No “comprar agora e pagar depois”, a prudência é um bom conselho

A Klarna chegou a Portugal e permite aos jovens pagar as compras mais tarde. Dois especialistas em crédito explicam os riscos e benefícios e ensinam a prevenir deslizes nas finanças pessoais.

Comprar agora, pagar depois. Esta é a proposta de valor por detrás da Klarna. O nome ainda diz pouco aos portugueses, mas promete dar que falar. Lá fora, a fintech sueca, avaliada em 45,6 mil milhões de dólares, é conhecida por ser um dos maiores casos de sucesso entre as startups de ADN europeu.

A partir desta semana, também os portugueses passaram a ter acesso aos serviços financeiros da Klarna, principalmente o “pague em três”. Na prática, é a possibilidade de se fazer uma compra online e pagar em três prestações, sem taxas nem juros: 1/3 no momento em que o comerciante confirma a transação, outro ao fim de 30 dias, e o terceiro e último ao fim de 60 dias.

Na mira da empresa estão os jovens, aqueles que mais usam este tipo de aplicações e menos temem encomendar produtos e adquirir serviços através da internet. Ao aceder ao site da Klarna, o público-alvo é evidente. “Com o nosso navegador de compras na aplicação, podes procurar qualquer marca e pagar os teus favoritos em três prestações”, lê-se na página principal.

O serviço da Klarna não é pioneiro, nem mesmo em Portugal. Mas dá maior visibilidade aos créditos rápidos e imediatos, explica André Pedro, responsável de crédito e cartões do ComparaJá, uma plataforma que também é intermediária de crédito. Em mercados como a China, aplicações de “compre agora, pague depois” estão entre as favoritas dos mais jovens, uma geração esmagada pelo peso do endividamento naquele país asiático.

“Este modelo não é uma coisa recente, mas traz aqui mais facilidade na concessão de crédito às pessoas, especialmente os jovens”, acrescenta. É por isso avisado ter algumas precauções no momento de optar por fazer uma transação e pagar a prestações.

Ponderar bem a compra

Natália Nunes concorda. A coordenadora do gabinete de proteção financeira da Deco, uma associação de defesa do consumidor, aconselha “planeamento”. “Apesar de não haver encargos adicionais para o consumidor, porque é uma compra sem juros e os custos da operação serão suportados pelos comerciantes, a verdade é que, para o comprador, há aqui alguns riscos no que concerne à gestão dos seus encargos”, sublinha a responsável.

Comprar agora e pagar depois não significa nunca pagar. “O facto de estar a fazer uma compra fracionada significa que, nos próximos dois meses, vai ter de fazer pagamentos. É necessário ter isto em conta e fazer planeamento”, reforça Natália Nunes. Já para André Pedro, o “ideal” é sempre pagar a pronto. Ainda assim, em aquisições “mesmo necessárias”, pode dar jeito ter “acesso ao crédito”. “No ComparaJá apelamos sempre a uma gestão conservadora e responsável”, destaca.

Mas a coordenadora da Deco também vê aspetos positivos nos serviços financeiros de parcelamento das compras, como este que é oferecido pela Klarna: “Claro que é um incentivo a consumir, mas sendo uma decisão ponderada, pode também ser uma forma de adquirir um bem, pagando de forma fracionada, sem custos adicionais”. “O consumidor tem de ser muito responsável. Tem de ser ponderado na decisão de adquirir e não se deixar seduzir”, reforça Natália Nunes.

Já o responsável de crédito do ComparaJá admite que este serviço “pode ser visto como um apelo ao crédito” e sinaliza algum cuidado sobre “a quem é destinado”. “Para pessoas com trabalhos mais precários ou desempregados, o acesso a crédito imediato tem alguns perigos”, recorda. Por serem créditos mais imediatos, é feita uma análise mais “superficial” da vida financeira dos clientes em comparação com a que seria feita no momento de contratar um crédito ao consumo num balcão.

A Klarna entrou este mês no mercado portuguêsKlarna

André Pedro reforça que, ao comprar agora e pagar mais tarde, os clientes estão, na prática, a “incorrer num pequeno crédito pessoal, semelhante a um cartão de crédito”. No caso concreto da Klarna, se o cliente falhar os pagamentos nos dias definidos, é dado um “período de tolerância de dois a sete dias úteis”, lê-se nos termos e condições da empresa.

Caso o cliente continue em incumprimento, são cobradas taxas de atraso no valor de um euro por prestação vencida para compras entre 100 a 149,99 euros; 1,5 euros para compras entre 150 e 199,99 euros; dois euros em compras entre 200 e 299,99 euros; e 3 euros para compras de valor igual ou superior a 300 euros.

“É uma taxa de penalização mais elevada do que a maioria dos créditos pessoais e cartões de crédito que temos no mercado”, nota André Pedro.

O consumidor tem de ser muito responsável. Tem de ser ponderado na decisão de adquirir e não se deixar seduzir.

Natália Nunes

Coordenadora do gabinete de proteção financeira da Deco

Marcar no calendário

Em jeito de resumo, Natália Nunes remata que “a informação é essencial” — “ter informação e capacidade de análise”, destaca. “Se verificar que necessito mesmo de determinado produto, quero aquele produto, tem um bom preço de mercado e não tenho disponibilidade para pagar, ou o meu orçamento fica mais confortável pagando de forma fracionada, não vejo grande inconveniente em ser pago desta forma. Mas tem de ser feito este exercício”, recomenda a coordenadora da Deco.

Se, pelo contrário, o orçamento pessoal “permite totalmente o pagamento imediato, ou existe o mesmo produto noutro estabelecimento com melhores condições, aí a solução é não utilizar esta ferramenta”, aconselha.

Outra dica é marcar as datas de pagamento no calendário pessoal, sugere André Pedro. “O conselho é ter atenção aos prazos de pagamento. Considerar que é um contrato de crédito e marcar no calendário pessoal as datas de pagamento, para não incorrer em late fees“, frisa o responsável, referindo-se às taxas de penalização.

"O conselho é ter atenção aos prazos de pagamento. Considerar que é um contrato de crédito e marcar no calendário pessoal as datas de pagamento.”

André Pedro

Responsável de crédito e cartões do ComparaJá

“O que vemos, até nos jovens, é que não há um grande hábito de fazer o planeamento do orçamento familiar. Se isto for utilizado pelos jovens, e com toda a certeza será porque se dirige a eles, pode levar a algum descontrolo. Poderá ter efeitos negativos”, avisa, por sua vez, Natália Nunes.

Por fim, ambos os responsáveis concordam num ponto: é logo em pequenino que se deve aprender a gerir as finanças pessoais. O produto da Klarna é para maiores de 18 anos, mas os dois especialistas em crédito aconselham os pais a ensinarem aos filhos as boas práticas desde cedo, para uma gestão financeira mais acertada no futuro.

O ECO questionou também a Klarna sobre o que deve ser tido em conta no momento de adquirir um produto ou serviço na internet e pagar de forma parcelada. Não recebeu resposta.

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