Ameaça nuclear de Putin gera corrida ao iodo na Europa. Já há ruturas de stock em Portugal
Comprimidos de iodeto de potássio "voam" das prateleiras na Europa central, um medicamento que se acredita proteger a tiroide em caso de incidente nuclear. Ruturas de stock já chegam a Portugal.
A ameaça nuclear de Vladimir Putin fez disparar a procura por comprimidos de iodeto de potássio na Europa, um suplemento que se acredita proteger a tiroide em situações de desastre nuclear e que terá sido usado após o acidente de Chernobyl, em 1986. A imprensa internacional dá conta deste fenómeno na Europa central, e ainda que a automedicação seja fortemente desaconselhada pelas autoridades de saúde, o ECO sabe que já existem ruturas de stock também em Portugal.
“Comentários nucleares de Putin geram corrida ao iodeto na Europa Central”, noticiou a Reuters esta quarta-feira. “Guerra na Ucrânia: Farmácias europeias enfrentam disparo na procura por comprimidos de iodeto depois das ameaças nucleares de Putin”, escreve a Euronews.
“Nos últimos seis dias, as farmácias búlgaras venderam tanto [iodeto] quanto [costumam] vender num ano”, disse o presidente da União das Farmácias da Bulgária, Nikolay Kostov, citado pela Reuters. Há registo de escassez noutros países, como a Polónia.
Porém, o fenómeno não se resume à Europa central. O “corrida” ao iodo, que pode ser comparada à corrida às máscaras que se desencadeou em 2020 após o surgimento da Covid, também já chegou a Portugal.
O ECO conhece o caso de uma farmácia portuguesa online que comercializa um suplemento de 180 comprimidos de iodeto de potássio e que, subitamente, deixou de ser capaz de processar o volume de encomendas: “Informamos que o produto que encomendou sofreu uma rutura de stock inesperada, pelo que estamos a aguardar o mesmo por parte do laboratório”, respondeu a empresa a um cliente. A farmácia em questão disse ainda esperar ter condições para remeter a encomenda até ao final da semana, “salvo algum imprevisto”, ressalvou.
Com o estatuto de medicamento essencial pela Organização Mundial da Saúde, estudos sugerem que o iodeto de potássio previne a acumulação de iodo-131 na tiroide, um isótopo radioativo que pode ser libertado, por exemplo, após a detonação de uma bomba nuclear.
Médicos alertam contra automedicação
De acordo com o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, “se iodo radioativo for libertado para o ar depois de um evento radiológico ou nuclear, pode ser respirado e chegar aos pulmões”. “Na maioria dos casos, depois de o iodo ter entrado no corpo, a glândula da tiroide absorve-o rapidamente”, levando a danos corporais e alterações químicas no organismo que, em casos extremos, podem resultar em cancros no curto, médio ou longo prazo.
Ora, como a tiroide “não é capaz de distinguir entre o iodo estável e radioativo”, o suplemento “bloqueia o iodo radioativo”, impedindo-o de ser absorvido pela tiroide, explica o CDC.
Contudo, não é recomendada a toma de medicamentos sem indicação médica. O CDC sublinha que em caso de desastre nuclear nos EUA, “as autoridades públicas locais e de saúde dirão ao público se é necessário tomar iodeto de potássio ou outras ações protetoras”. “Neste momento, o CDC não recomenda que as pessoas nos EUA tomem iodeto de potássio ou outros suplementos de iodo em resposta às explosões na central nuclear no Japão”, lia-se na mensagem divulgada em 2011, por ocasião do acidente na central de Fukushima.
Importa ainda relevar que o iodeto de potássio não tem qualquer efeito protetor face a outros elementos radioativos libertados em desastres nucleares, entre os quais o urânio-235, plutónio-239, césio-137 ou estrôncio-89. Além disso, existem pelo menos quatro tipos diferentes de radiação nuclear, desde as partículas alpha e beta aos neutrões, passando pela radiação eletromagnética gamma. Cada uma tem diferentes propriedades e graus de dano que podem provocar ao corpo humano.
Outro aspeto a ter em conta é que a toma de iodeto de potássio pode resultar em efeitos secundários e gerar outros problemas de saúde, pelo que é importante o aconselhamento de um profissional de saúde.
Ataque nuclear é mesmo possível?
Vladimir Putin, que ordenou a invasão russa à Ucrânia há quase uma semana, já fez pelo menos duas declarações interpretadas pelo Ocidente como ameaças nucleares. Uma das últimas foi colocar as forças nucleares russas em estado de alerta, um dos passos prévios ao acionamento de uma arma nuclear.
Contudo, à luz da informação atualmente disponível, ainda que não seja impossível, parece improvável que a situação na Ucrânia resulte num ataque nuclear. Mais não seja porque a decisão do Kremlin de acionar as forças nucleares russas não teve respaldo nos EUA, a segunda maior potência nuclear do mundo, que decidiu não acionar as suas próprias forças para evitar uma escalada desnecessária, noticiou o The New York Times esta semana.
O próprio Presidente dos EUA também já reiterou publicamente que os cidadãos não devem temer um ataque nuclear, quando questionado por jornalistas nesse sentido. Acredita-se que um qualquer ataque nuclear russo seria imediatamente retaliado por uma das três potências nucleares da aliança NATO, e vice-versa, um equilíbrio conhecido pela sigla MAD — que significa, em inglês, mutual assured destruction.
No entanto, o certo é que a pandemia deixou muitos cidadãos em estado de alerta máximo, depois das notícias em 2020 de escassez de produtos como máscaras, álcool-gel ou mesmo papel higiénico. As alterações nos hábitos de consumo podem ajudar a explicar esta aparente “paranoia”. No Twitter, o gestor Sony Kapoor ficou viral depois de revelar que o jardim-de-infância dos filhos solicitou autorização para dar iodeto de potássio às crianças em caso de ataque nuclear.
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