Marcelo envia artigo polémico da carta dos direitos digitais para o Tribunal Constitucional
O Presidente da República pediu ao Tribunal Constitucional (TC) a fiscalização sucessiva do artigo 6.º da Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital.
O Presidente da República pediu ao Tribunal Constitucional (TC) a “fiscalização sucessiva” do polémico artigo 6.º da Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital, anunciou Marcelo Rebelo de Sousa num comunicado. O diploma está oficialmente em vigor há 13 dias, depois de o Chefe de Estado ter promulgado a lei da Assembleia da República a 8 de maio.
“O Presidente da República decidiu submeter a fiscalização sucessiva de constitucionalidade, o disposto no artigo 6.º da Lei nº 27/2021, de 17 de maio, que aprovou a Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital”, confirma o comunicado divulgado esta quinta-feira, horas depois de, na quarta-feira à noite, Marcelo Rebelo de Sousa ter confirmado estar a pensar em fazer isto durante uma participação num programa televisivo de debate.
O artigo em causa versa sobre o “direito à proteção contra a desinformação” e tem sido contestado por várias vozes, incluindo de alguns deputados, apesar de a lei não ter merecido qualquer voto contra na votação final global. O ponto em causa estipula medidas de combate à informação taxativamente falsa e divulgada com o intuito de obtenção de vantagens económicas, mas também define que o Estado pode atribuir “selos de qualidade” a entidades de fact checking (artigo integral reproduzido no fim desta notícia).
No argumentário de Marcelo Rebelo de Sousa, a “jurisprudência recente do TC traduz uma preocupação cada vez mais marcada e estrita relativamente à necessidade de maior densificação e determinabilidade de conceitos com reflexos em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias”. Com efeito, o Presidente da República cita um acórdão recente do TC, “relativo ao direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa”.
“Por outro lado, desenvolveu-se um importante debate público sobre o conteúdo e modalidades de aplicação das aludidas disposições da Lei nº 27/2021, de 17 de maio, debate com reflexo na própria Assembleia da República, que aprovara esta Lei, por larguíssima maioria e sem votos contra, e também não tivesse sido até agora revogado – como chegou a estar proposto – ou alterado, o conteúdo do artigo 6.º, que tinha gerado boa parte da controvérsia havida naquele debate”, considera Marcelo Rebelo de Sousa.
Concretamente, o pedido de fiscalização ao TC incide sobre o “conceito de desinformação” previsto na referida lei, a norma que permite aos cidadãos apresentarem queixas à ERC contra entidades que promovam deliberadamente a desinformação e a norma que permite a atribuição dos referidos “selos de qualidade”.
No pedido, Marcelo Rebelo de Sousa considera que numa “visão mais marcada e estrita, o disposto no artigo 6.º, ao procurar definir o conceito de desinformação e ao estabelecer mecanismos para a sua eliminação, poderia restringir o conteúdo do direito à liberdade de expressão, previsto no artigo 37º da Constituição”.
“Importaria clarificar que uma interpretação que conduza a um resultado censório não poderia, de todo e todo, subsistir no nosso sistema constitucional, atingindo de inconstitucionalidade a norma que a suporte”, escreve Marcelo Rebelo de Sousa.
A favor do diploma votaram PS, PSD, BE, CDS-PP, PAN, Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira. Abstiveram-se o PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal.
(Notícia atualizada pela última vez às 13h30)
Leia o polémico artigo 6.º na íntegra
Artigo 6.º
Direito à proteção contra a desinformação
1 – O Estado assegura o cumprimento em Portugal do Plano Europeu de Ação contra a Desinformação, por forma a proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas, de jure ou de facto, que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação, nos termos do número seguinte.
2 – Considera-se desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos.
3 – Para efeitos do número anterior, considera-se, designadamente, informação comprovadamente falsa ou enganadora a utilização de textos ou vídeos manipulados ou fabricados, bem como as práticas para inundar as caixas de correio eletrónico e o uso de redes de seguidores fictícios.
4 – Não estão abrangidos pelo disposto no presente artigo os meros erros na comunicação de informações, bem como as sátiras ou paródias.
5 – Todos têm o direito de apresentar e ver apreciadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social queixas contra as entidades que pratiquem os atos previstos no presente artigo, sendo aplicáveis os meios de ação referidos no artigo 21.º e o disposto na Lei n.º 53/2005, de 8 de novembro, relativamente aos procedimentos de queixa e deliberação e ao regime sancionatório.
6 – O Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública.
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