Advogada com mais de 22 anos de prática na PLMJ, decidiu fundar, em 2021, o escritório em nome individual, acrescentando duas especializações ao seu currículo: direito da cultura e da saúde.
Advogada com mais de 22 anos de prática num dos maiores escritórios do país, a PLMJ, decidiu fundar, em 2021, o escritório em nome individual, acrescentando duas especializações à sua oferta de serviços jurídicos: o Direito da Cultura e o Direito da Saúde.
No âmbito do Direito da Cultura, Patrícia Dias Mendes pretende centrar a atividade do escritório no Direito do Património Cultural, com especial enfoque em Direito da Arte, Direito nos Mercados de Arte, Direito da Economia Social (fundações e associações), Private Clients (filantropia), Direito da Propriedade Intelectual e apoio jurídico a Start-Ups (pequeno empreendedorismo social e/ou com fins comerciais).
Patrícia Dias Mendes foi durante quase uma década (2012-2020) Diretora Geral da Fundação PLMJ e desenvolveu experiência nas áreas do Direito Societário, Direito Comercial, Direito Civil e Fusões e Aquisições (M&A). Leia a entrevista à Advocatus.
O que leva uma advogada que construiu uma carreira na advocacia de empresa e de negócios a querer especializar-se nas áreas da Cultura?
Aconteceu de forma gradual e evolutiva no contexto do crescimento profissional. Ainda enquanto advogada estagiária, comecei a assistir Clientes no ramo de Direito de Propriedade Intelectual, um dos mais importantes na advocacia na área da Cultura, desde logo pela relevância do Direito de Autor.
A isto junta-se um gosto e encantamento pessoais pela Cultura, que vejo como uma forma de comunicação de sentimentos genuínos e autênticos, que contagia os seus destinatários e que tem uma função social determinante, como disse Lev Tolstói há mais de um século.
Concluindo, não é nada de muito revolucionário ou que tenha envolvido uma alteração de paradigma no exercício da minha profissão. Foi uma simbiose entre a minha experiência profissional e o meu encantamento e sentimento de usufruto da cultura!
O Direito da Cultura deveria ser uma especialidade reconhecida pela Ordem dos Advogados?
O Regulamento Geral das Especialidades da Ordem dos Advogados tem vindo a sofrer alterações desde a sua criação em 2004, para permitir uma ampliação do número de especialidades. Iniciou com sete especialidades e atualmente são 16, a mais recente, a do Direito Marítimo.
Atendendo a esta cadência evolutiva, seria adequada, pelo menos, uma reflexão sobre a pertinência da criação da figura do Advogado especialista em Direito da Cultura. Seria um reconhecimento da complexidade das relações sociais e económicas enquadráveis no Direito da Cultura. Se for esse o caminho, estou disponível até para contribuir para esse debate.
Esteve envolvida no processo conhecido como “os Mirós do BPN”, em representação da Parvalorem. Quais foram os maiores desafios deste processo?
Este processo começou em 2013 e durou mais de cinco anos até que tivesse um desfecho: a integração das 85 obras de Joan Miró na coleção do Estado Português. Consultadas as quatro maiores leiloeiras internacionais (Christie’s, Sothebys, Bonhams e Philipps todas oriundas do Séc. XVIII), o leiloamento acabou por ser entregue à Christie’s. O leilão realizou-se em Londres, a 4 de fevereiro de 2014, mas nesse mesmo dia, cerca de quatro horas antes do início do leilão, a leiloeira decidiu retirar estes lotes do leilão de arte moderna e contemporânea, em virtude de uma providência cautelar apresentada pelo Ministério Público 24 horas antes. Estive em Londres nesses dias a assistir os representantes da Cliente e foram horas “sofridas”. Acabei por ir ao leilão que se realizou nesse 4 de fevereiro na sede da Christie’s. Dado o enredo complexo do caso – a que não faltou a alteração de Governo num momento de clímax do processo – esse início de 2014 ficará muito bem gravado nos anais das minhas experiências profissionais mais marcantes… Do ponto de vista jurídico, o caso envolveu a aplicação da Lei de Bases do Património Cultural, que apenas foi regulamentada (no que diz respeito a bens culturais móveis) no decurso do processo, normas de Direito Internacional Privado, de Direito Comunitário e de Direito do Património Cultural o que, juntamente com o contencioso administrativo do caso fez dele um desafio constante, mas que valeu a pena!
Que outros clientes já representou?
No universo do Direito da Cultura tenho lidado com Fundações culturais (no meu caso, por exemplo, com a Fundação Arpad Szene-Vieira da Silva), com Museus (como o Museu Nacional de Arte Antiga), com artistas (por exemplo, o artista Noé Sendas), com galerias de arte (diretamente ou em representação de clientes como já me aconteceu com a Galeria internacional Gagosian), feiras de arte (como a Évora África), associações culturais (Associação EMERGE), leiloeiras de arte (Sothebys, por exemplo). Mas o Direito da Cultura leva-me também a lidar com a imprensa dedicada a arte (como a Revista UMBIGO), com colecionadores de arte (aqui não posso revelar identidades), com academias de ensino de arte (a Sociedade Nacional de Belas Artes), o Canadian Centre for Architecture (num processo que envolveu o Arquiteto Siza Vieira). Trabalho com cineastas, editoras de música, companhias de dança, escritores, etc…
Qual é o perfil dos clientes de Direito da Cultura? Públicos ou privados? Nacionais ou estrangeiros?
É plausível que apresentem qualquer um dos referidos perfis (combinados ou não). No meu caso, tenho acompanhado vários, mas os clientes privados e nacionais são a maioria.
Os escritórios de advogados cada vez mais integram coleções de arte, seja adquirindo-as, tendo uma fundação (como a PLMJ), seja como espaço de divulgação e exposição (como a Abreu, por exemplo). A que é que atribui este fenómeno?
Este fenómeno está muito associado ao perfil das denominadas corporate art collections (colecionismo empresarial), algo que resulta de uma intenção de mecenato cultural e de políticas de responsabilidade social (impacto social e cultural). Esta tendência surgiu em primeira linha nas décadas de 60 e 70 do Séc. XX e com maior incidência nas empresas do ramo de seguros e banca (onde aliás ainda se encontram atualmente as grandes coleções de arte desta natureza). Algumas sociedades estrangeiras de advogados promovem a criação e desenvolvimento destas coleções há já largos anos como nos casos da Clifford Chance, Simmons and Simmons, Allen & Overy, entre outras.
A finalidade pretendida não é meramente “decorativa” dos espaços mais visíveis dos escritórios. Os estudos deste fenómeno cultural vão no sentido de estarmos perante um tipo de colecionismo (ou de dinamização de coleções de terceiros) que estará entre uma coleção de pendor museológico e uma coleção estritamente privada.
A minha anterior experiência de oito anos como Diretora Geral da Fundação PLMJ (pioneira em Portugal neste tipo de colecionismo cultural) levou-me a constatar que os estudos e teorias sobre estas corporate art collections fazem muito sentido. E como advogada fico feliz ao ver sociedades de advogados portuguesas cada vez mais adeptas desta forma de responsabilidade social e cultural.
A minha anterior experiência de oito anos como Diretora Geral da Fundação PLMJ (pioneira em Portugal neste tipo de colecionismo cultural) levou-me a constatar que os estudos e teorias sobre estas corporate art collections fazem muito sentido”.
Esta tendência pode ser explicada pelo facto do perfil do advogado ter mudado na última década? Menos fechado na área jurídica?
Em parte, sim e, também em parte, ainda bem. Mas assenta também no fenómeno das corporate art collections que referi.
Considero que o advogado, numa dada perspetiva e em dados momentos, tem mesmo que se fechar na área jurídica, sem prejuízo de dever ser hábil e intelectualmente ambicioso, curioso e com animus para procurar outros interesses. A história da advocacia revela que, por regra, o advogado é culto. Não tende a ser um tecnocrata e sente uma pulsão muito forte para interagir com outros saberes. Para mim, este é o advogado de excelência, o estudioso da Ciência do Direito e defensor cuidadoso dos interesses do seu cliente, mas que também se envolve nos movimentos inovadores de tudo aquilo que o rodeia.
O mundo da advocacia está a olhar cada vez mais para áreas da responsabilidade social, do ESG e economia social, áreas em que tem mais de uma década de experiência. Mudou muita coisa em 10 anos?
Não é só o mundo da advocacia. Veja o mundo empresarial ou financeiro. A ideia de que todos têm que contribuir para o bem comum é um imperativo. Na economia social (que inclui fundações, associações, misericórdias, algumas cooperativas, etc. sem fins lucrativos) teve muitas mudanças nos últimos anos. Houve uma evolução legislativa mais sistematizada e adequada ao quotidiano destas entidades (veja-se o regime das fundações de 2012 e suas subsequentes alterações, o regime da utilidade pública das entidades sem fins lucrativos, a Lei de Bases da Economia Social, etc…). Os critérios de transparência ético-social destas entidades (maior divulgação de informação obrigatória sobre as atividades, subsídios recebidos, documentação contabilística e financeira, etc…) também mudaram e para melhor. A criação da Conta Satélite da Economia Social, bem como algumas entidades congregadoras de interesses gerais destas entidades (como é o caso do Observatório da Economia Social) são igualmente um ponto a salientar.
A responsabilidade social e as novéis práticas de ESG nas organizações com fins lucrativos mudaram de forma mais galopante do que a Economia Social em si. Em 10 anos, as empresas tornaram-se mais sofisticadas e organizadas na conceptualização das suas políticas de impacto social, abrindo espaço para o exercício dessa responsabilidade a áreas como a Cultura. Há também uma preocupação mais acentuada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos em 2015, no âmbito da Agenda 2030 da ONU. A mudança está a acontecer.
Por fim e falando em concreto da advocacia: continuo a defender que a responsabilidade social mais genuína do advogado, consubstancia-se na assistência jurídica pro bono a pessoas ou entidades elegíveis.
O que a levou a sair da PLMJ?
Advoguei mais de 22 anos na PLMJ. Iniciei em 1998 e sai no final de 2020. Houve uma mudança de paradigma na PLMJ, mas creio que, acima de tudo, senti uma necessidade de eu própria criar o meu paradigma. A PLMJ, onde iniciei o meu estágio profissional e onde advoguei por tantos anos foi uma “casa profissional” que me ofereceu, em particular, conhecimento, resiliência e amizades. Os nossos paradigmas deixaram de estar sintonizados e, neste momento, estou extremamente interessada e motivada com este meu projeto de “advogar a solo”, sempre com as necessárias, saudáveis e responsáveis parcerias com outros colegas de profissão. Agora é este e só este o cenário que me traz realização e contentamento profissional.
Recentemente foi aprovado o Estatuto dos Profissionais da Cultura? Como avalia este diploma?
Este regime laboral e da segurança social especificamente aplicável aos profissionais da Cultura (a título de contrato dependente e independente) tem o seu lado inovador. É o primeiro diploma legal nacional a sistematizar um regime laboral e de segurança social tão abrangente. É o início de um caminho, mas que me parece ainda necessitar de ajustes e adaptações à realidade do quotidiano dos diversos profissionais da cultura. Parece inculcar numa premissa (menos correta) de contratação destes profissionais por parte de entidades do Estado, o que poderá não contribuir para a sua melhor aplicação. O problema da precariedade destes profissionais também não estará suficientemente acautelado. A parte preambular do diploma prevê uma finalidade principal na criação de condições para o desenvolvimento de um setor cultural dinâmico e equilibrado, que fomente a inovação e criatividade artística. Os profissionais culturais reclamam a ausência de matéria prima legislativa que concretize este desiderato. É um regime com vigência muito recente (início de janeiro de 2022) e que estabelece um regime de reavaliação legislativa nos próximos dois anos. Oxalá os próximos dois anos sejam elucidativos para uma reavaliação legislativa consciente e mais coerente e adequada ao estatuto destes profissionais.
Se fosse a próxima ministra da Cultura, que três prioridades colocaria na agenda?
Não está no meu horizonte sê-lo, mas posso fazer sugestões a quem venha a ter essa função. Valeria a pena aperfeiçoar o regime do mecenato cultural, com o objetivo de propiciar melhores condições para a criação artística e para os agentes culturais. Outra prioridade seria prosseguir com medidas de maior democratização e descentralização geográfica no acesso e usufruto da Cultura. Como terceira medida importante, conferir real autonomia financeira e administrativa aos Museus públicos.
É o início de um caminho, mas que me parece ainda necessitar de ajustes e adaptações à realidade do quotidiano dos diversos profissionais da cultura. Parece inculcar numa premissa (menos correta) de contratação destes profissionais por parte de entidades do Estado, o que poderá não contribuir para a sua melhor aplicação”
Para além do exercício da advocacia, envolve-se em projetos de natureza cultural, a título pessoal?
Sim, na medida do tempo possível e daquilo que me é deontologicamente permitido, estou envolvida nalguns projetos culturais. O mais recente é o da docência de curso de Mercados da Arte na Escola de arte A Base. Tenho a coordenação institucional da feira de arte Drawing Room. Sou responsável pela coordenação de projeto cultural coletivo de fundações da cultura do CPF – Centro Português de Fundações e sou membro do Conselho Estratégico do GAMNAA (grupo de amigos do Museu Nacional de Arte Antiga).
Uma outra área em que pretende oferecer serviços é no Direito da Saúde. Que necessidades identificou no mercado para incluir esta área nos seus serviços jurídicos?
A minha intervenção nesta área, por ora, centra-se muito no apoio a doentes (com doenças crónicas ou graves) ou familiares de doentes que necessitem de aconselhamento jurídico quanto aos seus direitos especiais. Preocupa-me a fragilidade emocional em que se encontram muitos destes doentes e seus familiares e o desenvolvimento de projetos de “clínicas jurídicas” que lhes proporcionem adequado apoio jurídico é algo que me parece premente e que deverá ser assegurado.
Para além destas duas áreas, que mais valia diferenciada pode oferecer aos seus clientes?
A minha experiência nas áreas do Direito Societário, Direito Comercial, Direito Civil e Fusões e Aquisições (M&A). Durante largos anos coordenei e participei em operações de M&A (com clientes nacionais e estrangeiros e de diversos setores), muitas delas exigindo a conceptualização de equipas multidisciplinares de Advogados (em particular, no exercício de Due Diligences, compostas, muitas vezes, por mais de 15 advogados), o que me conferiu uma especial e qualitativa experiência na gestão de equipas altamente especializadas.
Saliento também o envolvimento em temas de Direito Imobiliário, Direito da Comunicação Social, Filantropia e Private Clients e Economia Social. Envolvimento nas políticas de impacto social e ESG, em virtude da experiência decorrente da minha intervenção na equipa de Impacto Social da PLMJ
Nota: O ECO/Advocatus agradece ao Museu Nacional de Arte Antiga a cedência para a realização das fotografias, realizadas na Exposição da Coleção Permanente do museu.
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Patrícia Dias Mendes: “Governo deveria aperfeiçoar o regime do mecenato cultural”
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