Ana Abrunhosa segura a Coesão e ganha autarquias no novo Governo
Ana Abrunhosa fica com um dossier que estava até agora nas mãos de Alexandra Leitão e terá de levar a cabo o processo de descentralização de competências.
Ser responsável pela gestão de milhões de euros não é novidade para Ana Abrunhosa, nem tão pouco defender os interesses das autarquias. A renomeada ministra da Coesão vai continuar a gerir uma fatia dos fundos europeus, os programas regionais, mas ganha uma competência: a Administração Local e o Ordenamento do Território.
Com a nova orgânica do Governo, que terá 17 ministros e 38 secretários de Estado (menos 20% do que no Executivo anterior), Ana Abrunhosa fica com um dossier que estava até agora nas mãos de Alexandra Leitão e terá de levar a cabo o processo de descentralização de competências. O tiro de partida foi dado há muito, mas está longe de ser uma corrida em velocidade cruzeiro.
Apenas 28% dos municípios aceitaram em 2021 as competências na área da Saúde e 42% na área da Educação, domínios que, de acordo com os prazos previstos, devem estar descentralizados obrigatoriamente a partir do final deste mês e o Executivo já garantiu que não pretende adiar prazos. Já ao nível da ação social, ainda está a decorrer o prazo para que os municípios se pronunciem sobre os valores a que aceitam ver transferida esta competência. E são precisamente os valores que levam muitos autarcas a não assumir responsabilidades acrescidas.
A proposta de Orçamento do Estado para 2022, que acabou chumbada e determinou a convocação de eleições antecipadas a 30 de janeiro, previa um Fundo de Financiamento da Descentralização de 832 milhões de euros relativamente à transferência de competências a partir de abril do próximo ano. Mas, apesar do chumbo do Orçamento, a ministra Alexandra Leitão garantiu que as verbas seriam transferidas para os municípios.
Ana Abrunhosa assume-se como regionalista e lamenta que a regionalização não faça parte do programa do Governo. Na Assembleia da República admitiu que um dos objetivos é reforçar as estratégias regionais, “aumentar o peso das regiões e dos municípios e aumentar a autonomia, mesmo na gestão dos fundos comunitários”. E já lançou o caminho para isso ao inscrever no Acordo de Parceria do Portugal 2030 que as freguesias possam ter, pela primeira vez, acesso direto aos fundos, tal como o ECO avançou. No mês passado, já dando uma pista sobre o futuro, garantia que coesão territorial e interior “estarão na agenda do próximo Governo”, até porque os resultados do último Censos denunciam o agravar do despovoamento do interior.
Os fundos europeus vão desempenhar um papel determinante para ajudar a inverter esta tendência de desertificação. A demografia e a inclusão, seguida da inovação e da transição digital, são os dois programas operacionais (PO) que mais verbas vão receber do Portugal 2030, de acordo com a apresentação que o Executivo fez do próximo quadro comunitário de apoio. Neste capítulo, caberá a Ana Abrunhosa continuar a acompanhar a gestão dos Programas Operacionais Regionais do continente, como até aqui, mas em também do PO Cooperação, que tem um conjunto de programas, que estão ainda a ser desenhados e negociados, em parceria com outros Estados-membros, nas vertentes transfronteiriça, transnacional e regiões ultraperiféricas e inter-regional.
A coordenação política dos fundos, que até aqui estava nas mãos do ministro do Planeamento, Nelson de Souza, passa para Mariana Vieira da Silva, e por isso haverá necessidade de “articular muito trabalho” entre os dois ministérios, até porque Portugal ainda está a negociar com Bruxelas o Portugal 2030. A nova ministra da Presidência terá de terminar de executar (e encerrar) o Portugal 2020; pôr no terreno a totalidades dos projetos e reformas do Plano de Recuperação e Resiliência e terminar as negociações com Bruxelas do novo quadro comunitário de apoio, o Portugal 2030, e depois operacionalizá-lo. Em causa estão 16,6 mil milhões do PRR, mais 22,99 mil milhões de euros do Portugal 2030 e o que restar do Portugal 2020. De acordo com os últimos dados (janeiro), foram executados 19,1 mil milhões de euros, ou seja, 71% do valor dos fundos programados. Mas o final de 2023 é o prazo limite para usar a totalidade dos 26,9 mil milhões de euros.
A tarefa sempre foi apontada como difícil e os alertas para Portugal não desperdiçar verbas são recorrentes nas intervenções públicas do Presidente da República, do governador do Banco de Portugal, dos parceiros sociais, das empresas, dos partidos, etc, etc. Mas com a instabilidade introduzida pela guerra na Ucrânia, a inflação, a inversão da política monetária e a pandemia, cuja evolução ninguém consegue prever, tornam o processo ainda mais desafiante. E já se fala na necessidade de rever prazos e projetos.
Talvez por isso e para assegurar ao máximo a coordenação de esforços, António Costa decidiu que os ministérios com “responsabilidade direta na execução do PRR serão os primeiros a concentrar-se (até ao final do ano 2022) na atual sede da Caixa Geral de Depósitos, sob coordenação da Presidência do Conselho de Ministros”.
Será também com as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), que estão sob a sua alçada, que terá de se coordenar para garantir uma boa execução dos fundos. A tarefa até se poderia considerar facilitada pelo facto de a própria ter sido presidente da CCDR Centro e por ter um conhecimento de proximidade das várias regiões do país. Percorrer o país de lés-a-lés é já uma imagem de marca. A cada quinzena faz cerca de dez mil quilómetros a calcorrear o interior do país, contou ao Expresso, num artigo intimista onde falou das suas origens angolanas e o passado na aldeia de Vale do Porco, na Guarda.
Quem a conhece sabe que a mestre em Economia não se deixa intimidar pela dimensão das tarefas. Arregaçar as mangas e atirar-se ao trabalho é o seu estilo. A forma como lidou com a reconstrução das casas destruídas pelos incêndios de 2017 foi talvez a prova mais visível da sua capacidade de trabalho e dedicação. Há quem diga que foi esse o seu bilhete de entrada no Executivo de António Costa, em 2019, a quem conquistou a confiança.
A então presidente da CCDR Centro ficou com um novo ministério – criado à sua medida, dizem, mas que conseguiu manter e reforçar – que tinha como principal objetivo promover a coesão e valorizar o interior. Temas que sempre lhe foram caros e que até lhe trouxeram dissabores. Mas também teve de lutar por ele, porque recusou ser “uma figura de cena” e exigiu ficar com a tutela dos programas operacionais regionais, subtraídos à pasta do colega do Planeamento, Nelson de Souza, que não transitou para o novo Governo.
Logo no início do mandato foi obrigada a gerir a polémica criada por um artigo de opinião no Público, que escreveu pouco antes de assumir funções (9 de setembro de 2019), onde defendia que há partes do interior onde é necessário “gerir o declínio” e “assumir que há partes do território onde não vai ser possível recuperar população e atividade económica”.
Já mais recentemente, nas comemorações dos 20 anos da classificação do Douro como Património Mundial da Unesco, Ana Abrunhosa disse pertencer a um dos governos “mais centralistas que o país já teve”. Teve de se retratar, reconhecendo que foram “declarações infelizes e injustas para com o Governo” e que refletiram “uma profunda frustração pelo facto de, neste Governo, não ter conseguido fazer mais e melhor num contexto de pandemia”.
O deslize não beliscou as suas hipóteses no novo Governo, nem a falta de muitos resultados práticos do seu Ministério, sempre dependente de outros para levar a cabo as medidas mais emblemáticas. No seio do PS, nem toda a gente compreende a razão pela qual António Costa escolheu alguém que também foi opção de Pedro Passos Coelho, nomeadamente para liderar a CCDR Centro em 2014. A sua “preferência” pelo PSD também foi amplamente explorada na campanha para as legislativas de 2019, quando foi fotografada na Festa do Pontal, no Algarve.
A própria reconhece que estranhou a escolha de António Costa: “Eu nem sequer sou da cor política… não tenho essas afiliações”, disse em declarações ao Dinheiro Vivo. Mas, a verdade é que deu a cara pelo primeiro-ministro mesmo quando as coisas não corriam de feição. “Demasiado teimosa para desistir”, reconhece.
Dos incêndios de Pedrógão conseguiu escapar sem ser manchada pela conduta do autarca Valdemar Alves, condenado a sete anos de prisão, ou pelas auditorias do Tribunal de Contas. Saiu ilesa dos crimes de difamação e calúnia do anterior presidente da CCDR Centro Pedro Saraiva, dos quais foi absolvida, juntamente com o ex-marido. E até do presente de casamento envenenado que o presidente da Câmara de Idanha-a-Nova, Armindo Jacinto, lhe ofereceu: dois quadros de uma artista da região que foram “subtraídos” do atelier da mesma. O episódio ficou sanado com a devolução dos mesmos.
Ana Abrunhosa gosta de personalizar as coisas e no Governo nem todos apreciavam a fulanização. A forma como sempre abordou a questão da redução das portagens nas antigas Scuts é um bom exemplo. Também por isso foi responsabilizada, meses a fio, no Parlamento pelos atrasos na implementação da medida. “Como ministra da Coesão Territorial gostaria muito que rapidamente as portagens desaparecessem deste território”, disse. “A ministra só se sentirá confortável quando as portagens das ex-Scut forem abolidas”, afirmou também.
Polémicas à parte, Ana Abrunhosa parte para este segundo mandato com um conhecimento profundo dos dossiers e com a energia de sempre para os trabalhar. Uma energia que António Costa reconhece e aposta.
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