SPACs: o jockey e a troca da ordem dos fatores
É seguro antecipar que as SPACS nacionais serão muito distintas das americanas e que mais tempo ainda decorrerá até que sejam encaradas como mais uma alternativa.
É seguro afirmar-se, ainda que de forma muito simplista, que as empresas capturam fundos através de dívida ou do aumento do seu capital, seja pelos próprios sócios/acionistas, seja pela sua abertura do capital a novos investidores (no limite, por capitalização em bolsa), estando a sua decisão quanto ao meio mais adequado para atingir esse fim dependente de diversos fatores e, em última análise, de um balanço custo-benefício.
Nesse processo de decisão, caber-lhes-á demonstrar, quer pelo seu histórico, quer pelo seu estado atual – considerando indicadores financeiros diversos, perspetivas de evolução de negócios, robustez da carteira de clientes, entre muitos outros – que cumprem as condições impostas pelos potenciais financiadores/investidores para serem “merecedoras” da injeção de capital a que se propuseram (e de que necessitam), independentemente da forma que esta revista. E este raciocínio tanto será válido na perspetiva de um financiamento bancário puro, de um empréstimo obrigacionista e de uma transação de M&A, seja esta tradicional, pela via do private equity, do venture capital, ou assumindo qualquer outra forma, mais ou menos sofisticada.
Dir-se-á que se trata de uma relação causa-efeito. Certo? Não necessariamente. Ou, melhor, poderá estar certo, mas não seguir necessariamente aquela ordem. A ideia não é nova (vejam-se os fundos de investimento) mas é diferente.
SPACs são special purpose acquisition companies, sociedades cotadas, sem quaisquer negócios ou ativos que não os próprios capitais levantados em bolsa, cujo objetivo é identificar empresas num determinado setor e/ou área geográfica, tendo em vista a sua aquisição ou fusão com essa SPAC (o “de-SPACing”, momento a partir do qual a SPAC deixa de ser uma sociedade vazia e passa a deter um negócio).
Estas transações têm que ser implementadas num determinado prazo (por regra, 18 a 24 meses), sob pena de dissolução da SPAC, com a consequente devolução dos fundos, que ficam, entretanto, “trancados” numa conta dedicada, aos respetivos investidores.
As SPACs são também conhecidas como “cheques em branco” (blank check companies), por variadíssimas razões, designadamente porque são motores do investimento na oferta pública inicial da SPAC a reputação e experiência dos fundadores e gestores. Como afirmava um CEO norte-americano há uns meses, numa metáfora sublime, aposta-se no jockey e não no cavalo. Novamente, o mundo ao contrário.
E, ainda assim, nos EUA os fundos movimentados através das SPACs no primeiro trimestre de 2021 já ultrapassam os relativos ao ano 2020 (cerca de USD 82 b), que viu serem cotadas mais SPACs do que empresas tradicionais.
Em Portugal, esta figura é ainda inexistente. A CMVM afirmou em abril que equaciona um quadro regulamentar para as SPAC, enquanto alternativa de financiamento. Também a OCDE, na sua avaliação ao mercado de capitais português de 2020, tinha recomendado a introdução de um quadro regulamentar para veículos de aquisição de fins especiais que permitisse “de forma simples e eficiente” a cotação de empresas de menores dimensões.
Independentemente dos contornos da regulamentação e do tempo que decorra até que seja implementada, é seguro antecipar que as SPACS nacionais serão muito distintas das americanas e que mais tempo ainda decorrerá até que sejam encaradas como mais uma alternativa, seja de financiamento, seja de investimento, num mercado conservador e pouco habituado a esta troca da ordem dos fatores.
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