Os desafios do mercado das apostas desportivas
Não há como esconder que as apostas desportivas fazem parte do dia-a-dia dos portugueses e são vistas como uma forma de acrescentar um rendimento aos muitas vezes carecidos orçamentos familiares.
Desde a entrada em vigor do Decreto-Lei 66/2015 (RJO), que veio dar resposta – na nossa óptica, tardiamente – à cada vez maior popularidade dos jogos de fortuna ou azar e às apostas desportivas online, que Portugal tem assistido a uma febre de apostas desportivas, quer as que são feitas à distância de um clique quer as de base territorial.
Nessa altura, o velhinho Totobola – que fez no ano passado 60 anos – já há muito tinha sido substituído pelos sítios da rede global em que no conforto de suas casas os apostadores celebravam contratos de aposta com entidades que operavam na ilegalidade ou, pelo menos, na zona cinzenta que o vazio legal de certa forma confortava.
A política pública desta área pretendia (1) trazer para a legalidade operadores e jogadores que jogavam no mercado ilegal sem qualquer proteção, (2) assegurar o são funcionamento do mercado, (3) estimular a cidadania e o jogo responsável e (4) reforçar o combate à economia informal.
Os objectivos estatuídos do RJO incluem: (1) proteção dos menores e das pessoas mais vulneráveis, (2) evitar a fraude e o branqueamento de capitais, (4) prevenir comportamentos criminosos em matéria de jogo online e (5) salvaguardar a integridade do desporto, prevenindo e combatendo a viciação de apostas e de resultados.
A forma jurídica encontrada para o enquadramento da actividade foi a da licença administrativa, prima facie por imperativos europeus, mas também com o objectivo de conferir competitividade ao mercado, reduzindo a prática ilícita do jogo online.
Actualmente, estão licenciadas onze entidades para a exploração de apostas desportivas à cota, ou seja, aquelas em que o jogador joga contra a entidade exploradora, podendo as licenças ser atribuídas a todas as entidades que preencham “estritos requisitos de idoneidade e de capacidade económica e financeira e técnica.”
Não podendo falar-se num mercado nacional consolidado, a verdade é que os actuais players continuam a deparar-se com a concorrência desleal das casas de apostas ilegais, não obstante os esforços desenvolvidos na sua detecção. Este trabalho, levado a cabo pelas próprias exploradoras, é acompanhado pelo Serviço de Regulação de Inspecção, órgão que prossegue as funções de controlo, inspeção e regulação da exploração e prática de jogos de fortuna ou azar de base territorial e, entre outras modalidades de jogos, as apostas desportivas à cota online. Segundo dados desta entidade, só no terceiro trimestre de 2021 houve 48 notificações para encerramento e 131 sítios objecto de bloqueio ISP’s.
Por outro lado, o número de jogadores autoexcluídos – mecanismo preventivo legalmente consagrado para prevenir ou remediar situações de jogo excessivo – em Portugal até ao mesmo período ultrapassava a centena de milhar, quando em Setembro de 2020 era de “apenas” de seis dezenas de milhar.
Como forma de proteger o jogo excessivo, foi aprovado, há dois anos, um Manual de Boas Práticas relativo à Publicidade aos Jogos o qual tentou dar resposta a uma actuação publicitária “agressiva” por parte das casas de apostas.
Não há como esconder que as apostas desportivas fazem parte do dia-a-dia dos portugueses e são vistas como uma forma de acrescentar um rendimento aos muitas vezes carecidos orçamentos familiares. Só que, na maioria das vezes, essa forma está vetada ao insucesso.
De igual modo, as casas de apostas desportivas tornaram-se num dos “ganha-pão” dos clubes de futebol, portugueses e europeus, sendo raros aqueles que não ostentam nas suas camisolas, com maior ou menor destaque, um logotipo de uma delas.
Mas os desafios para a indústria das casas de apostas desportivas nacionais (e internacionais) são muitos e prendem-se com questões relativas ao jogo responsável, à necessidade de um crivo cada vez maior no licenciamento, por forma a que haja integridade das apostas, bem como a integridade do desporto onde o flagelo das apostas combinadas corrompe os sonhos dos que gostam do desporto, votando muitas vezes ao abandono o lema Olímpico que o Barão de Coubertin pediu emprestado ao seu amigo e pastor dominicano Henri Didon: “Citius, Altius, Fortius” (mais rápido, mais alto, mais forte).
Bem esteve o nosso legislador quando proibiu as apostas em eventos dos escalões de formação ao contrário do que, por exemplo, acontece nos Estados Unidos da América (EUA), onde entramos agora no March Madness, torneio de basquetebol universitário que conta com 68 equipas.
A oferta de apostas desportivas nos EUA teve, em 2018, um impulso decisivo com a decisão do Supremo Tribunal tomada a favor do estado de Nova Jersey no caso Murphy vs. NCCA. A partir daí passaram a ser os estados a poder determinar a legalização das apostas desportivas. As ondas de choque fizeram-se sentir e o que era apenas exclusivo do Estado do Nevada (onde se situa a capital ocidental do jogo, Las Vegas) estendeu-se a muitos outros estados, prevendo as empresas especializadas no mercado que apenas três ficarão de fora da onda de legalização, Alaska e os dois únicos estados em que não existe ao dia de hoje jogo legal: Hawai e Utah.
No Brasil avança-se também decisivamente para a legalização de toda a actividade de jogo. Depois da proibição decretada pelo Presidente Dutra, porventura influenciado pela Dona Santinha (Carmela Dutra, sua mulher), e após 31 anos a percorrer os corredores da Câmara dos Deputados, o texto-base do Projecto-Lei 442/91 foi aprovado com 246 votos a favor e 202 contra no passado mês de Fevereiro.
Nesta altura em discussão no Senado e já com a certeza de que o Presidente Bolsonaro o vetará – para segurar alguma da sua base eleitoral – os promotores do normativo pretendem legalizar todos os jogos de fortuna ou azar e as apostas desportivas no maior país da América Latina, incluindo casinos, bingos, o popular jogo do bicho e jogos online, mediante licenças com caráter permanente ou por prazo determinado. Veremos qual o desfecho até porque, numa frase muitas vezes atribuída ao ex-ministro Pedro Malan, havendo quem diga que foi primeiramente proferida pelo Presidente do Banco Central do Brasil, Gustavo Loyola: “no Brasil o futuro é duvidoso e o passado é incerto”.
A verdade é que estamos em presença de um mercado global de 131 mil milhões de dólares norte-americanos (números de 2020) que poderá crescer até aos 180 mil milhões até 2028. Os números são apenas das apostas legais, porquanto o mercado ilegal – com base de apostadores sobretudo com origem na Ásia – representará muito mais.
Não obstante uma certa hipocrisia pragmática da maioria dos Estados que – e bem – vêem na actividade um “mal menor” e, tal como assumido pelo legislador português de 1927, um “facto contra o qual nada podiam já as disposições repressivas”, a verdade é que os meios académicos, profissionais e a sociedade civil terão de ter cada vez mais consciência da importância económica das apostas desportivas, cabendo a esses mesmos Estados continuar “a controlar a difusão e a prática desregulada do fenómeno do jogo e disciplinar o modo como esse controlo deve ser feito.”
É nessa medida que, numa iniciativa pioneira e arrojada, a Faculdade de Direito de Lisboa da Universidade Católica de Lisboa lançou e vai levar a cabo um curso avançado em Apostas Desportivas, com a presença de alguns dos melhores académicos e especialista mundiais na matéria, tendo como objectivo primordial apetrechar os profissionais do direito e da indústria com as ferramentas necessárias para a sustentabilidade da indústria cuja regulação deve dar resposta aos desafios que se avizinham.
Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
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