Fim do carvão à vista? Reino Unido canta vitória na COP26 mas o mundo não está pronto

Muitos especialistas não partilharam o entusiasmo da presidência britânica com o documento sobre o carvão, argumentando mesmo que "ficou demasiado àquem" do que era necessário para lhe pôr fim.

Fim do carvão à vista? Um dos combustíveis fósseis mais poluentes de sempre vai finalmente passar à História? Por cá a resposta é sim. Em Portugal, 2021 ficará marcado como o ano em que a produção de eletricidade a partir da queima de carvão acabará para sempre. Primeiro foi a central de Sines a fechar portas, em janeiro, e agora, no fim de novembro, será a vez da central do Pego desligar as suas turbinas.

O resto do mundo está ainda muito longe desta realidade e em muitos países ainda se constroem e inauguram centrais a carvão a cada dia que passa. Há apenas dois anos, em 2019, o carvão produzia cerca de 37% da eletricidade no mundo, de acordo com a Agência Internacional de Energia. Determinada a mudar esta realidade, a presidência britânica da COP 26 lançou esta quinta-feira — assinalado na cimeira como o Dia da Energia — um novo documento — “Global Coal to Clean Power Transition” — segundo o qual não serão dados “novos apoios públicos ao setor internacional de energia de combustíveis fósseis”, no próprio país e no estrangeiro.

Os britânicos querem pôr finalmente o fim do carvão “à vista” e o acordo foi assinado por 47 países. Destes, 23 países são o que se juntaram ao acordo ou reforçaram as metas, enquanto os restantes 24 mantiveram tudo na mesma, como Portugal, por exemplo.

Na prática, quem assina este acordo compromete-se a deixar de financiar projetos de combustíveis fósseis até ao fim do ano de 2022, mas também a colocar metas para o fim do uso doméstico do carvão para produzir eletricidade e também para o fim da construção de novas centrais até 2030 nos países desenvolvidos e até 2040 nos países mais pobres.

A bordo estão já grandes poluidores e dependentes de carvão como a Indonésia, Polónia, Vietname, mas também os Estados Unidos, Banco Europeu de Investimento, Itália, Indonésia, Espanha, Nepal, Chile, Ucrânia, Canadá, Reino Unido e Eslovénia. De fora ficaram pesos-pesados poluentes como a China, Japão, Rússia e Austrália. Sem esquecer a Índia e a África do Sul, altamente dependentes do carvão.

Ainda assim, o Reino Unido cantou vitória. “Hoje acho que podemos dizer que o fim do carvão está próximo. Quem teria pensado naquela época [2019] que hoje podemos dizer que estamos a sufocar o financiamento internacional ao carvão ou que veríamos um afastamento da energia face ao carvão“, disse o presidente da COP26, Alok Sharma, em Glasgow.

E continuou: “Desde o início da presidência do Reino Unido, deixamos claro que esta COP26 deveria ser aquelas que envia o carvão para a história. Com todos estes compromissos ambiciosos que vemos hoje, o fim da energia do carvão está à vista. Garantir uma coligação de 190 países para eliminar a energia do carvão e acabar com o apoio a novas centrais a carvão e a Declaração de Transição Justa assinada aqui mostram um verdadeiro compromisso internacional de não deixar nenhuma nação para trás”.

Tudo somado, o Reino Unido contabiliza os vários compromissos de um total de 190 países contra o carvão, o que, no final de contas, significa que 17,8 mil milhões de dólares em apoio público a combustíveis fósseis serão desviados para a transição de energia limpa. Ao mesmo tempo, significa também uma queda de 76% no número de novas centrais a carvão planeadas mundialmente, nos últimos seis anos, desde que o Acordo de Paris foi adotado, ou seja, menos 1000 GW.

No entanto, o compromisso aceite pelos países signatários não é obrigatório e muitos já vieram dizer que não conseguirão ver-se livres do carvão e cumprir estas metas sem ajuda financeira dos restantes países. “Precisamos de ter acesso a financiamento para retirarmos a 100% o carvão e para construir nova capacidade de energias renováveis”, disse o ministro das Finanças da Indonésia, Sri Mulyani Indrawati, em declarações à Reuters. O país ainda tem planos para construir novas centrais a carvão.

Do lado da Polónia, um porta-voz do Governo disse que o compromisso do país é acabar com o carvão na década de 2040. Os observadores classificaram a meta como positiva, ainda que não obrigatória, mas argumentaram que a mesma tem de ser acompanhada por políticas firmes. A Greenpeace polaca defende que “a Polónia tem de estabelecer um plano claro e concreto para se livrar do carvão até 2030, pelo menos”.

A verdade é que a Polónia tem centrais a carvão cujo funcionamento acabou de ser assegurado até 2044 ou mesmo 2049.

No caso da Indonésia, também signatária do documento, é o quarto país mais populoso do mundo, o quarto maior emissor de gases poluentes e o carvão ocupa 65% do mix energético. É também um dos maiores exportadores mundiais de carvão.

Daí que muitos especialistas não tenham partilhado o entusiasmo da presidência britânica com o documento sobre o carvão, argumentando mesmo que “ficou demasiado àquem” do que era necessário fazer só no que ao carvão diz respeito, uma indústria que deveria estar a entrar na sua “fase terminal de declínio”.

No compromisso assinado é defendido que o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas e a Agência Internacional de Energia conseguiram demonstrar que “a produção e o uso global de combustíveis fósseis devem diminuir significativamente até 2030” para continuar a acalentar a ambição de evitar o aquecimento global acima de 1,5 graus em relação à era pré-industrial.

Antes da COP26, as 20 maiores economias do mundo (G20) concordaram parar de apoiar projetos de centrais elétricas a carvão no estrangeiro, mas o compromisso agora firmado inclui ainda o gás natural e o petróleo.

Noutra iniciativa paralela, a Aliança Global para o Abandono do Carvão (PPCA, na sigla em Inglês) anunciou também esta quinta-feira em Glasgow a integração de mais 28 Estados, incluindo a Ucrânia, que prometeu abandonar o carvão em 2035. No entanto, no ano passado, um quinto da eletricidade do país ainda foi proveniente do carvão.

Com estas novas incorporações, o grupo passa a contar com cerca de dois terços dos Estados-membros da União Europeia e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico.

No total, a PPCA já conta com 165 Estados – entre os quais Portugal e Angola – cidades, regiões, empresas e instituições que apostam em “executar ações decisivas” para “acelerar a transição do carvão para a energia limpa”, como detalhou em comunicado.

Com as 11 novas adesões do setor financeiro, este passou a estar representado por 33 instituições, que têm um ativo combinado de 17 biliões de dólares (14,7 biliões de euros).

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