Burocracia versus humanocracia. O perigo das regras rígidas sufocarem a inovação

A liberdade nas organizações nunca será absoluta, mas é preciso escolher a forma de alcançar o controlo, para não inibir a criatividade e a inovação.

Num mundo em constante transformação, em que o ritmo é cada vez mais alucinante, nem todas as empresas têm capacidade para acompanhar a mudança. São as organizações mais “resilientes e desafiadoras” que seguem na corrida, em contraposição às que vivem em constante “inércia e timidez”, que vão ficando, inevitavelmente, para trás. Nas palavras de Michele Zanini, coautor do livro “Humanocracia. Criar empresas tão incríveis como as pessoas que as compõem”, precisamos de companhias “humanizadas”, e não de empresas “burocratizadas”, que só faziam sentido há 100 anos.

As primeiras são as arrojadas, empreendedoras e ágeis, capazes de se mudarem a si mesmas, enquanto as segundas são caracterizadas por possuírem estruturas de poder verticais e regras muito rígidas, que inibem a criatividade e sufocam a inovação. “No modelo burocrático, a instituição vem em primeiro lugar e os indivíduos são, literalmente, recursos humanos que produzem produtos, serviços e rendimentos. São tratados como instrumentos”, adianta Michele Zanini, em conversa com a Pessoas.

Autores: Michele Zanini e Gary Hamel

Editora: Actual

Já nas organizações “humanizadas”, por outro lado, é a instituição que é o instrumento, o veículo através do qual as pessoas conseguem gerar impacto no mundo. “A menos que as empresas mudem as suas perspetivas e passem a constituir-se em torno das pessoas, elas estão perdidas. Nunca serão organizações verdadeiramente capazes”, alerta o autor.

3 questões a Michele Zanini…

Michele Zanini é coautor do livro “Humanocracia. Criar empresas tão incríveis como as pessoas que as compõem”

 

A burocracia continua a ser um handicap para criar empresas incríveis, mais inovadoras e criativas?

Burocracia soa como um termo antiquado (em muitos aspetos é), mas continua a ser o padrão de funcionamento da maioria das organizações de todo o mundo. As práticas de burocracia — como o facto de o poder vir em forma de cargos, de os executivos seniores definirem a estratégia, dos grandes líderes nomearem pequenos líderes e de as pessoas competirem por promoções — estão generalizadas, tanto no setor privado, como no público. Estas práticas burocráticas faziam sentido há 100 anos. Agora, vivemos num mundo muito diferente, em que a burocracia está a tornar-se rapidamente uma responsabilidade.

As organizações burocráticas estão associadas à inércia e ao desalento. Numa burocracia, o poder de iniciar a mudança está em poucos líderes seniores. Quando aqueles que estão no topo cedem à negação, arrogância e nostalgia — como acontece frequentemente — a organização vacila. As burocracias têm também uma espécie de fobia à inovação, fornecem poucos incentivos para aqueles que querem desafiar o status quo.

O livro refere-se a empresas “humanizadas”, em contraposição a empresas “burocratizadas”. O que as distingue?

A diferença está na relação entre os indivíduos e as organizações. No modelo burocrático, a instituição vem em primeiro lugar e os indivíduos são, literalmente, recursos humanos que produzem produtos, serviços e rendimentos. Quando as pessoas são tratadas como instrumentos, é pouco provável que deem o seu melhor. Uma humanocracia vira isto tudo do avesso, dizendo ao indivíduo que ele vem em primeiro lugar. A instituição serve como o veículo através do qual as pessoas geram um impacto no mundo. Ou seja, nesta interpretação, a instituição – não o ser humano – é o instrumento.

Que tipo de regras e limites devem existir nestas empresas não burocratizadas de que fala?

Na nossa experiência, muitos gestores consideram que a liberdade e o controlo se anulam. Em qualquer organização, um certo grau de controlo é essencial e no modelo burocrático isto é conseguido através de regras estritas, supervisão, limites rigorosos de gastos e pouca autonomia. Estas medidas protegem a organização de todo o tipo de males, mas fazem-no à custa de resiliência, inovação e iniciativa. Contudo, esta não é uma troca incontornável.

As empresas pós-burocráticas que apresentamos no livro estão entre as mais eficientes e disciplinadas na sua indústria, sendo ao mesmo tempo as mais radicalmente descentralizadas. A liberdade humana nas organizações nunca será absoluta, mas podemos escolher a forma como esse controlo é exercido. Numa humanocracia, o controlo vem de um compromisso comum de excelência, da responsabilidade face os pares e clientes e da lealdade à organização que o trata com dignidade.

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