BPP avisou autoridades que Rendeiro poderia fugir, mas Justiça não foi a tempo
No dia 22, os advogados do BPP enviaram pedido de reforço das medidas de coação de Rendeiro, para evitar fuga. Mas a Justiça não chegou a tempo, já que o ex-gestor encontra-se em parte incerta.
No dia 22 de setembro, há apenas seis dias, os advogados do BPP avisaram a Justiça portuguesa para o perigo de fuga de João Rendeiro, condenado a dez, cinco e três anos de prisão efetiva em três processos distintos. Um deles já transitado em julgado desde o dia 17 de setembro, o que significava que o ex-líder do banco poderia ser preso a qualquer momento.
“Estou no estrangeiro e não vou voltar”, disse o próprio ao Sapo.
A equipa liderada por Paulo Sá e Cunha defende que é “incompreensível para o sentido da comunidade a ausência de reforço das medidas de coação” de João Rendeiro, acrescentando que “não há justificação nenhuma para que, dadas as condições pessoais do Arguido João Rendeiro, o mesmo se encontre tão somente sujeito a termo de identidade e residência” a menos grave das medidas de coação.
“Em vésperas de trânsito em julgado de uma decisão condenatória em que corre o risco de vir a ser cumulada, decide, conscientemente, não dar a conhecer o lugar onde se encontra, o que não pode deixar de ser valorado”, explica o requerimento.
Esta terça-feira o arguido já tinha sido notificado para comparecer no dia 1 de outubro no tribunal criminal de Lisboa para reavaliar as medidas de coação a que estava sujeito no âmbito de um outro processo em que tinha sido condenado a dez anos de prisão. Porém, o condenado já saiu do Reino Unido para um país que não terá acordo de extradição com Portugal.
No requerimento — avançado pelo Expresso mas a que o ECO também teve acesso — os advogados do BPP não poupam críticas à atuação do arguido e avisam, quer o tribunal criminal de Lisboa, quer o da Relação, que a medida de coação aplicada ao condenado deveria ser agravada. O ex-banqueiro estava apenas com Termo de Identidade e Residência (TIR), o que não obriga a que as autoridades tenham de autorizar as saídas do país. “Não se mostra possível, neste momento, excluir um concreto perigo de fuga no que tange ao arguido João Rendeiro, tendo em vista furtar-se ao cumprimento (mais do que iminente) da pena em que foi condenado, com a qual nunca revelou conformar-se”, dizem os advogados da Cuatrecasas.
Dizendo ainda que Rendeiro comunicou a 13 de Setembro que iria até dia 30 para o Reino Unido, informando ainda que poderia ser contactado “através da Embaixada naquele país”, sem avançar mais nenhum detalhe. Violando assim o artigo do Código de Processo Penal que prevê que para se ausentar por mais de cinco dias, o arguido sujeito a TIR “terá de comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado”.
“Num momento crítico, portanto, o arguido João Rendeiro decide colocar-se fora da alçada da justiça portuguesa, certo sendo que, neste momento, ninguém sabe onde o mesmo se encontra ou pode ser contactado!”, explicou a equipa de advogados.
E o que pediam então os advogados do BPP?
Que os juízes dos três processos a que Rendeiro já está condenado reavaliassem as medidas de coação e agravassem as mesmas, no sentido da prisão preventiva, já que, dizem os advogados, não se deve excluir o perigo de fuga, um dos pressupostos da mesma.
E com que argumentos?
- Rendeiro não desempenha algum tipo de atividade profissional em território português;
- O arguido continua a exibir “uma grande disponibilidade de meios, pese embora persista em não assumir as suas responsabilidades, designadamente no que respeita ao pagamento de coima em que foi condenado em processo de contraordenação do Banco de Portugal”, a que sempre se recusou a pagar (mesmo depois do trânsito em julgado).
- João Rendeiro não tem filhos;
- Quanto à sua morada de família, encontra-se a mesma, presentemente, arrestada à ordem neste processo;
- O arguido João Rendeiro “não possui neste momento nenhuma ligação a Portugal”;
- Não deixa de ser certo que ao longo destes anos de batalha judicial, o arguido João Rendeiro deu várias vezes nota da sua ausência, apresentando as devidas comunicações mas, nesse casos, dando as moradas de onde se encontrava (Miami, São Francisco, Nova Iorque e Courchevel, em França):
- O ex-líder do BPP mostra não se conformar com nenhuma decisão judicial, nem alterar o seu comportamento, mesmo depois do seu trânsito em julgado;
Em que processos João Rendeiro já está condenado?
- Condenado a cinco anos e oito meses de prisão efetiva por falsidade informática e falsificação de documento, esta decisão transitou em julgado a 17 de setembro. Em Julho, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) aceitou parcialmente o recurso do Ministério Público, que não ficou satisfeito com a pena de cinco anos de prisão determinada em outubro de 2018, tendo aumentado a condenação em oito meses pelos crimes de falsidade informática e falsificação de documentos, em coautoria. O processo estava relacionado com a adulteração da contabilidade do BPP, envolvendo uma verba a rondar os 40 milhões de euros, e o tribunal de primeira instância considerou que os arguidos agiram com dolo direto e que João Rendeiro, Paulo Guichard e Fezas Vital tinham perfeito conhecimento da ocultação de dados ao Banco de Portugal;
- Rendeiro foi condenado a 10 anos de pena de prisão efetiva em maio deste ano por crimes de fraude fiscal, abuso de confiança e branqueamento de capitais — este segundo processo foi extraído do primeiro megaprocesso de falsificação de documentos e falsidade informática, no qual João Rendeiro foi condenado a cinco anos e oito meses de prisão efetiva. O tribunal condenou ainda Salvador Fezas Vital a nove anos e seis meses de prisão, Paulo Guichard a também nove anos e seis meses de prisão e Fernando Lima a seis anos de prisão. E é no âmbito deste processo que a magistrada pede a presença de Rendeiro na sexta-feira, em tribunal.
- Esta é a decisão mais recente. Na terça-feira, o tribunal condenou João Rendeiro a três anos e seis meses de prisão efetiva por burla qualificada. E ainda os dois ex-administradores do BPP pelo mesmo crime. Os três arguidos terão de pagar 235 mil euros de indemnização ao diplomata. Na origem deste processo está a queixa do embaixador Júlio Mascarenhas que, em 2008, investiu 250 mil euros em obrigações do BPP, poucos meses antes de a instituição liderada por João Rendeiro pedir um aval do Estado de 750 milhões de euros para repor a liquidez.
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