Like & Dislike. PNS e a crítica ao “camarada” João Leão
O ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos comprou uma guerra com o ministro das Finanças por causa da CP em vésperas do Orçamento. E vai perder. Escolheu mal o timing e o alvo.
O ministro das Infraestruturas e da Habitação resolveu, aparentemente do nada, comprar uma guerra com o ministro das Finanças, João Leão. Esta terça-feira, Pedro Nuno Santos participou numa cerimónia de consignação de empreitadas para a modernização de novas linhas de comboio. PNS aproveitou a ocasião para dizer aos jornalistas que estava revoltado com a saída de Nuno Freitas da presidência da CP, alegadamente devido a problemas burocráticos que dificultam a gestão da empresa.
O ministro lançou uma farpa diretamente ao ministro das Finanças, João Leão: “Se dependesse de mim, o problema estava resolvido. Tínhamos um plano Atividades e Orçamento aprovado a tempo, a empresa não esperava meses para conseguir autorização para fazer as compras que são fundamentais para o seu funcionamento, não tínhamos uma dívida histórica, com a dimensão que ela tem, durante tanto tempo sem a resolver”.
Esta afirmação de PNS tem vários problemas e contradições. A primeira é que o ministro deveria ter sido solidário com o seu colega de Governo. E se tiver algum problema a resolver com João Leão esse problema deve ser resolvido entre portas, ou seja, em Conselho de Ministros.
Aliás, foi o próprio Pedro Nuno Santos que em junho, quando confrontado com críticas de Ana Catarina Mendes, afirmou que seria “incapaz de criticar em público um camarada”. Ana Catarina Mendes tinha recomendado “sensatez”, “recato” e “bom senso” a Pedro Nuno Santos, criticando o tom utilizado pelo ministro na resposta a Michael O’Leary, da Ryanair.
Agora PNS resolve fazer o mesmo. Critica “em público” um “camarada” de Governo.
Mas vamos à substância das declarações. PNS sai em defesa de Nuno Freitas e elogia-o por ter sido o melhor presidente de sempre da CP. Mas os dois ‘Nunos’ aparentemente não se entendem sobre o que querem para a CP:
- Pedro Nuno Santos disse esta terça-feira que trabalha “todos os dias para conseguir que a CP possa funcionar como uma empresa a sério e não um departamento da administração pública”.
- Já Nuno Freitas foi esta quarta-feira ao Parlamento queixar-se precisamente do contrário. Veio lamentar que a CP não consegue participar nos concursos do PRR precisamente porque não faz parte da administração pública. E sendo uma empresa, sem autonomia financeira, fica com essa porta vedada. “Não podendo participar como administração pública poderá ter alguma dificuldade”, lamentou-se.
Vá-se lá perceber isto. Um Nuno, o Pedro, quer a CP como empresa porque é prejudicada por fazer parte da administração pública. O outro Nuno, o Freitas, quer que a CP faça parte da administração pública para ter acesso ao dinheiro da “bazuca”.
Mas as contradições não ficam por aqui. Nuno Freitas bate com a porta, mas na sua carta de saída diz que cumpriu a missão para a qual foi designado. Entre as metas já concluídas estão estabilização da operação da CP, a recuperação de material circulante, a abertura das oficinas de Guifões, a fusão da EMEF com a CP e o contrato de serviço público com o Estado. Isto não é queixar-se de barriga cheia?
Aliás, o próprio PNS, quando fez as críticas ao ministro das Finanças, estava a participar numa cerimónia de consignação das empreitadas de modernização da ligação entre Sines e a Linha do Sul, no valor de 28 milhões de euros, e da Linha da Beira Alta, no valor de 68 milhões de euros. Se calhar o ministro não escolheu o melhor local para criticar a falta de empenho do Governo com os comboios e a ferrovia.
Em junho deste ano, aliás, o ministro das Infraestruturas anunciou “a maior compra da história da CP”: o Estado vai gastar 819 milhões de euros na compra de 117 comboios. É difícil perceber do que se queixam PNS e Nuno Freitas. Ambos também apontam o dedo à dívida da CP, de mais de 2 mil milhões de euros. Mas a dívida da empresa — acumulada durante longos anos de má gestão, subfinanciamento e desorçamentação, — não desaparece criticando o ministro das Finanças ou escondendo debaixo do tapete. E nem a dívida da CP desaparece fazendo ameaças aos credores como se fez no passado: “Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos a dívida”. A culpa da dívida da CP não é de João Leão.
Esta divisão no Governo, em vésperas da discussão do Orçamento, naturalmente fragiliza o Governo. Jerónimo de Sousa já veio dizer que “o ministro das Finanças é quem tem a ‘chave do cofre’” e que PNS “reconheceu a razão do PCP em relação ao investimento necessário na ferrovia”.
Pedro Nuno Santos poderá estar a usar a CP e os comboios como trampolim para as suas ambições políticas e achou que comprar uma guerra com o ministro das Finanças facilitaria a compra do bilhete para chegar à estação mais desejada, no Largo do Rato. Mas fez mal. Costa não vai deixar cair Leão. Os ministros das Finanças, por natureza, são inamovíveis, a não ser que sejam muito incompetentes. O que não é o caso de João Leão, muito pelo contrário. O próprio Presidente da República comprou uma guerra com Mário Centeno e perdeu.
PNS pode estar eufórico por Fernando Medina ter perdido a corrida à câmara de Lisboa, ficando politicamente mais fragilizado para suceder a António Costa na liderança do partido. Ou poderá estar chateado porque o primeiro-ministro só convidou para o casamento da filha os outros três possíveis candidatos à sucessão: Mariana Vieira da Silva, Ana Catarina Mendes e Fernando Medina.
Seja por euforia ou por tristeza, esta investida de PNS é fora de tempo e escolhe o alvo errado. João Leão tem de estar concentrado a fazer um bom Orçamento e garantir que na administração pública existam regras apertadas para que empresas como a CP não cheguem ao ponto de ter uma dívida astronómica e ingerível, aliás, como reconhecem os próprios PNS e Nuno Freitas.
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