Os preços estão a subir e isso pode ser um problema para o BCE
A pressão para agir perante a subida dos preços é maior, mas BCE mantém a avaliação de que é transitória. Analistas esperam um ajuste na compra de ativos, mas a decisão depende das novas previsões.
Uma semana antes da reunião de política monetária do Banco Central Europeu (BCE), os governadores dos bancos centrais da Zona Euro não podem falar em público. Se pudessem, o foco dos discursos estaria na evolução da inflação: uns a dizer que a subida recente é preocupante, outros a justificá-la com efeitos temporários. Certo é que essa passou a ser a “batata quente” nas mãos de Christine Lagarde, presidente do BCE, e analistas, economistas e opinion makers têm especulado sobre o quão transitória é a inflação, se vão ser tomadas medidas e, se sim, quais.
Esta quinta-feira a reunião deverá ser acesa na troca de argumentos, até porque a inflação não é igual em todos os países — na Alemanha foi de 3,4% em agosto e em Portugal de 1,3%, por exemplo –, mas não se espera nenhuma viragem brusca por parte do BCE. É admitida apenas uma mudança ligeira nas medidas e no discurso para mostrar uma maior atenção à evolução dos preços, mas tal dependerá também do grau de revisão em alta das previsões económicas (PIB e taxa de inflação) por parte da equipa de economistas do BCE. Mesmo uma redução da compra de ativos, não deverá ser alarmante, segundo Phillip Lane, economista-chefe do BCE, que disse recentemente que é possível manter as atuais condições financeiras favoráveis comprando menos dívida pública.
No Twitter, Vítor Constâncio defendeu o establishment de Frankfurt, cidade que alberga a sede do BCE. Notando uma mobilização dos “hawks” (“falcões”, ou seja, os focados em manter a inflação baixa) perante os últimos dados do Eurostat (taxa de inflação de 3% em agosto e 1,6% de inflação core), o ex-vice-presidente do BCE explicou as causas temporárias destes números: a subida dos preços da energia, dado que o petróleo esteve em mínimos históricos no ano passado, e reversão da descida do IVA na Alemanha, uma medida aplicada em 2020 para ajudar as empresas a enfrentarem a crise pandémica. “Os serviços, que são o setor maior da atividade económica [da Zona Euro], tiveram uma inflação de apenas 1,1%, refletindo a capacidade produtiva que existe por utilizar e o baixo crescimento dos salários”, escreveu Constâncio.
Tweet from @VMRConstancio
O economista admite que os “falcões” se mantenham ativos até ao final do ano, prevendo que a taxa de inflação se mantenha elevada porque chegou a ser negativa nos últimos meses de 2020. Porém, com os dados atuais, Vítor Constâncio parece não ter dúvidas: “A inflação irá diminuir visivelmente a partir de janeiro assim que todos os efeitos de base desaparecerem, o que irá provar que a atual inflação elevada é maioritariamente transitória“. Dito isto, o insider do BCE admitiu ser provável que o BCE tenha de anunciar “alguma coisa” sobre a compra de ativos (dívida pública e empresarial) antes do final de 2021.
Quem são esses falcões que exercem a pressão? Klaus Knot, governador do banco central holandês, que disse que esta evolução dos preços “pode justificar” o fim do “modo crise” do BCE. Robert Holzman, governador austríaco, foi na mesma linha, prevendo que a inflação poderia provocar um aperto monetário mais rápido no BCE do que o previsto até ao momento. O mais poderoso dos falcões, Jens Weidmann, governador alemão, foi mais suave nas declarações: admitiu que a atual política acomodatícia mantém-se apropriada, mas avisou que o BCE não pode “negligenciar” o risco de uma inflação demasiado elevada.
Outro insider do BCE, Jean-Claude Trichet, presidente do BCE entre 2003 e 2011, quebrou o silêncio esta quarta-feira em entrevista à Bloomberg e admitiu o cenário em que os governadores — a decisão cabe ao conselho de governadores e não a Lagarde — decidam anunciar uma futura desaceleração do ritmo de compra de ativos ao abrigo do programa pandémico (PEPP), após terem acelerado no início deste ano. Mas desdramatizou esse passo, referindo que o BCE tem tido sempre flexibilidade na gestão da compra de ativos mês a mês, consoante as condições financeiras. Trichet corroborou a leitura de que a inflação parece ser transitória, mas notou que “é preciso manter sempre a vigilância”. “Na Europa, ainda não estamos num nível que eu ache alarmante, na minha leitura”, concluiu, assinalando a diferença face aos Estados Unidos.
Tweet from @GitaGopinath
Este tema tem sido ainda mais discutido do outro lado do Atlântico — tendo contagiado o debate na Zona Euro –, onde a Reserva Federal norte-americana já anunciou que irá começar a reduzir a compra de ativos até ao final do ano. Contudo, os valores são significativamente superiores nos EUA neste momento e mesmo nos próximos meses, de acordo com as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), como mostra este gráfico da economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, sobre o que significa a inflação ser transitória nas duas economias: na Zona Euro a normalização será mais rápida e a taxa vai estacionar em valores mais baixos.
Analistas apostam numa redução gradual do ritmo de compra de dívida pública
Os analistas falam de um “ajuste técnico” em vez de “taper” (palavra inglesa usada na política monetária para descrever o abrandamento da compra de ativos) nesta reunião de setembro, remetendo para dezembro uma decisão definitiva sobre o futuro do PEPP, uma decisão que admitem ser mais complicada.
Frederik Ducrozet, analista do banco suíço Pictet que acompanha de perto a política monetária da Zona Euro, prevê que o BCE vá desacelerar o ritmo de compras de ativos ao abrigo do PEPP de 80 mil milhões de euros por mês para entre 60 a 70 mil milhões de euros. “O BCE terá de articular a melhoria das previsões económicas sem sinalizar uma mudança no rumo da política monetária, especialmente desde que a nova estratégia se traduziu num tom mais dovish [“pomba”, ou seja, uma política mais expansionista]“, aconselha o analista, referindo que, apesar da revisão em alta, a inflação deverá manter-se abaixo do objetivo de 2% no médio prazo.
Os economistas da Oxford Economics apostam numa redução para os 70 mil milhões de euros por mês, confirmando a interpretação de Lane de que, mesmo com a travagem do ritmo, a compra de ativos por parte do BCE “é mais do que suficiente para absorver a emissão de dívida dos Estados da Zona Euro esperada para o quarto trimestre”. Sobre a inflação, a avaliação é a mesma da maioria dos economistas: “Ainda que o valor de agosto tenha sido superior ao esperado, o panorama geral continua a ser de uma inflação em grande medida transitória, influenciada principalmente por fatores relacionados com a pandemia que deverão desaparecer no próximo ano”, explicam.
Já os economistas do BPI/CaixaBank são mais taxativos ao dizer que esta reunião marcará “o princípio do fim do PEPP“. “Acreditamos que o BCE anunciará uma redução do ritmo de compras de ativos no âmbito do PEPP“, antecipam, lembrando que o ritmo acelerou no início deste ano por causa da segunda vaga de infeções e poderá agora desacelerar. A aposta é que no quarto trimestre o ritmo passe a ser de 60 mil milhões de euros por mês. Quanto à inflação, concordam que é transitória e que o próximo ano trará taxas “mais contidas”, mas notam que “os estrangulamentos, também de natureza transitória, podem durar um pouco mais e contribuir para que a inflação permaneça em níveis elevados durante alguns meses em 2022”.
Se tal se concretizar, a dúvida passará a estar sobre quando terminarão as compras — o que já foi adquirido seria reinvestido — de ativos do BCE ao abrigo do PEPP dado que está previsto que o programa termine em março de 2022. Mesmo que esse calendário se cumpra, isso não significa que o “quantitative easing” do BCE lançado por Mario Draghi termine: há ainda as compras ao abrigo do APP, o programa “normal” de compra de ativos lançado em 2014 pelo agora primeiro-ministro italiano e então presidente do BCE.
Num tom mais leve, os economistas do banco holandês ING usam a música “Nothing else matters” dos Metallica para ilustrar um ponto: nada mais importa para o BCE do que as previsões da evolução futura da inflação da Zona Euro, em particular em 2022. 2021 é menos relevante até porque, argumentam os economistas, a política monetária “dificilmente poderia baixar uma subida da inflação que é maioritariamente justificada por fatores pontuais”. “E concluem recorrendo novamente à banda de heavy metal: “A atual posição benigna do BCE sobre a inflação faz sentido (…) mesmo se alguns alemães pensarem noutra música dos Metallica do álbum preto quando olharem atual para a inflação: Enter Sandman” [uma canção sobre pesadelos].
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