Especialistas afastam reforço das medidas, mas sugerem ajustes para travar a pandemia
Governo e especialistas reúnem-se esta quarta-feira para avaliar pandemia. Peritos ouvidos pelo ECO descartam agravamento das medidas, mas estão divididos quanto à reabertura de discotecas.
Governo, partidos e especialistas voltam a reunir-se esta quarta-feira no auditório do Infarmed para avaliarem a situação epidemiológica da Covid-19 em Portugal, numa altura em que as infeções estão a disparar devido à variante Ómicron. O encontro servirá para sustentar a tomada de decisões no Conselho de Ministros de quinta-feira, após o qual serão conhecidas as medidas que vão vigorar a partir de 10 de janeiro.
À semelhança de vários países europeus, Portugal está a assistir nos últimos dias a um aumento significativo de casos de Covid-19, tendo chegado a ultrapassar a fasquia das 30 mil infeções diárias, um máximo de sempre, a 31 de dezembro. Contudo, os efeitos deste aumento são diferentes face a outras vagas, devido à imunização da população e aos indícios de que a Ómicron, agora prevalente, provoque doença menos severa.
Os especialistas ouvidos pelo ECO descartam um agravamento das medidas atualmente em vigor, mas defendem alguns ajustes face às já implementadas. Além disso, pedem uma análise “mais crítica” relativamente ao impacto hospitalar da Ómicron. “Toda e qualquer decisão na quinta-feira vai ter como pano de fundo esse principal critério“, afirma Bernardo Gomes, médico de Saúde Pública, acrescentando que, apesar da variante ter menor severidade, é “super transmissível” e tem “claramente uma celeridade [de transmissão] menor”, pelo que pode vir a “representar uma sobrecarga importante nos serviços de saúde”.
Atualmente, o impacto hospitalar está controlado, sendo que na terça-feira havia 1.203 pessoas internadas devido a complicações associadas à Covid-19, das quais 147 em unidades de cuidados intensivos (longe do limite dos 255 definidos como críticos). As projeções realizadas pelo gabinete de crise da Ordem dos Médicos em conjunto com o Instituto Superior Técnico estimam que Portugal possa atingir o pico desta vaga entre 20 a 24 de janeiro, podendo chegar aos 100 mil casos diários e cerca de 2.200 internamentos (dos quais até 225 em unidades de cuidados intensivos). Os óbitos não deverão exceder os 30 por dia, em média móvel a sete dias.
Nesse sentido, também Ricardo Mexia aponta que apesar do ponto de vista da severidade da doença os números não indicarem que há razões para alarme relativamente aos internamentos, UCI e óbitos, deve-se “olhar para esses números com alguma cautela”, dado que há sempre um desfasamento entre os indicadores de pressão hospitalar e óbitos face ao número de casos. “Até agora as coisas têm estado relativamente estáveis e, portanto, se isso se mantiver assim não me parece que seja necessário um reforço das medidas. Mas tudo dependerá dos dados que formos verificando”, sintetiza o médico de Saúde Pública, ao ECO.
Até agora as coisas têm estado relativamente estáveis e, portanto, se isso se mantiver assim não me parece que seja necessário um reforço das medidas. Mas tudo dependerá dos dados que formos verificando.
Assim, face ao enquadramento atual também Bernardo Gomes e Carlos Robalo Cordeiro não julgam necessário um reforço das medidas. Até porque “ao tomar medidas sistémicas que não sejam compreensíveis, toda a adesão voluntária, aquilo que é preciso manter e de menor impacto, ficam em jogo”, sublinha o também investigador Bernardo Gomes. Deste modo, os peritos defendem que terminadas estas duas semanas de contenção, o país deve “tentar manter a normalidade possível”, mas com cautelas.
Nesse contexto, os especialistas não têm uma opinião consensualizada sobre a manutenção do teletrabalho obrigatório. Se Ricardo Mexia e Carlos Robalo Cordeiro veem vantagens na manutenção do trabalho à distância caso as funções o permitiam, dado que “a menor interação reduz também a disseminação da doença”, Bernardo Gomes defende que essa avaliação vai depender da análise relativa aos dados do impacto hospitalar da nova variante. Não obstante, todos defendem o regresso das aulas presenciais.
“As escolas continuarem fechadas e depois da semana que vem promover-se o teletrabalho, seria altamente diruptivo no que toca à componente educacional e até social das crianças e jovens, que ficariam privadas de um ensino como ele deve ser: pleno”, justifica Carlos Robalo Cordeiro, diretor do serviço de Pneumologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
Além disso, Ricardo Mexia acrescenta ainda que um novo adiamento do calendário escolar agravaria “fortemente” as desigualdades existentes. Certo é que o Governo já veio sinalizar que as aulas vão ser retomadas em regime presencial a partir de 10 de janeiro. Ainda assim, Bernardo Gomes sugere que a DGS deve fazer um ajuste às normas de isolamento, dado que atualmente não é “proporcional mandar turmas inteiras para casa”.
A reabertura das discotecas deverá, de alguma forma, depender da evolução epidemiológica e da descida dos indicadores e até também do aumento da taxa de cobertura vacinal.
Quanto à reabertura dos discotecas e bares, as opiniões divergem. Bernardo Gomes sublinha que esta será “uma das decisões mais difíceis” entre as que já foram tomadas até agora pelo Executivo e admite uma reabertura mediante teste negativo. Para Carlos Robalo Cordeiro é “prematuro” reabrir estes espaços “dado o volume enorme de infeções que o país vai ter nas próximas semanas”, pelo que a decisão vai depender da descida dos indicadores, bem como do aumento da cobertura vacinal da população com a dose de reforço.
Mais cauteloso quanto a esta matéria, é Ricardo Mexia que defende uma coerência de medidas, já que se verificou uma “enorme assimetria” no período da passagem de ano, em que estes espaços foram encerrados “mas depois houve vários espaços onde se realizaram festas de passagem de ano, como restaurantes, quintas, etc”, aponta. E acrescenta que o que está em causa não é o espaço, mas sim o “período relativamente prolongado em que se permanece num contexto em que tendencialmente não se utiliza a máscara”.
Além disso, os peritos ouvidos pelo ECO apontam que é fundamental reforçar as medidas de intervenção não-farmacológica, como o uso de máscara em espaços fechados, o arejamento dos espaços, o incentivo à testagem, bem como o reforço da vacinação contra a Covid. Nesse sentido, Carlos Robalo Cordeiro, que faz parte do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, defende que deve ser antecipada “a segunda toma da vacina das crianças entre os cinco aos 11 anos com intervalo de três a quatro semanas entre as tomas”, ao invés do que recomenda atualmente a DGS (intervalo de seis a oito semanas).
Por outro lado, Ricardo Mexia crítica a “dificuldade de resposta” do SNS face à avalanche de casos positivos, apelando a que seja feito um reforço dos recursos humanos que estão responsáveis pelos inquéritos epidemiológicos. “Os recursos que estão no terreno para fazer os inquéritos epidemiológicos são muito insuficientes e daí que tenhamos dezenas de milhares de inquéritos epidemiológicos por fazer”, critica.
Assim, com o país a caminhar para uma fase endémica a palavra de ordem dos especialistas é “alerta, mas não alarme”, resume Carlos Robalo Cordeiro. Contudo, se o pneumologista defende que a exigência de apresentação de certificado de vacinação, de testagem ou de recuperação deve continuar a vigorar, por exemplo, para hotéis e restaurantes, Bernardo Gomes aponta que esta é uma das medidas que pode vir a ser levantada, já que “é mais uma camada burocrática que não acrescenta grande valor”. Quanto à testagem, o médico de Saúde Pública manteria apenas esta exigência para grandes eventos.
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