Em entrevista ao ECO, a nova líder parlamentar do PAN, Bebiana Cunha, defende uma redução do IRS nos escalões intermédios, compensada por uma subida nos escalões mais elevados.
Já arrancaram as negociações para o Orçamento do Estado 2022 (OE 2022), num ano que será marcado pelas eleições autárquicas, que podem mudar o xadrez político. Ao longo deste verão quente o ECO vai ouvir Governo, partidos, parceiros sociais e empresários sobre um Orçamento que ainda não tem aprovação garantida e que está a ser desenhado no meio de uma pandemia. Leia aqui todos os textos e as entrevistas, Rumo ao OE.
Logo a seguir a ter reunido com António Costa, numa reunião em que arrancaram as negociações do Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022), a nova líder parlamentar do PAN revelou em entrevista ao ECO que sentiu “vontade de aproximação” por parte do Governo, mas não se deixa convencer: “Falta saber se ela é apenas simbólica ou se será de facto efetiva“, afirma, notando que tal se verá nas próximas reuniões em que se vai “dissecar” temas e propostas. E avisa que “não põe de lado nesta fase qualquer posicionamento em relação ao Orçamento do Estado”, admitindo votar contra.
Uma das prioridades do PAN é a revisão dos escalões do IRS de forma a aliviar a carga fiscal que incide sobre os rendimentos do trabalho da classe média. Esta era uma das promessas eleitorais do PS nas legislativas de 2019, mas a pandemia veio baralhar as contas, adiando a sua implementação. Em entrevista ao Expresso em abril, o ministro das Finanças, João Leão, deu a entender que não seria neste Orçamento: “Não podemos ignorar que a crise mudou radicalmente as questões que se lançaram ao país”, disse, evitando responder diretamente à pergunta que, agora, nas negociações orçamentais, poderá voltar a ser colocada pelos partidos que o viabilizam.
Além disso, o partido Pessoas, Animais e Natureza quer mais avanços na resposta à emergência climática: são necessárias medidas urgentes para combater a crise climática que têm de estar previstas no OE 2022, defende Bebiana Cunha, pedindo mais ambição e ação ao Governo socialista. “Temos de exigir cada vez mais porque não podemos dizer que não sabíamos que as políticas atuais efetivamente têm consequências drásticas nas gerações mais jovens”, considera.
Acaba de ter a primeira reunião [segunda-feira, 26 de julho] do OE 2022 com o Governo. Qual o rescaldo?
O PAN tem-se pautado por elevado sentido de responsabilidade e disponibilidade para o diálogo, nomeadamente nos Orçamentos do Estado, que são um instrumento importantíssimo para garantir o funcionamento das estruturas do país e as respostas políticas tão necessárias. O que nós procurámos fazer nesta reunião foi levar as nossas preocupações ao primeiro-ministro e à sua equipa. Manifestámos as nossas preocupações relativamente às moratórias, aos apoios sociais e às pessoas que estão em situação mais fragilizada seja por perda de emprego seja por perda de rendimento substancial. A par disso temos uma crise de fundo que é a crise climática e para a qual são necessárias medidas urgentes e que têm de estar previstas no OE 2022.
O foco tem estado na execução do OE 2021. Falaram agora de medidas para o próximo ano?
Só faz sentido estar em diálogo se depois houver o cumprimento dos compromissos por parte do Governo. Estamos perante uma taxa de execução do OE 2021 em relação às propostas do PAN de cerca de 50%. Podemos ver o copo meio cheio ou meio vazio, mas o balanço que fazemos da recetividade do primeiro-ministro foi uma recetividade positiva, para já, no sentido de mostrar vontade de acolher uma série de propostas do PAN. Mas esta foi uma primeira conversa pelo que tirar conclusões é ainda precipitado. O diálogo terá de continuar, começando a dissecar propostas de forma mais concretas. Vamos ver se este grau de entendimento se mantém. O que nós temos dito é que o Governo tem de se aproximar das soluções do PAN. Vamos para as reuniões com um espírito crítico, mas construtivo.
Quais foram as linhas gerais do OE2022 apresentadas pelo Governo?
As respostas que o Governo prevê para 2022 vão estar muito assentes nas verbas da União Europeia e o Executivo assume que quer aproveitar para resolver problemas estruturais e, ao mesmo tempo, recuperar destas várias crises que se instalaram. Temos objetivos comuns de trazer respostas sociais e de saúde, entre outros. O que falta saber é as medidas em concreto.
Enquanto líder parlamentar do PAN avisou que o diálogo com o Governo não pode ser um monólogo. A ida do primeiro-ministro à reunião foi um sinal de maior abertura?
Da nossa leitura e daquilo que foi a posição do Governo nesta reunião, há uma vontade de aproximação ao PAN. Falta saber se ela é apenas simbólica ou se será de facto efetiva. Isso é o que nós veremos nas próximas reuniões e no diálogo que vamos manter na perspetiva de perceber até onde é que o Governo está disposto a ir naquelas que são as nossas reivindicações.
Não é o primeiro ano que o PAN negoceia um Orçamento. Já existe uma relação de confiança com o Governo?
O cumprimento das medidas passadas é um facilitador. Mas não esperámos outra coisa, o OE foi aprovado, nem podemos equacionar que o Governo não pense sequer em executá-lo. Agora isso não fará com que o PAN deixe de exigir ou de propor ou de lutar por aquilo que entendemos que deve acontecer. Também não põe de lado nesta fase qualquer posicionamento em relação ao Orçamento do Estado porque estamos aqui em conversas muito iniciais.
Se não houver vontade de diálogo, não vamos continuar a insistir numa tecla se ela já estiver gasta.
A porta-voz do PAN admitiu que há um “calendário curto” na negociação do OE por causa das autárquicas. Prevê que vá dificultar?
O PAN procurou deixar claro nesta reunião — e da parte do Governo isso também ficou claro — é que temos de ter um calendário de reuniões setoriais que permitam discutir as propostas de forma muito concreta. Esse calendário vai ficar fixado e exigirá de todos nós um maior esforço no sentido de fazer avançar este diálogo. A posição do PAN será de fazer a sua parte. Vamos ver se o Governo também estará disponível para fazer a sua. Estando disponível, evidentemente o PAN continuará estas conversações. Não estando, o PAN segue o caminho que tiver de seguir. Se não houver vontade de diálogo, não vamos continuar a insistir numa tecla se ela já estiver gasta.
Disse que o PAN seria “claramente mais duro” neste Orçamento. Porquê?
Vivemos um momento social bastante difícil e, por isso, tem de haver uma resposta estatal à altura das necessidades das empresas e das famílias. Seremos exigentes na aplicação das verbas europeias porque há um conjunto de aprendizagens que têm sido feitas do passado, nomeadamente na própria crise sanitária. Aliás, na União Europeia tem-se vindo a discutir uma política de uma só saúde em que aquelas que são as decisões tomadas na agricultura, ambiente, na intervenção social, são políticas que devem ter também em conta a saúde. Veja-se como esta crise sanitária nasce: precisamente na nossa relação de predação e invasão dos ecossistemas e habitats e a sua destruição, e da nossa relação com animais selvagens. Não podemos incorrer nos erros e nos mesmos modelos socioeconómicos. Temos de exigir cada vez mais porque não podemos dizer que não sabíamos que as políticas atuais efetivamente têm consequências drásticas nas gerações mais jovens.
Na reunião com o Governo já sentiu limitações nas negociações por causa das regras orçamentais e da necessidade de reduzir o défice?
Essa é uma preocupação que qualquer Governo terá de ter e qualquer partido da oposição também tem de ter isso em conta. A perceção que tivemos é que efetivamente há uma consciência e uma vontade de querer aumentar a taxa de emprego e reduzir o défice. O que acaba por nos diferenciar é o modelo económico que o Governo continua a acreditar que deve estar completamente assente no consumo enquanto o PAN tem vindo a dizer que pode haver desenvolvimento, sem ser através de um crescimento económico de políticas extrativistas.
Deixamos bem claro que precisamos de uma maior justiça social e de uma menor carga [fiscal] na classe média.
O PAN quer mexidas nos escalões do IRS. Onde exatamente?
Deixamos bem claro que precisamos de uma maior justiça social e de uma menor carga [fiscal] na classe média. É preciso taxar mais quem mais ganha e poder aliviar as pessoas que vivem muito dependentes do seu trabalho. Há a necessidade de dialogar e de discutir com o Governo esta revisão dos escalões do IRS. Há também aqui uma preocupação enorme no que diz respeito ao salário médio que cada vez fica mais baixo e mais distante dos grandes salários. Não podemos ter uma sociedade tão injusta do ponto de vista daquilo que são os rendimentos.
Uma proposta do PAN passará pelo agravamento nos escalões mais elevados e o desagravamento nos intermédios?
Sim, nós claramente ao nível dos escalões intermédios gostaríamos mesmo de fazer uma proposta de revisão. Já no anterior OE procuramos fazer esta negociação e infelizmente não foi possível fazer estas conversações. Apresentaremos uma proposta concreta que terá essas bases que acabou de elencar. No fundo, aliviar um pouco aqueles que têm os salários mais baixos e que acabam por ser afetados pela elevada carga fiscal.
Outra das áreas onde os portugueses se queixam da carga fiscal é nos combustíveis. O PAN admitiria uma diminuição dos impostos que incidem sobre o gasóleo e a gasolina?
O PAN ao longo da sua existência tem alertado para a eliminação dos subsídios perversos no âmbito dos combustíveis fósseis. Entendemos que é esse o caminho que tem de acontecer e se essa eliminação se repercutir naquilo que são os custos para o consumidor final, evidentemente é um caminho que tem de ser feito. Mas não podemos deixar de manifestar a nossa preocupação em particular com a estratégia do Governo para a mobilidade ativa que está na gaveta desde 2020. Ainda hoje [segunda-feira, dia 26 de julho] demos nota ao Governo de essas metas não estarem a ser de todo cumpridas.
A questão dos subsídios está relacionada com empresas, mas não com os consumidores “normais”. O Governo não deve atuar ao nível dos impostos dos combustíveis?
O Governo tem o dever de criar respostas de mobilidade que incentivem e permitam às pessoas ter transportes públicos disponíveis e eficientes ou que tenham condições para usar modos suaves. Não existindo essas respostas e as pessoas tendo de deslocar-se para determinados locais, é inevitável que as pessoas recorram ao transporte próprio. Há aqui uma reivindicação justa das pessoas em relação ao que tem sido esta incoerência do Governo de falar da descabornização, de falar do combate às alterações climáticas, e depois não criar políticas que realmente garantam as deslocações. Há um atraso estrutural em Portugal ao nível da ferrovia.
Penso que o Orçamento não se irá esgotar de todo nesse debate [do Novo Banco].
O PAN está disponível para viabilizar outro Orçamento com uma verba para o Novo Banco?
A posição do PAN passou sempre pela renegociação destes contratos. Tal não aconteceu. Entendemos que havia acordos e compromissos que de alguma forma podiam ter sido revistos se houvesse esta vontade por parte do Governo. Mas penso que o Orçamento não se irá esgotar de todo nesse debate. A posição do PAN é clara e é totalmente diferente o PAN votar a favor de um Orçamento ou abster-se ou até votar contra, sendo que neste momento está complemente em aberto.
Em relação à TAP têm lutado pelo condicionamento de mais ajudas aos compromissos ambientais. Haverá alguma proposta neste sentido?
Sim, será uma matéria a que daremos a nossa atenção com proposta concreta [sobre os compromissos ambientais] para o próximo OE. Para além desses compromissos ambientais, outro aspeto que não podemos descurar e que temos vindo a pôr a nu é a política relativa aos trabalhadores da empresa. Temos alertado para os despedimentos e pelas pessoas mais afetadas, como as que têm doença oncológica, muitas mulheres, e esse é um aspeto que tentaremos levar a debate com o Governo.
Neste momento ainda não têm um caderno de encargos, mas há já algumas propostas definidas?
Faremos um caderno de encargos muito extenso para dar resposta às necessidades, desde logo ao nível da proteção ambiental com o reforço dos meios da IGAMAOT, do reforço do PART [Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos], garantir a figura dos guardiões dos rios e meios hídricos, mas também sem esquecer a transição ao nível da agricultura — sendo esta uma área onde apresentaremos uma série de propostas tendo em vista uma agricultura regenerativa –, e garantir sistemas ecológicos na gestão e preservação dos habitats para que possamos assistir à promoção da biodiversidade.
O PCP defendeu recentemente a redução do preço dos passes intermodais. O PAN acompanha essa reivindicação?
O caminho que tem de ser feito ao nível dos transportes públicos é uma acessibilidade a todos os níveis. Não só é fundamental que os transportes públicos estejam mais próximos das pessoas, garantindo a sua eficiência, mas também que as pessoas percebam que é claramente benéfico andar de transportes públicos e que é acessível. Ser acessível passará sempre por uma redução do valor que as pessoas têm de pagar para usufruírem dos transportes públicos.
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PAN quer “aliviar” IRS da classe média no OE2022, diz Bebiana Cunha
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