João Mendonça (Howden): Risco Cyber é “bomba latente” que pode ter proporções catastróficas
O mercado global de (re)seguro entrou em 2022 com procura crescente e agravamento do prémio na transferência de risco, revela a Howden em relatório que foca evolução dos riscos Covid, Clima e Cyber.
Respondendo a questões do ECOseguros, João Mendonça, Diretor Geral da Howden em Portugal ajuda-nos a perceber como, por exemplo, o risco que afetou o grupo Impresa, alvo de ciberataque, tem probabilidade de se materializar num evento de efeito sistémico, atingindo “proporções catastróficas.”
Em relatório acabado de publicar, relativo a renovações no resseguro, o Howden Broking Group realça três riscos: Covid, Clima e Cyber, com impactos difíceis de quantificar e que levantam questões importantes ao nível de preços. Com referência ao 1º dia de 2022, a corretora independente indica que as taxas de renovação de resseguro para riscos catastróficos em P&C (bens e danos/acidentes) subiram 9% em termos anuais, o maior aumento desde 2009, com os preços a acelerarem 15% nas operações de retrocessão, acumulando aumento de 75% desde 2017.
Partindo do panorama global traçado no relatório do grupo britânico, João Mendonça alinha diagnóstico do caso português com a tendência internacional, principalmente à envolvente europeia: “Os mercados de resseguro são, por definição, muito internacionalizados e o mercado Português é aberto e integrado,” disse ao ECOseguros apontando “uma diferença sensível, que terá a ver com a estrutura do negócio segurador em Portugal”. Considerando os ramos Acidentes de Trabalho, Automóvel e Saúde, nos quais se concentra cerca de 2/3 de todo negócio segurador nacional, os modelos de resseguro para estes ramos “são menos impactantes” dado que, pela frequência de sinistros, “é grande a retenção das seguradoras de seguro direto, sendo os respetivos resseguros menos expressivos,” explica.
"O baixo nível de cobertura de riscos catastróficos é simultaneamente uma ameaça e uma oportunidade! A importância da consultoria em prevenção de riscos e gestão de crise junto dos clientes é cada vez maior.”
Identificando mais procura em transferência de risco (resseguro), mas também de agravamento do prémio de risco, a companhia aborda a evolução 2021-22 focando fatores prejudiciais (perdas) que se afiguram estruturais, os 3“C” – Covid, Clima e Cyber. Estes são riscos de quantificação bastante complexa, complicam os exercícios de modelação e levantam questões relevantes “sobre adequabilidade de preços,” assinala a corretora britânica independente.
Comentando o reflexo desses elementos no mercado nacional, o Diretor Geral da Howden Portugal considera que Covid-19 “impacta na mesma proporção que a atividade económica, mas na estrutura do negócio segurador em Portugal aliviou a sinistralidade sobretudo em Acidentes de Trabalho, Auto e Saúde. No caso da Saúde o efeito inicial (de adiamento) notoriamente já está entrou em reversão com potencial agravamento devido a atrasos de tratamento e redução da atividade de medicina preventiva; no restante, sofrerá o efeito induzido do panorama internacional,” diz João Portugal Mendonça.
O Clima “em termos reais tem impactado menos em Portugal que a experiência internacional, mas é incontornável padecer da mesma tendência que nos outros mercados – mais rigor na subscrição de riscos e maior atenção à sustentabilidade futura; o baixo nível de cobertura de riscos catastróficos é simultaneamente uma ameaça e uma oportunidade! A importância da consultoria em prevenção de riscos e gestão de crise junto dos clientes é cada vez maior.”
Apontando por exemplo o incidente recente que afetou websites do grupo Impresa, o responsável da Howden diz que o risco Cyber “é uma bomba latente que vai tendo alguns estoiros aqui e ali, deixando-nos de sobreaviso para a probabilidade de um acontecimento de efeito sistémico que pode atingir proporções catastróficas. Isto preocupa os Seguradores em todo o mundo, que por um lado querem dar suporte às necessidades do mercado, mas por outro têm que cuidar da sua sustentabilidade. É uma área de negócio muito exigente, que cada dia mais será prioritária para todas as empresas e que requer tratamento por profissionais especializados, nomeadamente na consultoria de prevenção de riscos e na gestão de crise,” considera João Mendonça.
"Para 2022, as expectativas apontam para um equilíbrio (de preços) entre um cenário de risco altamente fluido, por um lado, e resultados de subscrição fortes, por outro”
Capacidade de subscrição abundante para desafios mais complexos
Depois de, no início de 2021, ter cunhado o seu relatório anual (sobre renovações de resseguro) sob o título Hard Times, retratando o choque produzido por uma confluência de fatores (pandemia global; tensões geopolíticas; incerteza nos mercados de capitais; maior frequência de catástrofes naturais e crescente preocupação face às alterações climáticas), a corretora independente assume que alguns desses elementos “se dissiparam nos últimos 12 meses,” embora muitos dos seus efeitos perdurem.
Com referência a 1 de janeiro, momento clássico de análise anual à evolução de preços no setor, a Howden escolheu Times are a-changin’ para título do relatório deste ano, por forma a realçar precisamente o fator “mudança,” que classifica como estrutural e “omnipresente” no contexto de desafios atuais. Perspetivando um mix de riscos de perigosidade secundária agravada, inflação crescente, inflação social temporariamente subvalorizada e um mercado cibernético perturbado, a companhia vê mais complexidade num “ambiente de subscrição já complicado”.
Em termos globais, se em 2021 o seguro comercial registou uma taxa ponderada de 12% de aumento do prémio, com alguma moderação” na maioria das linhas de negócio ao longo do ano e não obstante os sucessivos aumentos anuais, “os operadores continuam a utilizar a sua capacidade de forma cautelosa,” assinala a Howden.
Para 2022, as expectativas apontam para um equilíbrio (de preços) entre um “cenário de risco altamente fluido, por um lado, e resultados de subscrição fortes, por outro.” As melhorias nas margens de negócio poderiam ajudar a compensar a pressão de aumentar taxas em 2022, sugere a companhia notando que os compradores (de seguros) se confrontam com quatro anos consecutivos de subida de preços.
"previsão inicialmente estimada de 100 mil milhões de dólares de perdas para a indústria [por causa da Covid-19], parece agora manifestamente improvável
”
Embora sob cenário macroeconómico incerto e uma correção sem precedentes nos últimos 20 anos, o mercado apresenta-se, em 2022, bastante “resiliente” e “saudavelmente capitalizado” (26 mil milhões de dólares de capital fresco entraram no setor, biénio 2020/21) para gerir desafios de eventuais perdas. Em termos de capacidade de subscrição de risco, o relatório do Howden Broking Group fala de “abundância” e recorda que o setor fechou 2021 com 421 mil milhões de dólares de capital dedicado ao resseguro, um novo recorde.
Covid-19 custa aos seguros globais menos de metade do previsto há 2 anos
Cerca de 40 mil milhões de dólares (39 mil milhões de euros ao câmbio corrente) é o valor de perdas para a indústria seguradora por conta da Covid-19, aponta o mesmo relatório. Prejuízo que é terceiro valor mais elevado da história, supera o custo de danos causados por outras catástrofes como furacão Katrina ou os ataques terroristas de 11/9 de 2001, em Nova Iorque.
Considerando a previsão inicialmente estimada de 100 mil milhões de dólares de perdas para a indústria, avançada no princípio da pandemia (quando há dois anos se noticiaram cancelamento de eventos e encerramento de muitos negócios), essa estimativa parece agora “manifestamente improvável,” mesmo admitindo que subsiste ainda elevada incerteza sobre os efeitos do evento, sustenta o Howden Broking Group.
Para “clarificar” esta assunção e reforçando a ideia de complexidade associada à tríade de riscos (3 “C”), a corretora internacional recorda que, com mais de 35 mil milhões de dólares de perdas (re)seguradas da COVID-19 anunciadas em 2020 (90% dos quais incidindo sobretudo no mercado de P&C, por cancelamento de eventos e cobertura de interrupção de negócios), em 2021 verificou-se montante “muito reduzido” de perdas relatadas, período em que apenas se contabilizaram 1,2 mil milhões de dólares em perdas adicionais de P&C até ao 3º trimestre do ano passado, enquanto as compensações no ramo de Vida aumentaram em 5,5 mil milhões de dólares, com probabilidade de se prolongarem em 2022 por conta do “impacto persistente do vírus na morbidade e mortalidade”.
Desde o início da crise pandémica, muitas seguradoras passaram a aplicar exclusão do risco Covid-19 nas suas apólices e, existindo um limite para cobrir cancelamento de eventos, existem também limites para cobertura de ações cíveis, “quando se atinge 40 mil milhões (de dólares), esgota-se tudo o que foi subscrito”, afirmou David Flandro, especialista de atuarial e Head of Analytics na Howden, citado num artigo da Reuters.
Atividade M&A: “Estamos com pipeline muito interessante para 2022”
Presente em Espanha há mais de 20 anos e com sucursal em Portugal desde 2016, o grupo britânico de corretagem e consultoria também é ativo nos (re)seguros de fusões-aquisições, em particular na área transacional (W&I- Warranties and Indemnities), cobertura muito utilizada nas operações M&A, atividade em que recentemente apontou boa dinâmica de notificações no mercado ibérico.
2021 “foi um ano muito bom e de crescimento para o M&A a nível global, apesar das expectativas relativamente moderadas no início do ano,” diz ao ECOseguros. Particularizando o caso português João Mendonça refere que “a tendência de aquecimento do mercado sentiu-se particularmente na segunda metade do ano”. A nível Ibérico, “embora ainda esteja a ser feita uma análise dos números finais que será publicada no nosso relatório anual, a nossa expectativa aponta para um crescimento em todos os índices (número de apólices colocadas, deal value total, etc), tanto em transações operacionais como de real estate.”
O responsável da Howden Portugal revela que, depois de “operações muito relevantes” em 2021, e partilhando perspetivas enquanto agente neste segmento “posso confirmar que estamos com um pipeline muito interessante para 2022. Temos assistido a um crescente interesse do mercado noutras soluções para riscos específicos, essencialmente em contexto transacional (embora não só) – como sejam temas de Tax, Title Insurance, Riscos Contingentes ou matérias Ambientais”.
A Howden em Portugal concluiu 2021 com “crescimento orgânico significativo, e sobretudo temos tido um grande sucesso em consolidar a nossa imagem em Portugal junto dos agentes do setor e das empresas. Tendo em conta o pipeline atual, 2022 vai confirmar um crescimento e consolidação ainda mais significativos.” Disse ainda que espera “confirmar a trajetória de crescimento orgânico que estabelecemos antes: apostar em talento e desenvolver capacidades de distribuição local das soluções cujo know how dominamos e nos diferenciam (…), e sempre atentos à possibilidade de crescimento por aquisição,” complementou o responsável da unidade portuguesa da Howden Iberia.
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