OCDE diz que pedir pensão antecipada em Portugal não é racional

Em Portugal, o fator de sustentabilidade aplica-se apenas às pensões antecipadas, o que significa que pedir a reforma antes da idade legal é sinónimo de amplas reduções ao valor a receber, frisa OCDE.

Portugal destaca-se entre os vários países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) no que diz respeito às penalizações aplicadas às pensões antecipadas, indica o relatório “Pensions at a Glance 2021“, que foi publicado esta quarta-feira. É que, por cá, o chamado fator de sustentabilidade só é imposto quando os beneficiários decidem antecipar a reforma face à idade legal, o que resulta em “amplas reduções” na prestação a que têm direito.

Os portugueses que antecipam a pensão de velhice sofrem, atualmente, dois cortes distintos: o fator de sustentabilidade (que será de 14,06% em 2022) e uma penalização de 0,5% por cada mês antecipado face à idade da reforma.

No relatório divulgado esta quarta-feira, a OCDE começa por lembrar que o fator de sustentabilidade português foi criado em 2007, tendo sido, mais tarde, revisto, e elogia a simplicidade da sua fórmula de cálculo. “O seu cálculo tem a grande vantagem da simplicidade: o fator de sustentabilidade é igual ao rácio entre esperança média de vida aos 65 anos em 2000 e a esperança média de vida aos 65 anos no ano anterior ao início da pensão”, sublinha a organização, referindo que Portugal está em linha, neste ponto, com os modelos aplicados na Letónia e na Polónia.

A OCDE observa, por outro lado, que o fator de sustentabilidade gera hoje “reduções substanciais” nas pensões pedidas antecipadamente, situação que diz merecer particular atenção uma vez que esse corte não se aplica às demais pensões. “Portugal destaca-se, por isso, entre os outros países em termos de penalizações aplicadas às pensões antecipadas: uma vez que o fator de sustentabilidade não é aplicado atualmente às pensões pedidas na idade normal, a antecipação da reforma desencadeia amplas reduções das prestações“, lê-se no “Pensions at a Glance 2021”.

A organização liderada por Mathias Cormann vai mais longe e salienta que “não é claro” o objetivo desta política de “forte penalização” das pensões antecipadas. “Antecipar a pensão não parece racional na maioria dos casos, tendo em conta estas penalizações muito significativas. Isto sugere que as pessoas que se reformam antecipadamente, apesar destas regras, não percebem as consequências drásticas da sua decisão ou não têm outra escolha, por exemplo por causa de condições de saúde”, enfatiza a OCDE.

Entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económica, têm sido tomadas variadas medidas de modo a mitigar o impacto da evolução demográfica nos gastos com pensões, nomeadamente a indexação das prestações à esperança de vida, à dimensão da população ativa, ao PIB e até aos salários. “Um fator de sustentabilidade que ajuste as pensões às mudanças na esperança de vida melhora a sustentabilidade financeira e contribui para a equidade intergeracional“, sublinha-se no “Pensions at a Glance 2021”, relatório do qual consta não só o exemplo português, mas também o Finlandês, sendo que, nesse país, o corte é aplicado às novas pensões.

Sobre o caso português, é importante notar que num relatório publicado recentemente, a OCDE elogiava o fator de sustentabilidade quanto à sua capacidade de controlar a pressão orçamental resultante do envelhecimento demográfico. Esse relatório foi divulgado numa altura em que, no âmbito da negociação do Orçamento do Estado, a esquerda insistia na limitação da aplicação do corte em questão, o que não se veio a concretizar.

Hoje já existe, de resto, um conjunto de portugueses isentos do fator de sustentabilidade: quem peça a antecipação da reforma aos 60 anos de idade, tendo pelo menos 48 de descontos, ou peça aos 60 anos, se contar com 46 anos de contribuições e se tiver iniciado a sua carreira aos 16 anos ou em idade inferior, escapa a essa penalização. O mesmo “alívio” é aplicado aos portugueses de profissionais consideradas de desgaste rápido. Já se os beneficiários pedirem a reforma antecipada aos 60 anos com 40 de descontos, ficam isentos do fator de sustentabilidade, mas continuam a sofrer o corte de 0,5% por cada mês antecipado face à idade da reforma.

Este corte é especialmente importante na medida em que, no relatório divulgado esta quarta-feira, a OCDE identifica Portugal como um dos países que terá de lidar com “desafios demográficos agudos“, que afetarão a sustentabilidade financeira do sistema e o valor das pensões. “O envelhecimento demográfico tem acelerado, na última década, e o ritmo do envelhecimento deverá ser rápido, nas próximas duas décadas, com diferenças significativas nas mudanças da estrutura populacional entre os países da OCDE”.

Já quanto aos gastos com pensões, o relatório agora conhecido indica que os custos totais sofreram um agravamento equivalente a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2000 e 2017. “O aumento foi superior a 4% do PIB na Finlândia, na Grécia e em Portugal enquanto o Chile, a Alemanha, a Irlanda, a Letónia e a Lituânia registaram um recuo do rácio dos gastos”. Em maior detalhe, Portugal passou a gastar cerca de 13% do PIB com as pensões.

Convém explicar, a propósito, que Portugal tem hoje uma das taxas de substituição mais elevadas da OCDE. “As taxas de substituição variam entre menos de 35% na Estónia e na Lituânia e 90% ou mais na Hungria, em Portugal e na Turquia para os trabalhadores médios”, explica a organização.

A OCDE deixa ainda uma nota no que diz respeito à idade de acesso à pensão, indicando que em Portugal, na Finlândia e na Holanda — países onde esse nível etária aumenta em linha com a esperança média de vida — deverá haver uma subida de cerca de dois anos. Por força da pandemia, a idade da reforma esperada para 2023 vai descer, pela primeira vez, para 66 anos e quatro meses.

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