Contabilidade e Advocacia: Uma relação que se deseja multidisciplinar

  • Sérgio Ramos
  • 24 Janeiro 2022

Mesmo em Portugal, as principais consultoras começam a integrar equipas de advogados, no sentido de proporcionar uma melhor oferta a quem procura os seus serviços.

Muitos asseguram que o ponto fraco do crime mais ardiloso está no conteúdo que se encontra no livro de contabilidade.

Há quase um século, foi assim que Al Capone terminou os seus dias. Apesar de tantos crimes cometidos pelo gangster mais famoso da América, foi condenado por fraude fiscal. Sem entrar em preciosismos de anos mais recentes, outros processos mediáticos foram tornados públicos por via da avaliação esmiuçada de Relatórios & Contas e outros documentos de cariz semelhante. Entre tantos outros casos similares.

É algo transversal, a análise a números e dados financeiros faz parte do domínio jurídico, com crescentes equipas alocadas a processos cada vez mais complexos e difíceis de destrinçar. Mas engane-se quem pensa que a Justiça e a Contabilidade são irmãos desavindos, irascíveis, que apenas se encontram para dirimir argumentos judiciais.

Pelo contrário! As sinergias são evidentes.

Assiste-se a uma necessária e salutar proximidade entre as partes, com o objetivo de atingir o mesmo desiderato, a cabal e minuciosa compreensão de todas as premissas por que se rege um negócio, do mais simples ao mais engenhoso. Tudo isto, no decorrer de vasto número de processos que diariamente constituem grande parte da torrente legal que percorre conservatórias e notários nos quatro cantos do país.

Cresce, pois, a perceção geral que os escritórios de advogados e os gabinetes de contabilidade andam recorrentemente de “mãos dadas”, enquanto serviços, não apenas complementares, mas tantas vezes relacionados. Poderia, até, concluir este artigo com a mensagem que estas profissões afirmam-se na praça pública como parceiros indispensáveis e indissociáveis para a exequibilidade dos mais variados atos.

Fá-lo-ia de forma extemporânea.

Este é um tema longe de ser unânime. Muitos não concordam com esta proximidade, por temerem a diluição da tarefas e, até, a extinção de profissões. Nem sequer é um tema que se cinja a advogados e contabilistas em concreto, antes ao modelo regulatório por que se regem as Ordens profissionais.

No cerne da polémica que se tem estabelecido, encontra-se em discussão o Projeto de Lei 974/XIV/3, que prevê extensas alterações no modelo das Associações e Ordens profissionais, sendo uma delas a tão falada, e por muitos temidas, multidisciplinariedade de sociedades de profissionais. Embora alvo de críticas por parte de diversas entidades e profissionais, foi já votado em sede parlamentar.

Daqui resulta a possível oficialização de sociedades onde coabitem advogados e contabilistas, por exemplo. Sem entrar no mérito da medida em específico, até por algum tom mais exasperado que tem levantado no debate, esta vem lançar a discussão sobre a ligação de sociedades de advogados e de contabilistas e/ou auditores. Veremos no futuro se a legislação será implementada, e como.

Sem entrarmos por discursos mais puritanos, numa perspetiva mais informal, o que se verifica é que muitos clientes obtidos pelos contabilistas são já reencaminhados por advogados, por motivos legais que se aplicam em cada caso. Estes, por sua vez, necessitam de recorrer ao contabilista, mais não seja aquando da criação de empresas – para as quais terá que ser nomeado um contabilista, em processos de peritagens, em esclarecimentos em matérias contabilístico-fiscais, e muito mais. Quanto ao contabilista, por seu lado, precisa de recorrer frequentemente aos serviços de um advogado, seja para a elaboração de contratos de trabalho, atas, resolução de matérias jurídicas, entre outros atos de ordem legal.

Por estes motivos, não se pode dissociar esta relação entre o contabilista e o advogado. A multidisciplinaridade é algo que se assiste um pouco por toda a Europa. Mesmo em Portugal, as principais consultoras começam a integrar equipas de advogados, no sentido de proporcionar uma melhor oferta a quem procura os seus serviços. E no sentido inverso, os grandes escritórios de advogados procuram reputados gabinetes de contabilidade, como suporte especializado em temáticas mais concretas e de difícil destrinça. É bem possível que esteja qui o futuro, longe das desconfianças que por vezes ainda pairam.

  • Sérgio Ramos
  • Co-fundador e partner da Numeric Consulting Group

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