No embate entre Pedro Nuno Santos e Alfredo Casimiro, o empresário foi ao tapete
O confronto entre o ministro das Infraestruturas e o maior acionista da Groundforce arrastou-se durante meses. O filme do combate, em seis rounds.
A relação entre o ministro das Infraestruturas e o maior acionista e presidente da Groundforce, com 50,1% da empresa, foi tensa logo desde o início. Foram meses de trocas de acusações, com uma conversa privada tornada pública e um “braço de ferro” que durou até ao fim.
Primeiro round: um empréstimo que nunca saiu
A paralisação do tráfego aéreo deixou a Groundforce em dificuldades logo no verão de 2020. A primeira tentativa de aliviar a tesouraria da empresa passou por um empréstimo de 30 milhões com garantia do Estado. A aprovação não saia e as relações tornaram-se logo difíceis, com Alfredo Casimiro a acusar Pedro Nuno Santos de atrasar o processo. O Ministério ripostou que foi o então presidente da empresa de handling que se demorou na entrega da informação ao Governo e à CGD.
O empresário chegou a afirmar publicamente que cumpria todas as condições do empréstimo, mas o Governo desmentiu, dizendo que Alfredo Casimiro tinha feito novas exigências. Um dia antes, o acionista maioritário tinha acusado Pedro Nuno Santos de “chantagem” e “roubo”. “É o que quer o Senhor Ministro Pedro Nuno Santos: nacionalizar a Groundforce e entregá-la daqui a uns tempos a outro privado. Estão a aproveitar-se da pandemia para fazer um roubo”, atirou em comunicado. O empréstimo nunca chegou a sair e a companhia de handling continuou com a “corda ao pescoço”.
Segundo round: uma garantia afinal já penhorada
A TAP, que controla 49,9% do capital, foi ajudando a pagar salários, com adiantamentos do pagamento de serviços durante 2020, até que em janeiro, a companhia aérea começou a exigir garantias: a participação de 50,1% da Pasogal, a empresa de Alfredo Casimiro, na Groundforce. No entanto, “à última da hora”, segundo o Governo, descobriu que as mesmas ações já estavam dadas em penhor ao Montepio (em três créditos) e ao Novo Banco (num empréstimo).
A 24 de março, no Parlamento, Pedro Nuno Santos diria que “este foi o primeiro momento infeliz, em que um empresário português decide enganar o Estado português, o Governo, o país e os trabalhadores”. “Não podemos fazer de conta que não se passa nada e que se trata de um empresário igual aos outros”, acrescentou.
Terceiro round: o áudio da conversa com Pedro Nuno Santos
Em março, a relação entre o ministro das Infraestruturas e Alfredo Casimiro já era tensa, mas o caldo entornou com a circulação pública de um áudio com uma conversa entre ambos no Ministério, gravada pelo empresário, sem o conhecimento do governante.
Na conversa, Alfredo Casimiro pergunta ao ministro se Humberto Pedrosa, o acionista privado da TAP, ia acompanhar o Estado no reforço do capital da companhia aérea. Pedro Nuno Santos responde que Bruxelas tem dito que será necessário converter parte ou mesmo a totalidade do capital: “O que vai acontecer é que participação de Humberto Pedrosa vai-se transformar em pó”, diz.
A ideia seria fragilizar o ministro, que avançou com uma queixa-crime contra Alfredo Casimiro, pela divulgação da conversa privada.
Quarto round: um contrato rasgado
A alternativa encontrada para dar liquidez à Groundforce acabou por ser a compra do equipamento da empresa de assistência em escala pela TAP, através da celebração de um contrato de sale & leaseback. A companhia aérea pagou 7 milhões e a de handling ficou com um encargo mensal. A 27 de abril Alfredo Casimiro anuncia que a administração da empresa anulou a venda por considerar que os contratos “eram desequilibrados e punham em causa a sobrevivência da Groundforce e o emprego dos seus 2.400 trabalhadores”, seguindo o parecer o conselho fiscal.
A TAP respondeu dizendo que a anulação não tinha qualquer efeito prático. Os contratos “são válidos e eficazes e a decisão de os considerar nulos emitida por uma das partes não tem força legal”, reagiu. Diz também que nem o conselho fiscal da empresa nem o auditor se pronunciaram no sentido da nulidade. O parecer apenas aponta riscos, considerando o prazo de dois meses para a recompra dos equipamentos “demasiado desafiante”. Alfredo Casimiro decidiu contestar o contrato em tribunal.
Quinto round: uma greve devastadora
O contrato de sale & leaseback ajudou a pagar os salários durante uns meses, mas no final de junho já estavam por saldar os subsídios de férias e não havia dinheiro para o próximo vencimento. Os sindicatos ameaçam com uma greve e a TAP propõe fazer um novo adiantamento de pagamento para resolver o impasse.
Por esta altura, Alfredo Casimiro estava encostado às cordas. A companhia aérea tinha requerido a insolvência da Groundforce e o empresário temia que um novo adiantamento reforçasse os argumentos da TAP no tribunal. Rejeita, por isso, qualquer adiantamento. Pelo meio trocam-se acusações sobre quem deve a quem. O acionista maioritário acaba por conseguir passar a pressão para a transportadora e o Governo.
Sem subsídios e pagamentos de horas extraordinárias, a greve avança mesmo, paralisando os aeroportos de Lisboa, Porto e Faro no fim de semana de 17 e 18 de julho. Foram cancelados cerca de 650 voos, provocando o caos naquelas infraestruturas, enorme insatisfação nos passageiros e prejuízos para as companhias aéreas. Agora eram a TAP e o Governo que ficavam encostados às cordas.
Pressionado a agir, Pedro Nuno Santos encontra uma forma de a TAP pagar diretamente os subsídios e salários aos trabalhadores, conseguindo que fosse desconvocada uma segunda greve prevista para o fim do mês.
Sexto round: tribunal declara insolvência e Pedro Nuno Santos a vitória
A 20 de julho o ministro das infraestruturas afirma no Parlamento que a venda pelo Montepio das ações da Pasogal na Groundforce estava em marcha e mostrava-se otimista na possibilidade de encontrar uma solução que afastasse Alfredo Casimiro e desse à empresa um acionista estável.
O knock-out chegaria por outra via. Na terça-feira, o Juízo de Comércio do Tribunal de Lisboa declarou a insolvência da Groundforce, que determina que os antigos administradores deixam de exercer os respetivos cargos. A gestão passa para os administradores de insolvência e a companhia a ser “controlada” pelos principais credores: a ANA e a TAP.
Alfredo Casimiro está mesmo fora da Groundforce, como queria o ministro, mas ainda não “atira a toalha ao chão”. Diz que vai recorrer, embora o recurso não suspenda a decisão do tribunal. Em reação à declaração de insolvência, acusou Pedro Nuno Santos de protagonizar um “atentado político à Groundforce e aos seus trabalhadores” e a CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, de só saber fechar empresas.
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