Detenção de advogados. Ficará a classe com sequelas?
No seguimento da detenção do advogado de Joe Berardo, André Luiz Gomes, a Advocatus foi tentar perceber as consequências reputacionais que episódios como este podem afetar a classe profissional.
Joe Berardo foi detido na passada terça-feira por suspeita de burla à Caixa Geral de Depósitos (CGD). Mas a investigação não está centrada apenas no empresário madeirense, também o seu advogado e amigo de longa data, André Luiz Gomes, foi alvo da ação da Polícia Judiciária.
Ao fim de mais de 24 horas de interrogatórios judiciais e três noites passadas nos calabouços das PJ, os arguidos sabem agora que são suspeitos de 20 crimes, no caso do advogado, e de 13 crimes no caso de Berardo. A decisão de Carlos Alexandre foi conhecida esta sexta-feira. Ambos ficam sujeitos ao pagamento de cauções.
Entre os crimes suspeitos está a burla qualificada, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais, abuso de confiança qualificado, falsidade informática, falsificação de documento, abuso de confiança qualificada e descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público. A lista de 12 suspeitos conta com Jorge Sabino Rodrigues Berardo, irmão de Joe Berardo, Carlos Santos Ferreira, ex-presidente da Caixa, e BCP e o filho de Joe Berardo, Renato Berardo.
André Luiz Gomes, que também foi detido, é advogado de Berardo há cerca de 30 anos e na manhã de quinta-feira foi ouvido durante horas pelo juiz de instrução Carlos Alexandre. Foi membro Conselho Consultivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (1995 – 2000), sócio da Luiz Gomes & Associados (1994 a 2005), sócio da Cuatrecasas entre 2005 e 2015, e advogado em prática individual em 2016. Atualmente é o managing partner da Luiz Gomes & Associados.
Para além do empresário madeirense, o advogado esteve envolvido em importantes processos, como o caso sobre a herança do amigo Berardo, Horácio Roque, e também defendeu Paula Amorim na compra do fundo imobiliário dona da Comporta. Também esteve do lado da CGD no caso da venda da cimenteira Cimpor em 2012.
A detenção de advogados não é muito frequente na justiça portuguesa, mas a constituição de advogados como arguidos tem sido mais comum nos últimos anos. Mais ainda as buscas a escritórios de advogados. Em causa a possibilidade de, ao constituírem as defesas dos suspeitos como arguidos, a justiça consegue aceder a mais provas. Por exemplo, buscas a escritórios de advogados para apreender correspondência, discos rígidos, computadores ou documentação.
“Encaro sempre com muita preocupação a detenção de um advogado, tal como se tornou igualmente um mau hábito a constituição de advogados como arguidos apenas para se poder ter acesso aos seus documentos e às comunicações privilegiadas entre o advogado e o cliente”, explicou à Advocatus José Luís Moreira da Silva, presidente da Associação das Sociedades de Advogados de Portugal (ASAP).
Para José Luís Moreira da Silva, o advogado é um elemento essencial do Estado de Direito e “qualquer coerção que o Estado exerça sobre ele significa um prego no caixão do Estado de Direito e da Justiça”. Ainda assim, sobre a detenção de André Luiz Gomes, espera que a mesma tenha fortes justificações e tenha respeitado o princípio da proporcionalidade.
O antigo presidente do Conselho Regional de Lisboa (CRL) da Ordem dos Advogados (OA), António Jaime Martins, questionou o número ilimitado de horas que é permitido interrogar pelo Código de Processo Penal (CPP) e que este, passados 45 anos, ainda permite a detenção em moldes que “comprometem seriamente o exercício do direito de defesa e o princípio da presunção de inocência do arguido”.
“Alguns dos últimos casos mediáticos, puseram a nu alguns dos tiques salazarentos que ainda não foram expurgadas no nosso Código de Processo Penal. Estou a pensar na ausência de limite à detenção para interrogar, pois as 48 horas são apenas para o início do interrogatório”, refere.
Desta forma, defende que se crie um foro especial em matéria criminal para os casos de detenção dos advogados por atos praticados no exercício da profissão, permitindo-se apenas a detenção em situações em que exista “prova indiciária reveladora de atos concretos em que se possam alicerçar fundadas suspeitas da prática do crime e mediante prévia possibilidade de efetivo exercício de contraditório”.
Contactado pela Advocatus, o bastonário da OA, Luís Menezes Leitão, apenas explicou que a Ordem acompanha a situação com preocupação e que irá averiguar todos os seus aspetos. “Não nos iremos pronunciar sobre o caso concreto, referindo apenas que todos os advogados estão sujeitos a um rigoroso código deontológico de conduta, competindo aos órgãos disciplinares da Ordem atuar sempre que surjam indícios de atuação irregular por parte de qualquer advogado”, assegurou.
Reputação da advocacia
Contactadas pela Advocatus, os principais escritórios de advogados do mercado não se quiseram pronunciar sobre a matéria, alegando que o processo está em “segredo de justiça”, que “pouco se conhece do caso” e que “são matérias muito sensíveis”.
João Massano, presidente do CRL da OA, acredita que este tipo de situações, como a recente detenção de André Luiz Gomes, nunca são boas para a imagem da classe, nem para outra qualquer que envolva profissionais dessas áreas.
“Nunca é bom, para qualquer classe que seja, ver um dos seus profissionais – ainda mais quando têm o nível de mediatismo que esta situação está a ter – envolvido num processo deste tipo”, refere o líder do CRL.
Ainda assim, reforça que os advogados são pessoas, como os profissionais de qualquer outra classe, e, desta forma, todos podem ser envolvidos nestes tipos de processos. João Massano sublinha também que neste caso concreto estamos perante uma mera detenção para interrogatório sem que tal signifique qualquer condenação por qualquer ilícito criminal.
“É claro que o envolvimento de um advogado num processo mediático tem consequências reputacionais mas a classe tem os seus créditos bem firmados na sociedade, sendo reconhecida pelos cidadãos como fundamental para a afirmação e deveres dos seus direitos, e acredito que a nossa reputação não será beliscada por esta situação”, acrescenta.
Alegada fraude à CGD
O caso foi tornado público depois de uma operação policial em que foram feitas cerca de meia centena de buscas, três das quais a estabelecimentos bancários, e que levou à detenção do empresário e colecionador de arte e do seu advogado de negócios André Luiz Gomes, suspeito pelos mesmos crimes.
Segundo comunicados da PJ e do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), em causa no processo está um grupo “que entre 2006 e 2009 contratou quatro operações de financiamentos com a CGD, no valor de cerca de 439 milhões de euros” e que terá causado “um prejuízo de quase mil milhões de euros” à CGD, ao Novo Banco e ao BCP.
Envolvidos no processo estão até ao momento 12 arguidos: Joe Berardo, André Luiz Gomes, Jorge Sabino Rodrigues Berardo (irmão de Berardo), Carlos Santos Ferreira (ex-presidente da Caixa e BCP), Fátima Câmara (contabilista na Madeira), e Sofia Catarino (vogal do conselho de administração da Associação de Coleções). Além destes, foram ainda constituídos seis arguidos coletivos: Sociedade Luiz Gomes & Associados, Atram — Sociedade Imobiliária S.A. (detida a 100% pela mulher de Berardo, Carolina), Associação Coleção Berardo, Associação de Coleções, Moagens e Associadas SA e Metalgest – Sociedade de Gestão, SGPS, SA.
O juiz Carlos Alexandre aplicou esta sexta-feira uma caução de cinco milhões de euros como medida de coação ao empresário Joe Berardo e de um milhão ao seu advogado e André Luiz Gomes. Os dois arguidos ficaram ainda proibidos de manter contactos entre si e com vários familiares.
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