Porque sobem os preços da energia na Europa em oito perguntas e respostas

  • Joana Abrantes Gomes
  • 27 Dezembro 2021

O ano de 2021 tem sido marcado pelo disparar dos preços da energia na Europa. Qual é, afinal, o problema, e quais os países que podem ficar mais afetados no continente?

As ambições energéticas da Europa passam por um futuro com emissões reduzidas de carbono, até chegar à neutralidade carbónica em 2050, através de uma reestruturação completa dos seus sistemas de produção e distribuição de energia elétrica. Porém, os países deparam-se, atualmente, com aquilo que a Bloomberg (acesso pago, conteúdo em inglês) apelida de “confusão dispendiosa”: desde uma enorme volatilidade nas energias renováveis, com o vento a escassear e a exigir que se queime gás e carvão para produzir eletricidade, passando por crise energética global no fornecimento de gás natural, combinada com baixas reservas na Europa, até à mais recente tensão militar na fronteira da Rússia com a Ucrânia que tem atrasado a certificação de um novo gasoduto de ligação à Alemanha.

Todos estes fatores combinados criam a tempestade mais do que perfeita e têm contribuído para um inédito aumento de preços, desde o carvão ao gás natural, até às licenças de emissão de CO2, que se refletem depois no preço da eletricidade em toda a Europa.

1. Qual é o problema?

No final deste mês de dezembro, os preços do gás natural atingiram níveis acima dos máximos registados em outubro. Embora a nova variante da Covid-19, Ómicron, tenha feito abrandar alguma da procura, manteve-se a pressão do lado do fornecimento de energia. As centrais a carvão tinham sido encerradas, as reservas de gás eram inferiores ao normal e a crescente dependência do continente europeu face às fontes de energia renováveis estava a tornar-se numa vulnerabilidade. A 21 de dezembro, os preços referência do gás europeu aumentaram para mais de 180 euros/MWh (megawatt-hora), em comparação com os cerca de 20 euros/MWh que marcavam no início do ano. Os preços da energia elétrica também dispararam, com a eletricidade na Alemanha e os futuros para o primeiro trimestre de 2022 nos países Nórdicos a atingir níveis recorde. Na Península Ibérica, dezembro trouxe o preço mais alto de sempre registado até agora no mercado grossista ibérico (Mibel): 383,67 euros por MWh. E não é garantido que fique por aqui.

2. O que é que os preços do gás têm que ver com a eletricidade?

Em 2019, cerca de 26% da eletricidade na União Europeia (UE) foi produzida a partir das centrais nucleares e outros 23% a partir da queima de gás natural. A eletricidade é muito difícil de armazenar e, como tal, grandes oscilações nos custos de combustível traduzem-se rapidamente em volatilidade de preços. Ainda que existam grandes baterias de armazenamento – uma tecnologia que está a desenvolver-se mais rapidamente agora -, levará ainda muitos anos até que possam ser uma real alternativa de armazenamento de energia renovável. Além disso, alguns países europeus dependem cada vez mais das exportações de eletricidade de outros países abundantes em energia.

3. Porque é que existe um défice de abastecimento de gás?

As reservas de gás na Europa em dezembro foram as mais baixas de que há registo nesta época do ano. A China, que é, de longe, o maior consumidor de energia e de mercadorias do mundo, exigiu às empresas estatais que garantissem o abastecimento do país a todo o custo. Ora, para garantir que o gás natural se mantinha longa da Ásia, os preços na Europa tiveram de permanecer altos.

No início de 2021, os fluxos de gás da Noruega eram inferiores à média durante os trabalhos de manutenção nos seus campos gigantes e estações de processamento, e os fornecimentos da Rússia eram limitados enquanto este país reconstruía as suas próprias reservas. O Presidente russo, Vladimir Putin, acalmou o mercado do gás em outubro, oferecendo-se para ajudar a estabilizar a situação na Europa, dizendo que a Rússia poderia potencialmente exportar volumes recorde do combustível vital para a Europa este ano.

No final do ano, porém, a certificação de um novo gasoduto para as exportações da Rússia para a Europa complicou-se por questões geopolíticas. Trata-se do Nord Stream 2, já construído no mar Báltico, que liga a Rússia à Alemanha. Além dos atrasos na burocracia para a sua regularização, há uma preocupação em torno de uma potencial perturbação dos fluxos de gás através da Ucrânia que faça subir os preços do gás natural. Ao mesmo tempo, os EUA, um aliado europeu, opõem-se a este gasoduto devido à dependência energética da Europa em relação à Rússia, numa altura em que surge uma crise na fronteira deste país com a Ucrânia. Moscovo tem posicionado militares junto à região fronteiriça de Donbass, o que têm feito o Ocidente e Kiev temer uma potencial invasão, ainda que Putin negue qualquer intenção nesse sentido. Os Estados Unidos têm pressionado a Alemanha para que interrompa a certificação do Nord Stream 2 caso Putin invada a Ucrânia.

4. Como são fixados os preços da energia na Europa?

As produtoras e comercializadoras de eletricidade e compram e vendem energia com anos de antecedência, apoiando-se fortemente em previsões sobre a economia e os custos de combustível a longo prazo. O mercado europeu alargado da energia tem-se focado, tradicionalmente, no preço do dia seguinte, com leilões que fornecem um preço com um dia de antecedência a servirem de referência.

As empresas apresentam licitações e ofertas para cada hora com base nos seus cálculos de oferta e procura. Depois, é calculado um preço médio pelo tratamento cambial desse mercado. Os preços ao consumidor são estabelecidos pelos reguladores estatais após os serviços públicos solicitarem alterações das taxas com base no quanto pagaram pela energia no mercado grossista, investimentos em transmissão e manutenção geral das suas redes.

5. O que há de novo no sistema?

A explosão das energias renováveis, que são mais intermitentes do que as fontes fósseis ou a energia nuclear. Consoante a meteorologia, os preços podem sofrer grandes mudanças e, por isso, os mercados para períodos de tempo mais curtos, no mesmo dia, também se tornaram vitais. A Alemanha estabeleceu também o encerramento de quase metade da sua capacidade de produção de energia nuclear antes do final deste ano, como parte de uma política a longo prazo, o que provoca maior tensão nas redes europeias, que já enfrentam uma das piores crises energéticas de sempre da região.

6. Quão dependente é a Europa da energia eólica?

Os países do Norte da Europa, incluindo o Reino Unido, a Alemanha e os países nórdicos, tornaram-se líderes na tecnologia para produzir energia a partir do vento. Em Espanha, o crescimento das centrais eólicas e solares ajudou a sua quota de energias renováveis a chegar a um recorde de 44% da energia total em 2020. França também está a produzir mais energia a partir do vento, mas a sua produção de eletricidade continua a ser dominada pelas centrais nucleares.

7. Quais são os países que correm maior risco de ficar sem energia?

Aqueles que têm interligações elétricas limitadas com os países vizinhos. Numa crise, estes países são menos capazes de beneficiar do mercado de energia europeu, que permite que a energia chegue onde é mais necessária e onde atinge o preço mais elevado. O operador de rede da Irlanda advertiu, em setembro, que havia um risco de apagões devido à falta de vento. No Reino Unido, muitas instalações são antigas e avariam com frequência. Se as grandes interrupções coincidirem com épocas de pouco vento ou sol, o país pode estar perto de ficar sem eletricidade.

8. O que é que isto significa para os objetivos climáticos da Europa?

Como as energias renováveis são sinónimo de grande volatilidade, isso pode tornar-se muito dispendioso para o continente alcançar o seu objetivo de reduzir as emissões de carbono em 55% até 2030. O responsável da Comissão Europeia pelo Pacto Ecológico Europeu, Frans Timmermans, disse que os preços mais elevados não devem minar a determinação da UE em expandir a produção de energia renovável e que a indústria deve, em vez disso, acelerar para tornar disponível mais energia verde a baixo custo.

Além disso, em outubro, a comissária europeia da Energia, Kadri Simson, disse que o Executivo comunitário estava a rever as recomendações aos Estados-membros sobre as medidas que podem tomar para aliviar a crise sem prejudicar as regras do bloco, incluindo a compensação para as famílias mais vulneráveis, cortes fiscais e ajuda estatal para as empresas.

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