Há dois anos que a Justiça investiga “golpada” de Berardo à banca
Joe Berardo e o seu advogado foram detidos esta terça-feira na sequência de uma investigação no âmbito da Caixa. Desde 2019 que as autoridades têm 'golpada' à banca na mira.
Há pelo menos dois anos que a Justiça tem na mira a “golpada”de Joe Berardo à banca no que diz respeito à sua coleção de obras de arte e às dívidas de mil milhões de euros, “golpada” essa que está agora no centro das detenções do empresário madeirense e do seu advogado, André Luiz Gomes, esta terça-feira.
Em 2019, depois da audição polémica do comendador na comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD), surgiu um novo capítulo da investigação judicial que começara em 2016 e que passou a pente fino os grandes créditos em situação de incumprimento, como os financiamentos concedidos a sociedades ligadas a Joe Berardo, como a Fundação Berardo e a Metalgest, visando também o apuramento de eventuais crimes de gestão danosa no banco público.
Na altura, como avançou o ECO, os procuradores pediram ao Tribunal da Comarca de Lisboa a peça central com a qual Joe Berardo fundamentou a “golpada” à CGD, Novo Banco e BCP dentro na Associação Coleção Berardo, a dona das obras de arte, e que terá permitido ao comendador blindar a sua coleção.
Em causa está o processo número 1753/13.1TVLSB, que foi intentado por um anónimo (Augusto Joaquim Vieira de Sousa) contra a Associação Coleção Berardo em outubro de 2013. Esta ação de processo comum teve como objetivo declarar nula a alteração dos estatutos da associação, efetuada em 2008, e na qual se reconhecia o penhor a favor dos três bancos de 75% dos títulos de participação da Associação Coleção Berardo — mais tarde os bancos vieram a ficar com 100% dos títulos. Ou seja, de acordo com os estatutos, detendo o penhor dos títulos, os bancos tinham os direitos de voto na assembleia geral da instituição, podendo determinar o rumo das obras de arte.
Em março de 2016, porém, foi dada razão ao cidadão anónimo pelo tribunal. E foi munido desta sentença que Joe Berardo fundamentou, poucos meses mais tarde, em outubro de 2016, a anulação da alteração dos estatutos da Associação Coleção Berardo que os bancos credores tinham efetuado para repor os direitos que tinham sido acordado no contrato de penhor de 2008. Na prática, os bancos deixaram de ter poder dentro da associação com base na decisão do tribunal.
Associação no centro do furacão
Toda esta história desenrola-se à volta da Associação Coleção Berardo e tem pormenores insólitos, o que ajuda a explicar o imbróglio jurídico em redor da execução dos bancos junto do comendador.
O anónimo que colocou a ação contra a associação tinha como advogado Gonçalo Moreira Rato, primo de André Luiz Gomes, o advogado de Joe Berardo. Pelo meio, a própria Associação Coleção Berardo (que tem o comendador como presidente vitalício) efetuou um aumento de capital através da emissão de mais títulos e que terão diluído a posição dos bancos credores. E aparentemente tudo foi feito à revelia e sem o conhecimento dos bancos, o que levou João Vieira de Almeida a demitir-se de presidente da assembleia geral da associação, ele que tinha sido nomeado para o cargo em 2008 por indicação dos três bancos.
Todos estes desenvolvimentos na associação foram expostos na audição de Berardo no Parlamento no inquérito à Caixa, tendo levado a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua a acusar o empresário madeirense de ter feito uma “golpada” à banca.
A audição, de resto, seguiu para o Ministério Público, e para memória futura terão ficado as gargalhas de Joe Berardo quando a deputada do CDS Cecília Meireles lhe perguntou se os bancos iria ficar com as obras de arte se exercessem o penhor dos títulos de participação da Associação Coleção Berardo.
Mira aos gestores da Caixa?
Esta terça-feira, em comunicado, o DCIAP revelou que o inquérito iniciado em 2016 “investiga matérias relacionadas com financiamentos concedidos pela CGD e outros factos conexos, suscetíveis de configurar, no seu conjunto e entre outros, a prática de crimes de administração danosa, burla qualificada, fraude fiscal qualificada, branqueamento e, eventualmente, crimes cometidos no exercício de funções públicas“.
Ou seja, deixa a entender que também está a avaliar a participação dos gestores do banco na concessão de crédito. Até hoje não se conhece nenhuma ação judicial contra ex-gestores da CGD por causa desta investigação.
Entretanto, os três bancos aos quais as empresas de Joe Berardo devem dinheiro não ficaram parados e também avançaram para os tribunais no sentido de recuperarem os cerca de mil milhões de euros. Em outubro do ano passado, apresentaram a ação principal que visa confirmar o direito a executar as obras de arte do empresário madeirense. Já este ano o Novo Banco avançou com outra ação contra a Metalgest e Fundação Joe Berardo.
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