Quarta dose da vacina contra a Covid? Ainda não há dados suficientes, dizem os especialistas
Portugal, em conjunto com a UE, avançou com um processo para assegurar uma eventual 4.ª dose contra a Covid. Especialistas dizem que ainda não há evidências para saber se vai ser necessária.
Numa altura em que o número de infeções por Covid-19 aumenta um pouco por toda a Europa, à boleia da variante Ómicron, a União Europeia (UE) iniciou o processo de aquisição de vacinas para uma eventual quarta dose contra a Covid, mais adaptada a esta estirpe. Não obstante, os especialistas ouvidos pelo ECO apontam que ainda não há dados suficientes para aferir se vai ser mesmo necessária.
Na semana passada, o primeiro-ministro português revelou que está “a decorrer o processo de compra de uma vacina adaptada já à Ómicron”, a nível da UE e, que, nesse sentido, Portugal apresentou o pedido para assegurar essa eventual quarta dose da vacina caso se revele “necessária”. “Esse reforço será para as populações mais vulneráveis e, portanto, não teremos a necessidade de fazer uma vacinação generalizada da população”, afirmou ainda António Costa, em Bruxelas, acrescentando que é expectável que esta vacina esteja “disponível depois da primavera”.
Nesse mesmo dia, mais contido, o secretário de Estado da Saúde veio sublinhar que apesar de não se saber “o que acontecerá em 2022, nomeadamente o que será a quarta dose, em que formato será a quarta dose e como poderá ser dada ou mesmo se será necessária”, Portugal tem que estar preparado para “todas as eventualidades” e “planear o futuro”, disse Diogo Serras Lopes.
Ao ECO, o Infarmed confirma que a “Comissão Europeia está em articulação com os Estados-membros e as empresas responsáveis pela comercialização, para finalizar o processo de aquisição” de vacinas, adiantando ainda que o “número de doses não está ainda definido” e que o calendário previsto de entregas é “durante o ano de 2022”.
Para já, pouco se sabe sobre esta quarta dose, mais adaptada à Ómicron. Ainda assim, noutros países, como na Alemanha, esta hipótese é também colocada em cima da mesa. O ministro da Saúde alemão anunciou, na quarta-feira, que o governo tinha encomendado 80 milhões de vacinas dirigidas a esta variante, com entrega prevista para “abril ou maio”, isto numa altura em que se estima que a Ómicron passe a ser dominante na Alemanha daqui a três semanas, segundo a Reuters. Além disso, também o CEO da Pfizer tinha referido que os dados preliminares apontam que a atual dose de reforço da Pfizer é eficaz na proteção contra esta variante, não descartando, no entanto, uma eventual quarta dose mais adaptada à Ómicron, segundo a CNBC.
Por outro lado, Israel, que já tinha sido pioneiro na administração da terceira dose da vacina contra a Covid, volta a estar no “pelotão da frente”, tendo anunciado também na quarta-feira, que vai começar a administrar uma quarta dose da vacina (ainda que neste caso, a vacina não seja adaptada à Ómicron) aos profissionais de saúde e pessoas acima dos 60 anos ou imunossuprimidos.
Os especialistas ouvidos pelo ECO não se surpreendem com esta medida de “precaução” tomada por Portugal, mas avisam que ainda não há evidências científicas suficientes para aferir se esta quarta dose da vacina vai ser efetivamente necessária. “Neste momento, não é fácil termos a certeza sobre se vai ou não ser inevitável esta quarta dose”, sublinha Miguel Prudêncio, investigador do Instituto de Medicina Molecular (iMM), acrescentado que, para já, os estudos preliminares demonstram que “as duas doses da vacina atuais têm uma eficácia inferior” contra a infeção por Ómicron face àquela conferida contra a infeção por outras variantes, “nomeadamente na proteção contra doença sintomática”, mas que “essa proteção aumenta muito significativamente com a dose de reforço”.
O especialista considera que uma das maiores dúvidas está relacionada com o “grau de proteção que esta dose de reforço atual confere contra a doença grave causada pela Ómicron”, uma vez que os dados que existem ainda são preliminares. Miguel Prudêncio aponta que, até agora, o que se tem verificado com as variantes anteriores, nomeadamente a Alpha e a Delta, é que “embora possa haver ali algum decréscimo da proteção contra a infeção e contra a doença sintomática, a proteção contra a doença grave tem se mantido sempre elevada”.
Um estudo preliminar divulgado na quarta-feira pelo Imperial College London releva que o risco de hospitalização para pacientes infetados com a variante Ómicron é entre 40% a 45% inferior ao risco de hospitalização por infeção pela variante Delta. Outro estudo da África do Sul, divulgado nesse mesmo dia, também sugeria que há um menor risco de hospitalização para infetados com Ómicron comparativamente à Delta. Estes estudos ainda não foram revistos por pares. Recorde-se que esta variante Ómicron representa já quase metade dos novos casos identificados em Portugal e estima-se que possa vir a ser dominante já no final do ano, dado o seu elevado grau de transmissibilidade.
Se se vier a demonstrar que a dita quarta dose, adaptada à Ómicron, é importante para proteger contra doença grave causada pela Ómicron aquilo que é expectável é que esse processo se inicie pela população mais vulnerável.”
Assim, a verificar-se essa necessidade, Miguel Prudêncio considera que é expectável que se dê prioridade aos grupos mais vulneráveis. “Se se vier a demonstrar que a dita quarta dose, adaptada à Ómicron, é importante para proteger contra doença grave causada pela Ómicron aquilo que é expectável é que esse processo se inicie pela população mais vulnerável, mas que eventualmente acabe por se ir alargando progressivamente a outras faixas da população“, refere.
Também Bernardo Gomes, médico de Saúde Pública, prefere ser cauteloso sobre esta eventual necessidade, referindo que no próximo ano deverão chegar “mais novidades sobre outro tipo de vacinas” diferentes das que estão a ser administradas atualmente. “Não estou a falar só de vacinas adaptadas a uma determinada variante, mas vacinas, que, por exemplo, bloqueiem a transmissão ou vacinas que consigam ter um reconhecimento mais transversal do coronavírus poupando-nos ao facto de ter que andar em atualização de vacinas”, explica o também investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, em declarações ao ECO.
Nesse contexto, apesar de sublinhar que “as vacinas atuais estão a dar uma boa resposta”, ainda que para ter um “efeito mais expressivo estejam a ser precisas as três doses”, o médico de Saúde Pública reconhece que ainda há muitas dúvidas que têm que ser esclarecidas, nomeadamente ao nível da duração da imunidade. “Agora a questão que falta saber é quanto tempo é que isto [a proteção] dura, o que é que virá mais em termos de variantes”, elenca acrescentado, no entanto, que “temos razões para estar otimistas”, dado que “as vacinas já nos deram muito”.
“As novidades vão ser bastantes para o ano e esperamos que sejam suficientemente boas no sentido de permitir maior flexibilidade na prevenção e também no tratamento da Covid-19”.
Além disso, Bernardo Gomes não descarta como cenário que se consiga uma vacina de segunda geração “com características mais perenes”, que seja administrada anualmente “à imagem do que fazemos com a da gripe”. “Acho que as novidades vão ser bastantes para o ano e esperamos que sejam suficientemente boas no sentido de permitir maior flexibilidade na prevenção e também no tratamento”, elenca o médico de Saúde Pública.
Mas assertivo é Pedro Simas que sublinha que a aquisição de vacinas para uma eventual quarta dose contra a Covid, mais adaptada à Ómicron, já “estava programada”, mas o investigador acredita que “perante tudo o que está a acontecer” e, dado o reforço que está a ser feito com a terceira dose, não será necessária. “Penso que quartas doses da mesma forma que estão a ser administradas terceiras doses para a Ómicron não vão ser necessárias“, afirma o também diretor do Católica Biomedical Research Center, ao ECO.
Além de sublinhar que a proteção conferida pela terceira dose da vacina contra a doença sintomática provocada pela variante Ómicron é bastante elevada, podendo “chegar aos 70%”, Pedro Simas salienta que esta eficácia “é praticamente igual às duas doses em termos de eficiência para a Delta”. Além disso, o investigador do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa baseia-se ainda na elevada taxa de cobertura vacinal de Portugal. “Eu sei que há alguma incerteza, mas temos uma população que está 90% vacinada com as duas doses e agora quase 30% de terceiras doses dadas, principalmente acima dos 70 anos. Temos os grupos de risco muito protegidos“, afirma.
Nesse sentido, o especialista defende que “estamos a entrar num ciclo endémico, pelo que não nos devemos preocupar tanto com a infeção e “deixar que o vírus se transmita naturalmente entre a população de uma forma endémica”, tal como sucede com outros coronavírus. Não obstante, Pedro Simas admite uma eventual administração de uma quarta dose da vacina “para os mais vulneráveis da mesma forma que se faz com a gripe”, conclui.
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