Política fiscal para um home (sweet) office

  • Ana Carvalho
  • 31 Março 2022

Portugal tem a oportunidade de tomar a dianteira neste que acreditamos ser um processo transformador da vida das empresas, da economia e da organização do trabalho.

O trabalho através de home office não é uma realidade nova. No entanto, a pandemia acabou por lhe dar um impulso definitivo, proliferando, hoje em dia, novos modelos de trabalho “fully remote” ou em regime híbrido, com maior ou menor amplitude.

Estes modelos, quando o trabalhador se fixe em jurisdição diferente da do empregador, dependendo das circunstâncias de cada caso, podem determinar a criação, para este último, de uma presença tributária naquela jurisdição, vulgo um estabelecimento estável (EE), circunstância que é suscetível de atrair consequências fiscais relevantes. Efetivamente, sempre que uma entidade não residente disponha de EE num outro Estado, poderá ter de alocar a essa presença e, por conseguinte, sujeitar a tributação nesse Estado, parte dos seus lucros.

O problema tem-se colocado tanto para empresas residentes em Portugal (especialmente no setor tecnológico), como para empresas não residentes, que procuram corresponder aos apelos de flexibilidade de atuais e potenciais trabalhadores. Seja pelo risco de se poder considerar que a habitação do trabalhador remoto se encontra à disposição do empregador (EE real), seja pela eventualidade de se considerar que o trabalhador é, ele próprio, por força das suas funções (maxime se este puder vincular a empresa), um seu agente dependente (EE pessoal), impõe-se a adoção de orientações que proporcionem níveis de certeza jurídica compagináveis com a relevância social crescente do trabalho remoto.

Centrando a discussão no risco de o home office poder gerar um EE real, propõem-se as seguintes soluções:

  1. Adoção de um critério temporal preciso que concretize o requisito de “permanência” necessário para que o home office possa ser considerado uma instalação fixa (por exemplo, 183 dias num período de 12 meses, seguindo a referência já hoje proporcionada no Código do IRC para a identificação de um EE no caso de prestação de serviços por uma entidade não residente, através dos seus empregados ou outras pessoas contratadas para exercerem essas atividades em Portugal);
  2. Excedido aquele período, um home office não deverá, no entanto, dar lugar a um EE real sempre que o empregador (a) não disponibilize, ele próprio, o home office em Portugal ou suporte o respetivo custo e (b) não imponha o exercício de funções através de home office, sendo o trabalho aí exercido por vontade do trabalhador. Assim, sempre que o trabalhador tenha à sua disposição um escritório corporativo em qualquer outra jurisdição, não deveria considerar-se que um home office gera um EE real. Cfr. neste sentido, o exemplo do trabalhador transfronteiriço que desenvolve a maior parte da sua atividade a partir de casa (Comentários ao artigo 5.º da Convenção Modelo OCDE, §19);
  3. Clarificação de que a realização de atividades de caráter preparatório ou auxiliar (v.g. realização de ações publicitárias junto de potenciais clientes ou estudos de mercado para a empresa) em ambiente de home office exclui a aplicação do conceito de EE.

Sem prejuízo da harmonização dos critérios reguladores destas matérias no contexto mais alargado da OCDE, harmonização essa já exigida pelas principais associações empresariais alemãs (consulte aqui a missiva), Portugal tem a oportunidade de tomar a dianteira neste que acreditamos ser um processo transformador da vida das empresas, da economia e da organização do trabalho, consolidando-se como jurisdição de excelência para a atração (e retenção) de talento e de trabalhadores de valor acrescentado.

  • Ana Carvalho
  • Associada sénior da DLA Piper ABBC

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