por isso, uma das prioridades da proposta enviada ao Governo, nomeadamente no que diz respeito à independência financeira. O supervisor financia-se atualmente através das taxas que cobra às entidades que estão abrangidas nas suas áreas. Há dois tipos de taxas, sendo que a CMVM só tem autonomia para definir as taxas por atos. Já as taxas de supervisão contínua que dizem respeito ao acompanhamento regular da atividade não são agora da competência da CMVM, que pretende que o seja para garantir a independência.
A proposta enviada ao Governo prevê também ajustamentos, como a diminuição de alguns encargos (como as taxas para novas cotadas, por exemplo), compensada pelo reforço a supervisionados que não são atualmente taxados. “As alterações em apreciação no modelo de financiamento regem-se por princípios de sustentabilidade do regulador e do mercado que regula e supervisiona, bem como de proporcionalidade e justiça face à estrutura e contexto operacional do mercado nacional”, explicou, na altura, a líder da CMVM, ao ECO.
Gabriela Figueiredo Dias já afirmou estar satisfeita com o financiamento por taxas de supervisão, devido à autonomia que traz, mas as contas estão no vermelho. Os últimos dados disponíveis, referentes a 2019, indicam que foram arrecadados 22,3 milhões de euros em taxas de supervisão, mas os custos foram mais elevados e a CMVM acabou por ter prejuízos de 719 mil euros.
Além de mexer nas taxas, o regulador propõe que as coimas aplicadas passar a entrar na CMVM como receitas. Estes valores vão atualmente para o Sistema de Indemnização aos Investidores (SII) que poderia vir a ser capitalizado pelo supervisor à medida que fosse necessário ou passar a receber diretamente financiamento do Orçamento do Estado.
"[Atraso na aprovação do código] não chega a ser desdém, é não ter a noção da sua importância, por isso não é prioritário.”
Por último, pretendia ter autorização para mexer nas reservas, um tema que tem gerado conflito com o Governo. Este fundo tinha, no final do ano passado, mais de 26 milhões de euros, mas tanto o ex-ministro Mário Centeno como o sucessor João Leão não autorizam que a CMVM use este dinheiro e levou mesmo ao adiamento de investimentos.
“O facto de não podermos aceder a essas reservas cria uma verdadeira paralisação porque não nos permite investir em alguns investimentos estruturais decisivos”, referiu em outubro a presidente da CMVM, citada pelo Diário de Notícias. Tendo em conta que tem havido sucessivamente discórdia entre Governo e CMVM sobre este assunto, não é certo que o Ministério das Finanças abdique do poder de decisão.
Questionada pelo Expresso numa entrevista publicada na semana passada sobre a demora na aprovação do novo Código dos Valores Mobiliários, a economista respondeu que “não chega a ser desdém, é não ter a noção da sua importância, por isso não é prioritário“. A presidente da CMVM criticou ainda que não haja medidas de apoio ao mercado de capitais no Plano de Recuperação e Resiliência. “Era importante que houvesse uma orientação estratégica que viesse de cima. Mas não há uma estratégia para o mercado de capitais, nem é uma prioridade”.
Além da revisão do Código de Valores Mobiliários, dos estatutos da CMVM e do regime de supervisão de auditoria, está ainda nos planos a revisão do regime jurídico da gestão de ativos e das empresas de investimento. Isto numa altura em que o supervisor se prepara para mudar a liderança já que o mandato de Gabriela Figueiredo Dias termina em junho.
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