As transações de M&A na era do Covid-19
O impacto da COVID-19 nas transações de M&A é, como a própria pandemia, uma realidade evolutiva, que certamente continuaremos a acompanhar e, seguramente, saberemos enfrentar.
A pandemia da COVID-19 foi, e vai continuar a ser, algo de absolutamente disruptivo no nosso modo de vida. Primeiros estranhámos, depois entranhámos, e a verdade é que já nada é como dantes.
Em várias áreas do Direito, a pandemia tem sido transformadora, de uma forma que, pelo menos para alguém da minha geração, não encontra precedentes.
Neste contexto, as transações de M&A não são exceção. O estado da arte alterou-se, impondo uma análise às novas tendências que surgem. É o que agora me proponho fazer, certo da compreensão do leitor pela anglofonia que impregna este artigo, que mais não é do que o resultado da influência que o saber-fazer anglo-saxónico exerce sobre todos os que trabalhamos nesta área.
Comecemos pelo fator tempo. Quer as transações já em curso, como aquelas que se iniciaram durante a pandemia, viram os seus prazos de conclusão alargados: o processo negocial tende a ser hoje mais demorado; os compradores têm mais cautelas na tomada da decisão; o exercício de valorização das sociedades-alvo revela-se mais difícil e prolongado (o benchmark existente já terá, porventura, pouca utilidade); os compradores encontram dificuldades acrescidas no acesso ao crédito, etc.
Mas não só. O próprio processo negocial, bem como as disposições contratuais típicas das transações de M&A, também sofreram mutações.
Começando pela due diligence. O exercício de identificação e análise de potenciais contingências é hoje mais complexo. As condicionantes de negócio derivadas dos auxílios de Estado, o cumprimento de obrigações laborais associadas ao trabalho remoto e aos layoffs recentes, a maior instabilidade dos contratos, hoje invariavelmente sob a espada da alteração anormal de circunstâncias (hardship) ou da força maior (force majeure), são agora temas essenciais, e sem dúvida mais desafiantes para quem toma (e ajuda a tomar) a decisão de investimento (ou, extremo oposto do espectro transacional, de venda).
As cláusulas relativas à fixação do preço tornaram-se mais complexas, até porque o exercício de valorização das empresas, como já referido, se tornou, também ele, mais difícil. Neste contexto, os mecanismos de earn-out têm-se revelado uma alternativa interessante, permitindo compensar os vendedores de alguma desvantagem negocial decorrente da fixação imediata de um preço mais reduzido (por via da desvalorização generalizada dos ativos), franquiando-lhes o acesso aos benefícios de uma eventual recuperação económica futura.
As cláusulas MAC (Material Adverse Change) também não escaparam. As diferentes hipóteses em que aquela se pode acionar, assim com as suas exceções, são agora mais discutidas e detalhadas (não deixando, naturalmente, de conter referência expressa à COVID-19).
Já quanto aos interim periods (períodos de transição entre o signing e o closing da transação), os vendedores procuram agora excluir ou, pelo menos, flexibilizar, obrigações que anteriormente eram quase inegociáveis, aqui se incluindo a (até aqui básica) obrigação de manter o “ordinary course of business”.
Por seu lado, os compradores vêm exigindo um número crescente (e mais focado) de declarações e garantias (R&W), várias delas diretamente relacionadas com a pandemia. Isto por contraposição com a fragilidade crescente das apólices de seguro de R&W, cada vez com mais exceções e exclusões, também elas motivadas pela COVID-19.
Isto dito, muito fica por dizer, mas as limitações de um artigo desta natureza não permitem ir mais além.
Em todo o caso, o impacto da COVID-19 nas transações de M&A é, como a própria pandemia, uma realidade evolutiva, que certamente continuaremos a acompanhar e, seguramente, saberemos enfrentar.
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