Patrões avisam que “não faz sentido” prolongar obrigação do teletrabalho
Desde 25 de dezembro que a adoção do teletrabalho é obrigatória. Especialistas não têm posição consensualizada entre si quanto ao prolongamento dessa orientação, mas patrões estão contra.
A escalada dos casos de Covid-19 alimentada pela nova variante do coronavírus, a Ómicron, levou o Governo de António Costa a colocar o país numa “quinzena de contenção“, que termina no próximo domingo. Depois dessa data, o teletrabalho deverá ou não continuar a ser obrigatório? Os especialistas não têm ainda uma posição consensualizada entre si, enquanto as confederações patronais e a CGTP defendem o regresso à “normalidade”. A resposta final deverá ser dada esta quinta-feira pelo Governo, após a reunião do Conselho de Ministros.
Foi a poucos dias da quadra festiva que o Executivo anunciou o endurecimento das restrições associadas à crise pandémica, tendo antecipado para 25 de dezembro o início do período de contenção, no âmbito do qual passou a ser obrigatória a adoção do teletrabalho, sempre que as funções sejam compatíveis e mesmo que não haja acordo entre trabalhador e empregador.
De acordo com o plano anunciado, nessa ocasião, pelo Governo, as regras mais apertadas só estariam em vigor até 9 de janeiro, de modo a mitigar o agravamento da pandemia resultante das múltiplas reuniões que marcam tradicionalmente o Natal e o Ano Novo. O secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, já veio, entretanto, assegurar que as aulas vão mesmo começar a 10 de janeiro, mas nada adiantou sobre, por exemplo, o teletrabalho.
Numa altura em que o número de casos de Covid-19 está em máximos, mas os óbitos estão longe dos números registados no primeiro trimestre de 2021, os especialistas não têm também uma posição consensualizada entre si sobre o eventual prolongamento da obrigação de trabalhar a partir de casa.
Isso mesmo sinaliza ao ECO o médico de Saúde Pública Bernardo Gomes, que revela estar, primeiro, à espera de uma “análise crítica” sobretudo relativamente ao impacto da nova variante do coronavírus nos internamentos. Ou seja, para já, não consegue mostrar-se a favor ou contra a necessidade de prolongar a obrigação do teletrabalho, dependendo essa posição da avaliação que vier a ser feita do cenário hospitalar.
Já o pneumologista Carlos Robalo Cordeiro salienta que, nesta fase da luta contra a Covid-19, “é importante reforçar as medidas de intervenção não farmacológica“. Quais? O uso da máscara, o distanciamento, o arejamento dos espaços, o reforço da testagem e o teletrabalho.
Na mesma linha, Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANSMP), entende que há vantagens no trabalho à distância. Isto “se não houver particular prejuízo da atividade”. “A ser assim, julgo que se poderia manter. Mas isso é quase independentemente da pandemia“, atira, antecipando que, mesmo depois da Covid-19 estar no passado, o teletrabalho poderá continuar a fazer parte do presente. “No contexto atual em que efetivamente a menor mobilidade, a menor interação reduz também a disseminação da doença, faz sentido também medida para mitigar os impactos da pandemia”, acrescenta o mesmo responsável.
Esta quarta-feira, os políticos e os especialistas vão reunir-se para analisar a evolução da pandemia, em antecipação da reunião do Conselho de Ministros marcada para esta quinta-feira. Será nessa altura que o Governo deverá dar a resposta final, esperando as confederações patronais e a CGTP que António Costa anuncie um levantamento da obrigação em causa e, assim, o regresso à normalidade. Já a UGT diz estar a aguardar a avaliação dos números da pandemia para decidir se é ou não favorável ao prolongamento do dever de teletrabalho.
“Percebendo que é importante manter algum controlo sobre o número de novos casos Covid-19, consideramos que, nesta fase e face à postura de responsabilidade que os empresários vêm demonstrando, deverá caber às empresas a definição das estratégias a adoptar“, defende a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), em declarações ao ECO. Ou seja, devem ser as empresas, entende a CCP, a decidir se optam ou não pelo teletrabalho ou até mesmo por um modelo híbrido, “em função das suas circunstâncias concretas, nomeadamente em termos de espaços físico“.
A confederação liderada por João Vieira Lopes salienta também que “a permanência das pessoas em casa afeta um conjunto de atividades“, como o comércio e alguns serviços, “em especial a restauração”. E alerta: “Muitos estabelecimentos instalados em zonas com grande predominância de serviços, cuja atividade estava diretamente relacionada com esses serviços, já fecharam as portas nestes quase dois anos. A manutenção do teletrabalho obrigatório tornará mais difícil a manutenção das empresas que conseguiram resistir até ao momento”.
No mesmo sentido, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) reconhece que o teletrabalho “pode ser uma solução para evitar contágios“, mas avisa que “não deve ser um caminho seguido automaticamente sem pesar todas as consequências“. Ao ECO, a confederação liderada por António Saraiva diz, por isso, que impor o teletrabalho a todos é, neste momento, excessivo, tendo em conta que a nova variante do coronavírus “é menos perigosa, apesar de mais contagiosa”.
“Costuma dizer-se que para quem tem um martelo na mão tudo são pregos. Numa altura tão difícil, após quase dois anos de dificuldade extrema, os empresários não precisam de uma nova martelada, precisam de ser ouvidos para que seja possível defender a saúde de todos e, simultaneamente, reduzir ao mínimo os danos”, apela a CIP.
A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) tem uma posição semelhante, relativamente ao eventual prolongamento da obrigação do teletrabalho. “A CAP defende que, passado o período de contenção pós-festividades natalícias, o trabalho seja retomado no seu contexto normal, não devendo a obrigatoriedade de adoção do teletrabalho ser prolongada para lá de 9 de janeiro. Salvo, naturalmente, se as condições sanitárias e de saúde pública se deteriorarem de forma gravosa”, sublinha Eduardo Oliveira e Sousa, em declarações ao ECO. De notar que, na atividade agrícola, destaca o mesmo responsável, o teletrabalho só se aplica em “situações muito pontuais”.
Também o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Luís Miguel Ribeiro, considera que o prolongamento da obrigação do teletrabalho “não faz sentido”, uma vez que os fundamentos dessa medida — a necessidade de mitigar os contágios após a quadra festiva — deixarão de ser colocar a partir de 10 de janeiro. O responsável ressalva, ainda assim: “A não ser que, inesperadamente, tenhamos novidades em termos de agravamento da evolução da pandemia, nomeadamente das chamadas linhas vermelhas na área da saúde”.
Do lado dos trabalhadores, as posições não diferem muito das assumidas pelas confederações patronais. Em conversa com o ECO, Andrea Araújo, da Comissão Executiva da CGTP, salienta que, “cumprindo toda as regras de segurança e saúde, há vantagens em voltar à ‘vida normal'”, defendendo, por isso, que a decisão de adotar o teletrabalho deve voltar a caber aos trabalhadores e empregadores. Isto até porque a CGTP tem até algumas preocupações relativamente ao teletrabalho, nomeadamente no que diz respeito às despesas adicionais que ficam a cargo do trabalhador, não tendo a nova legislação dissipado esses receios.
Do lado da UGT, Sérgio Monte, secretário-geral adjunto dessa central sindical, reconhece que “todos estão desejosos de voltar à normalidade“, mas frisa que a obrigação do teletrabalho só tem sido instituída quando os números da pandemia recomendam essa precaução. “O teletrabalho serve para retirar o fluxo de pessoas dos transportes públicos, sobretudo nas áreas metropolitanas, e assim evitar contágios”, observa. A UGT é, portanto, “pelo regresso à normalidade”, mas entende que é preciso analisar, antes, a taxa de incidência para fechar uma posição sobre o prolongamento do trabalho remoto.
Em 2021, o teletrabalho manteve-se de adoção obrigatória mesmo depois de o país ter começado a desconfinar. Esta foi, portanto, uma das últimas restrições a serem levantadas, ou seja, a garantia já deixada pelo Governo de que as aulas vão mesmo abrir a 10 de janeiro não sinaliza agora necessariamente o levantamento paralelo da obrigação em causa.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, no primeiro trimestre de 2021 (período marcado pelo confinamento), 967,7 mil trabalhadores portugueses estiverem em teletrabalho, isto é, um quinto da população empregada trabalhou sempre ou quase sempre a partir de casa com recurso a tecnologias de informação e comunicação.
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