Centros de saúde não estão a conseguir retomar rastreios e recuperar atividade
Profissionais que trabalham nos centros de saúde defendem por isso uma maior articulação com os hospitais e até com instituições privadas de saúde para aliviar os cuidados primários das tarefas Covid.
A Ordem dos Médicos alerta que os centros de saúde não estão a conseguir retomar os rastreios de alguns cancros, que estão a ser feitos apenas de forma oportunista, e que tem sido quase impossível recuperar a atividade perdida.
Após um ciclo de visitas a centros de saúde da Área Metropolitana de Lisboa, Alentejo e Algarve, que vai complementar a informação do inquérito enviado a todos os médicos de medicina geral e familiar para apurar a situação nos cuidados de saúde primários, a Ordem dos Médicos alertou que os profissionais destes centros continuam sobrecarregados com tarefas ligadas à pandemia e com pouco tempo para os restantes utentes.
“A pandemia interferiu, e ainda interfere, com todos os centros de saúde, numas áreas de forma mais comum e noutras mais acentuada nalguns aspetos, de acordo com as realidades locais”, explicou à Lusa o presidente do Conselho Regional Sul da Ordem dos Médicos, Alexandre Valentim Lourenço.
O responsável disse ainda que, em muitos centros de saúde, “não houve sequer ainda a retoma da normalidade, quanto mais a recuperação do que ficou em atraso”.
Alexandre Lourenço lembrou que os centros de saúde receberam orientações diferentes das administrações regionais de saúde para a resposta à pandemia, “sem coerência”. “Numas situações deram autonomia ao centro de saúde para se adaptar e dar resposta, noutras não. Muitos tinham de obedecer a regras que muitas vezes não tinham aplicação lógica nem prática”, apontou.
Sublinhou que os médicos e enfermeiros dos centros de saúde encararam a vacinação Covid-19 como “uma missão nacional”, mas que “não estavam à espera de serem requisitados de forma tão brutal como foram”.
“Havia intenção de os centros de vacinação recorrerem à contratação de médicos e enfermeiros voluntários (…), mas na maior parte dos sítios, para poupar dinheiro, os médicos de família foram incluídos em sistemas rotativos para vacinação, uma missão que encaram como nobre e necessária, mas que lhes retira tempo para os seus doentes”, explicou.
Os profissionais que trabalham nos centros de saúde defendem por isso uma maior articulação com os hospitais e até com instituições privadas de saúde para aliviar os cuidados primários das tarefas Covid-19, que continuam a dificultar o seguimento dos restantes utentes. “Isto é um desígnio nacional, é uma tarefa prioritária nacional e, portanto, estar só e apenas entregue aos cuidados de saúde primários e aos centros de saúde vai fazer com que se resolva um problema criando outro: temos a vacinação a correr, mas não temos os centros de saúde a funcionar como todos gostaríamos”, disse à Lusa o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF).
Nuno Jacinto referiu que a solução pode passar pela contratação de profissionais fora dos centros de saúde e “por uma maior articulação com os profissionais nos hospitais ou até de instituições privadas de saúde”. “Estamos ainda muito longe de conseguir fazer uma retoma total da nossa atividade porque continuamos deslocados para a vacinação e, nos locais onde vai havendo mais casos, quer positivos quer suspeitos, continuam a ser os colegas das unidades a fazerem vigilância através do ´trace covid’ e dos contactos telefónicos de todos estes utentes”, explicou.
O presidente do Conselho Regional Sul da Ordem dos Médicos disse ainda que nalguns centros de saúde a situação é mais complicada. “Em centros de saúde com três ou quatro médicos, deslocar todos os dias um para vacinação deixa um terço ou metade dos utentes sem médico”, disse.
Alexandre Lourenço apontou também os atrasos nos rastreios que dependem dos cuidados de saúde primários, dizendo que, no caso do cancro do colo do útero, já têm “um ano e meio de atraso”.
O especialista lembrou que nos rastreios que não dependem do funcionamento do centro de saúde, como é o caso do cancro da mama, que é baseado em ecografias que podem ser feitas fora do centro de saúde, os médicos fazem as prescrições e as pessoas estão a retomar, mas que, por exemplo, no rastreio do colo do útero, “as citologias não estão a ser feitas”.
“Os rastreios, muitas vezes, eram feitos por médicos com auxílio de enfermeiros e não estão uns nem outros. (…) O do cancro do colo do útero é paradigmático, não há rastreios de forma sistemática. Estão a ser feitos de forma esporádica e oportunista, ou seja, o doente aparece com queixas e faz-se o rastreio”, explicou. “Antigamente era ao contrário, chamavam-se 100 doentes para fazer 100 rastreios. E agora não se chamam doentes”, acrescentou.
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