Banca é mundo de homens? “Tento ser a melhor todos os dias”
Domitília dos Santos emigrou para os EUA há mais de 50 anos. Hoje é uma gestora de referência num dos maiores bancos mundiais. Numa indústria de homens, diz que luta para "ser a melhor todos os dias".
Não é por acaso que Domitília dos Santos é hoje, aos 66 anos, uma gestora de referência no Morgan Stanley, um dos maiores bancos do mundo. Esta portuguesa que brilha lá fora conhece melhor do que ninguém o valor do dinheiro. Aos 14 já trabalhava numa fábrica de limpeza de lençóis e toalhas de mesa para restaurantes. Como primeiro salário recebeu 85 dólares por 40 horas de serviço. Levou o dinheiro para casa e deu-o aos pais.
Tinha 12 anos quando deixou o Algarve rumo aos EUA, numa década de 60 em que muitos portugueses atravessaram o Atlântico à procura de melhores oportunidades que Portugal estava longe de conseguir oferecer.
Foi o que fez Domitília dos Santos. Apesar de ter começado a trabalhar bem cedo, não largou a escola. Estudou Ciências Políticas e História na Universidade de Drew (Bachelor of Arts, 1976) e Direito na Rutgers School of Law (Juris Doctor, 1979), ambas em New Jersey, mas pode-se dizer que a sua carreira de quase quatro décadas está ligada sobretudo à indústria financeira.
Ainda trabalhou como jurista nas Nações Unidas, em Nova Iorque, tinha então 24 anos. Porém, depressa percebeu que o seu caminho não era por ali, mas também não estava muito longe, na verdade. Afinal, Wall Street dista apenas uns blocos da sede das Nações Unidas. Como chegou até lá?
Depois de um encontro casual com um antigo colega de faculdade que trabalhava no setor financeiro descobriu um novo mundo na maior praça financeira do mundo. Foi ele quem lhe explicou os primeiros conceitos do que era a bolsa de valores e do que lá se fazia.
Foi um momento até começar a trabalhar numa grande sociedade de advogados em Wall Street durante dois anos, antes de ingressar no Merril Lynch (1983) e, um ano mais tarde, na Smith Barney como estagiária no departamento de consultadoria financeira.
“Os primeiros anos foram desafiantes, mas uma grande experiência de aprendizagem”, conta ao ECO.
Os anos foram passando e Domitília foi ganhando estatuto dentro da empresa. De estagiária a vice-presidente foram oito anos. Estávamos em 1991. Quatro anos depois foi nomeada Senior Vice President e Senior Portfolio Manager.
“Ser a melhor todos os dias”
Damos um salto até 2009, já depois da grande crise financeira que teve epicentro em Wall Street e repercussões em todo o mundo, incluindo no de Domitília dos Santos.
Nesse ano, a Smith Barney foi comprada pelo grupo Morgan Stanley, na sequência das dificuldades financeiras do Citigroup. Este último é forçado a vender os negócios não estratégicos e dá-se a fusão da Smith Barney na gestora de ativos do Morgan Stanley. Apesar de todas as circunstâncias, Domitília dos Santos considera que a transição para a nova companhia foi “muito boa”.
E é aqui que se encontra atualmente. A portuguesa lidera uma equipa de profissionais especializados em aconselhamento de gestão de ativos financeiros cunhada com o seu apelido, o The dos Santos Group. É uma espécie de gestora de ativos dentro da gigante Morgan Stanley, administrando uma carteira de clientes que Domitília dos Santos, hoje uma referência em Wall Street, foi construindo ao longo das últimas décadas.
Destaca a resiliência como uma das marcas da sua carreira. Junta-se-lhe a sua determinação de seguir em frente com os seus sonhos e objetivos, mesmo sem o apoio ou incentivo de familiares.
Numa indústria dominada pelos homens, Domitília dos Santos diz encarar essa circunstância como sendo “muito desafiante, mas bastante agradável”. Ao mesmo tempo diz ser muito importante assumir um papel ativo no empoderamento das mulheres, não só dentro das organizações, mas na vida em geral. O que faz para lutar pela igualdade de género? “Ser a melhor que posso todos os dias”, atira.
“Estou disponível para servir o meu país”
Mais de meio século a viver fora de Portugal não belisca o sentimento português de Domitília dos Santos. Ela própria imagina-se a voltar, e não apenas para gozar a reforma. “Se a oportunidade se apresentar, estou disponível para servir o meu país da maneira que conseguir”.
Enquanto isso não acontece, mantém essa ligação através do Conselho da Diáspora Portuguesa, do qual é membro desde 2013. “É muito importante para Portugal fortalecer os laços com os países que representamos”, afirma sobre o papel desta organização.
Os feitos de Domitília dos Santos são reconhecidos por cá. Em junho de 2003, o Presidente da República Portuguesa outorgou-lhe a grau de Comendador da Ordem do Mérito.
Se a oportunidade se apresentar, estou disponível para servir o meu país da maneira que conseguir.
Há outro título que gosta de mostrar: da portuguesa com mais maratonas feitas. “Comecei a correr maratonas em 1991 como um desafio a mim mesma”. Conta ao todo com 264 maratonas e 3 ultramaratonas em 42 países. Muitos quilómetros nas pernas que já lhe valeram sustos como perder-se às duas da madrugada numa maratona de 100 milhas em Javelina, no estado americano do Arizona.
Domitília dos Santos tenta também manter uma participação cívica ativa. É patrona de comunidades artísticas em Nova Iorque (Metropolitan Opera, N. Y. Philharmonic, Met. Musuem of Art, MOMA) e do Museum of American Finance. Vê as artes como elemento de “extrema importância” na sociedade.
O ECO dá-lhe a conhecer portugueses que construíram carreiras de sucesso no estrangeiro e ocupam hoje lugares de destaque. Saiba como veem a evolução do seu setor, o que pensam do país onde trabalham e como olham para Portugal.
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