“Não podemos ter o Conselho de Ministros a fechar o OE a 48 ou 72 horas do prazo”, diz coordenador da UTAO
O coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental critica as decisões até à última hora sobre o OE e quer que o Governo fixe uma data-limite para concluir o documento face à entrega no Parlamento.
O coordenador da UTAO diz que a aprovação do Orçamento se tornou uma espécie de acordo político de incidência governamental, com decisões até à última hora, defendendo um modelo em que a primeira fase fique fechada até à primavera.
“Transformámos a aprovação da lei que aprova os tetos de despesa e os parâmetros da receita numa espécie de acordo político de incidência governamental. Vamos lá meter medidas que são medidas preferidas não para o Orçamento [do Estado – OE], mas para efeitos de política setorial”, afirma Rui Nuno Baleiras, em entrevista à Lusa.
O coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que entregou recentemente um relatório no Parlamento, no qual faz uma série de sugestões sobre o processo legislativo orçamental, quer que o Governo fixe uma data-limite com relativa antecedência – apontando para cerca de 10 a 15 dias – face à entrega na Assembleia da República para o Governo concluir o documento.
“Não podemos ter o Conselho de Ministros a fechar uma proposta de lei a 48 ou 72 horas antes do prazo limite para entregar o documento na Assembleia da República. Infelizmente é a prática de décadas”, disse, acrescentando que tal tornaria “claro também para todos os ministros no governo que há uma data-limite para fechar as decisões políticas. Depois dessa data, está fechado. São só os técnicos a trabalhar”.
O coordenador da UTAO propõe que o processo orçamental se passe a dividir em duas etapas, estipulando a negociação de medidas de política entre o Governo e os partidos políticos até à primavera. “Ficando consagrado em lei que o processo legislativo orçamental tem duas fases, uma na primavera e outra no outono, naturalmente os partidos adaptam o seu comportamento a isso”, disse.
Questionado sobre se existirá disponibilidade política para acolher a sugestão, defende que “o papel do Parlamento, enquanto entidade que fiscaliza a política orçamental e ao mesmo tempo deve contribuir para a produção das leis orçamentais anuais, resulta dignificado se dermos mais tempo para que as propostas, as medidas de política que todos os partidos na Assembleia da República representados possam ser feitas, trabalhadas tecnicamente”.
Rui Nuno Baleiras alerta ainda para as dificuldades provocadas pelo modelo de discussão das propostas de alteração. “A situação de partida que temos é uma em que as propostas de alteração são apresentadas seis a sete dias antes de começarem a ser votadas. Portanto, aquilo é tudo feito em cima do joelho. Não há tempo para o amadurecimento sobre a exequibilidade técnica, financeira e até política das medidas”, justifica.
Questionado sobre se tal leva a que muitas vezes os partidos a determinada altura desconheçam o que estão a votar, diz que “absolutamente”. “São vários os deputados que informalmente me dizem isso mesmo. É elaborado um guião de votações pelos serviços, mas a confusão é imensa. Basta dizer que da última vez que o Orçamento do Estado chegou à fase de votação na especialidade – essa votação decorre em cinco dias – para apreciação e votar 1.828 peças legislativas”, exemplifica, sublinhando ser “fácil de perceber por esta contabilidade a pouca racionalidade que o processo tem”.
Para Rui Nuno Baleiras é ainda imperativo limitar o uso dos chamados cavaleiros orçamentais, ainda que mostre pouca expectativa de que tal aconteça.“Quando se quer alterar determinadas normas numa legislação que nada ou muito pouco tem a ver com o Orçamento do Estado é uma forma de passar essa alteração despercebida, porque vem misturada no tal diploma com 260 e tal artigos, durante uma época em que todo o foco mediático e a atenção política está noutras matérias”, explicou, acrescentando que “até dentro dos governos interessa a determinados ministros fazer passar alterações” através destes formatos.
“A mesma motivação acontece quando os cavaleiros são introduzidos no Parlamento. Aí até acredito que seja mais em casos de Parlamento fragmentado e não haja maioria absoluta porque são medidas que os partidos que não os que apoiam o governo diretamente querem que sejam acolhidas como contrapartidas ao seu voto favorável do Orçamento do Estado. O que mostra de facto o absurdo a que chegou o processo orçamental”, acrescentou.
O coordenador da unidade apela para que as alterações sejam feitas perante o atual quadro político. “Se não é numa legislatura com maioria absoluta, com estabilidade política que nós cuidamos de minimizar, de evitar os problemas que a fragmentação partidária causa no processo orçamental, será quando? É quando a casa estiver a arder? Não, temos de prevenir o incêndio antes dele deflagrar”, sublinhou.
Disponibilidade de informação pelas Finanças piorou nos últimos dois anos
O coordenador da UTAO, Rui Nuno Baleiras, crítica ainda a falta de disponibilização de informação pelo Ministério das Finanças, situação que diz ter piorado nos dois últimos anos, defendendo um novo desenho institucional da unidade, que permita ultrapassar este impedimento.
“Existe uma norma legal que na letra da lei garante o dever de colaboração de todos os serviços dependente do Ministério das Finanças para prestar informação solicitada à UTAO – informação não pública obviamente -, mas o cumprimento da mesma tem dias”, disse Rui Nuno Baleiras, em entrevista à Lusa.
O responsável da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) recorda que as “dificuldades no acesso à informação” têm sido assinaladas em diversos relatórios, justificando: “A informação que existe está disponível no tempo em que necessitamos de ter acesso a ela e não nos é entregue”. “Isto é uma situação que vem piorando ao longo pelo menos dos últimos dois anos”, afirma o coordenador dos técnicos que dão apoio aos deputados da Comissão de Orçamento e Finanças.
Política orçamental deve responder à crise para evitar espiral de inflação
O conflito na Ucrânia vai obrigar a uma resposta concertada entre política orçamental e monetária, para evitar uma espiral de inflação nos preços e nos salários, defende o coordenador da UTAO.
Vamos precisar na União Europeia, em particular na área do euro, muito de uma coordenação inteligente entre política orçamental e política monetária”, disse, sublinhando que a inflação a que se assiste “não é o tipo de inflação para o qual os instrumentos de política monetária estão naturalmente concebidos para atuarem como efeito de estabilização, porque são choques do lado da oferta”.
Ainda que admita que existe algum efeito inflacionista do lado da procura, devido nomeadamente aos planos de recuperação e resiliência, com um aumento da despesa em todos os Estados-membros, considera que “a forma mais eficaz de amortecedor os efeitos de ricochete na economia é mitigando temporariamente as perdas de poder de compra que a subida dos preços tem e isso tem uma despesa orçamental”.
Rui Nuno Baleiras antecipa que o Banco Central Europeu (BCE) provavelmente não poderá iniciar uma subida de taxas de juro, que até há poucos meses planeava fazer, deixando desta forma que seja a política orçamental através de um amortecimento do poder de compra das famílias a impedir que a subida de preços se transmita à subida de salários. “Se conseguirmos desta forma evitar a espiral que todos os banqueiros centrais receiam como o maior pesadelo, que é a espiral de inflação nos preços e nos salários, então talvez se consiga até ao fim do ano uma solução equilibrada, em que não temos uma explosão salarial”, afirma.
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