Bloco acusa Centeno de estar a condicionar as negociações do Orçamento
José Gusmão, eurodeputado do Bloco, acusa Mário Centeno de usar o Banco de Portugal para "condicionar as negociações" orçamentais, nomeadamente sobre a legislação laboral.
As recomendações de Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, sobre as políticas que o país deve seguir, nomeadamente a estabilidade da legislação laboral, não caíram bem à esquerda. Contactado pelo ECO, o PCP preferiu não comentar para já, mas o Bloco não se inibiu de criticar o ex-ministro das Finanças: “O que está a fazer é a utilizar a sua função para condicionar as negociações do Orçamento do Estado“, reage o eurodeputado José Gusmão, que faz parte do secretariado do Bloco.
Foi esta quarta-feira na apresentação do boletim económico de junho que Mário Centeno aproveitou para apresentar uma série de recomendações e avisos sobre o futuro próximo da economia portuguesa, como o tema da alteração da legislação do trabalho sinalizada pelo PS. Para o governador do Banco de Portugal não há dúvidas de que mudanças na lei laboral não beneficiarão a retoma e que o foco deve estar na criação de emprego e na transição entre postos de trabalho.
Estas palavras merecem críticas do Bloco de Esquerda não só pelo conteúdo mas também pelo mensageiro. “Mesmo na mais alargada das interpretações das competências do Banco de Portugal, vir pronunciar-se sobre o SNS, o mercado de trabalho ou a fiscalidade é uma coisa que cai completamente fora das funções institucionais“, considera José Gusmão, acusado Centeno de “abuso de funções”. “Os governadores do Banco de Portugal ciclicamente fazem tudo menos a sua função”, acrescenta, assinalando que “tudo passa despercebido” ao banco central no que toca à supervisão bancária.
Para o eurodeputado bloquista esta é uma forma do ex-ministro das Finanças “dar força à pressão da Comissão Europeia junto do Governo português” para não reverter as reformas laborais que foram implementadas durante a troika. “Claramente que está a fazer de megafone das posições da Comissão a este respeito, procurando transmitir a ideia de que é do interesse de Portugal cumprir essas orientações”, argumenta, notando que se Centeno “queria continuar a ser ministro das Finanças, continuava”.
Quanto ao conteúdo, o também economista não dá razão a Centeno: “A criação de emprego decorre do tipo de política económica. Se quer criação de emprego devia estar a defender uma utilização mais ambiciosa do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e da sua execução“. Gusmão considera que o argumento da criação de emprego tem “legitimado há décadas” a desregulação da lei laboral, nomeadamente em “conjunturas negativas”. Essa não é a solução para o Bloco, que continuará a defender mudanças que diminuam a precariedade, o reforço dos direitos dos trabalhadores por turnos e ainda as regras do pagamento de horas extraordinárias, dos dias de férias e a compensação por despedimento.
PS acha que “não há problema estrutural” na lei laboral
Ouvidos os avisos de Centeno, Gusmão também não se mostra otimista com a aparente abertura dada por António Costa na moção que submeteu na sua recandidatura a secretário-geral do PS. “Tem alguma graça ouvir o primeiro-ministro de um Governo com seis anos de mandato dizer que vai começar a reforma do mercado de trabalho após ter começado o início deste mandato com o argumento de que era preciso estabilidade no mercado de trabalho“, riposta o bloquista.
Costa disse recentemente: “Não podemos sair desta crise com a legislação de trabalho que tínhamos” e a sua moção dá algumas pistas sobre onde pode haver mudanças. “O PS deve assumir a revisão da legislação laboral para regular adequadamente as novas formas de trabalho e assegurar direitos laborais e de proteção social a estes trabalhadores (por exemplo, das plataformas digitais), combater o recurso abusivo ao trabalho temporário aumentando a responsabilização dos utilizadores, com maior transparência e prestação de informação e reforço da estabilidade laboral dos quadros das empresas de trabalho temporário”, lia-se na moção.
Para José Gusmão estas declarações de Costa não são suficientes. Apesar de reconhecer que é preciso melhorar a lei que enquadra o trabalho nas plataformas digitais — a de Portugal é a “pior lei” da UE nesta área, classificou –, o eurodeputado do Bloco diz que não viu “abertura nenhuma” por parte do PS. “É claro que ao definir as reformas do mercado de trabalho como mexer em nichos, o PS entende que não existe um problema estrutural na legislação do trabalho e que as mudanças da troika servem os interesses do país“, conclui.
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