Como Bruxelas quer reduzir dependência de terras raras e outras matérias-primas da China
- Ânia Ataíde
- 6:54
A Comissão Europeia lançou o Plano de Ação RESourceEU para acelerar o fornecimento de matérias-primas críticas ao mesmo tempo que reduz a dependência estratégica da China. O que é e o que prevê?
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O que é o Plano de Ação RESourceEU e por que surge?
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O que são as terras raras e qual é a sua importância?
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O que prevê o plano?
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Quais são as fontes de financiamento destes projetos considerados estrategicamente importantes?
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O que é o Centro Europeu de Matérias-Primas Críticas?
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Em que medida é que Portugal poderá ter um papel ativo?
Como Bruxelas quer reduzir dependência de terras raras e outras matérias-primas da China
- Ânia Ataíde
- 6:54
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O que é o Plano de Ação RESourceEU e por que surge?
As matérias-primas críticas são determinantes para diversos setores como a transição energética e tecnológica ou a defesa. Contudo, a União Europeia é extremamente dependente de importações nesta matéria, a maioria das quais provenientes de um único fornecedor, a China.
Pequim controla cerca de 90% do processamento de refinação de terras raras e o anúncio de Pequim de restrições às exportações destas matérias-primas lançou o alerta em Bruxelas sobre as potenciais consequências dessa dependência. Preocupações que são transversais ao executivo comunitário, mas também à indústria europeia, abrangendo também o setor automóvel.
“Uma coisa é certa. A tensão em torno das matérias-primas críticas veio para ficar. É por isso que precisamos de uma resposta sistémica. Essa resposta é o ReSourceEU”, defendeu na quarta-feira o vice-presidente da Comissão Europeia Stéphane Séjourné, em conferência de imprensa.
É assim que surge o Plano de Ação RESourceEU, com o objetivo de diversificar o fornecimento de matérias-primas críticas e o seu meio de financiamento concreto, monitorização do mercado e ferramentas de mitigação de riscos.
O Plano baseia-se na Lei Europeia sobre Matérias-Primas Críticas, que define metas para 2030 para a segurança do abastecimento do bloco europeu: pelo menos 10% do consumo anual de matérias-primas estratégicas extraído na UE, 40% processado, 25% reciclado e não mais de 65% de qualquer dessas matérias-primas proveniente de um único país, explica a Comissão.
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O que são as terras raras e qual é a sua importância?
As terras raras são um grupo de metais, cada um com propriedades diferentes, estratégicos pela sua aplicação nas tecnologias de transição energética e tecnológica, como baterias de lítio e diamantes sintéticos industriais, mas também para a segurança e defesa.
A China controla mais de 90% do mercado global de refinação das terras raras e tem restringido progressivamente as suas exportações, o que suscitou apreensão junto do executivo comunitário.
Em abril, Pequim impôs restrições a várias categorias de elementos de terras raras e derivados, que levaram algumas empresas europeias a interromper temporariamente as suas linhas de produção. O Governo chinês justifica estas ações com razões de segurança nacional, alegando que as terras raras têm usos civis e militares, e proíbe exportações destinadas a setores sensíveis ou a entidades sob sanção.
Apesar da suspensão parcial de certas medidas após a cimeira de novembro entre a China e os Estados Unidos, parte do regime de controlo permanece ativo e continua a afetar as cadeias de abastecimento.De acordo com um inquérito divulgado esta semana pela Câmara de Comércio da União Europeia na China, citado pela Lusa, 36% das empresas estão a considerar desenvolver capacidade de fornecimento fora da China e 32% planeiam obter inputs de outros mercados, enquanto 43% ainda não tomaram uma decisão estratégica.
O inquérito revela que a maioria já foi afetada ou espera ser afetada pelas medidas chinesas, que abrangem minerais de terras raras, tecnologias de baterias de lítio, materiais superduros e controlos extraterritoriais sobre produtos que incorporam componentes processados na China.
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O que prevê o plano?
O plano de Bruxelas centra-se em três eixos fundamentais: financiamento e “ferramentas concretas” para proteger a indústria de choques geopolíticos e de preços, promoção de projetos sobre matérias-primas críticas na Europa e noutros países e parcerias com países com objetivos semelhantes para diversificar as cadeias de abastecimento.
Para o fazer o vice-presidente da Comissão para a Prosperidade e Estratégia Industrial da Comissão, Stéphane Séjourné, defende que o executivo comunitário não está “a começar do zero”, pois tem uma “base sólida”:
- A Lei de Matérias-Primas Críticas, aprovada na legislatura anterior;
- Um nível básico de fornecimento com 60 locais de extração, processamento ou reciclagem designados como “projetos estratégicos” — 47 na Europa e 13 no exterior. Um novo conjunto de projetos será anunciado em meados de janeiro, com uma abertura de propostas a decorrer;
- Parcerias com a Ucrânia, Noruega, Austrália, Canadá e África do Sul.
O responsável do executivo comunitário assinalou que ainda falta ao bloco europeu “as ferramentas” que os “concorrentes têm para serem eficientes e rápidos”. “Muitos projetos estão atrasados de muitos contratos são perdidos devido à falta de ferramentas adequadas. Precisamos de acelerar o processo”, disse.
No global, a Comissão Europeia pretende “acelerar projetos relevantes” e “reduzir dependências estratégias” em até 50% até 2029 na cadeia de valor de baterias, terras raras e matérias-primas para a defesa. Deste modo, a Comissão quer priorizar projetos estratégicos com potencial para reduzir rapidamente as dependências europeias e passar, por exemplo, no lítio, de uma dependência de 89% para 64% até 2030.

Para atingir esse objetivo, quer mobilizar cerca de três mil milhões de euros em financiamento nos próximos 12 meses para projetos de matérias-primas críticas, bem como uma simplificação do licenciamento, “permitindo a rápida implementação dos projetos, ao mesmo tempo que respeita os padrões ambientais, sociais e de governança da UE”.
Para impulsionar a implementação do Plano de Ação RESourceEU, a Comissão, o Banco Europeu de Investimento (BEI) e os Estados-membros avançam com o apoio financeiro para dois projetos de matérias-primas que permitem responder prontamente às necessidades da UE:
- O projeto extração de molibdénio, um metal crítico utilizado na indústria aeroespacial, energia e defesa, da Greenland Resources na Gronelândia;
- O projeto de extração de lítio da Vulcan na Alemanha, para contribuir com o fornecimento de matérias-primas para baterias. O projeto garantiu 250 milhões de euros em apoio financeiro do BEI.
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Quais são as fontes de financiamento destes projetos considerados estrategicamente importantes?
A Comissão pretende mobilizar três mil milhões de euros de fundos da UE e dos próprios recursos do BEI. De acordo com os documentos de Bruxelas, neste sentido, irá desbloquear o apoio através de apoio direto através de subvenções da UE e alavancar o apoio canalizando investimentos através do:
- InvestEU: A Comissão facilitará a mobilização de até dois mil milhões de euros em investimentos na cadeia de valor das matérias-primas de referência;
- Battery Booster: Serão destinados 300 milhões de euros a projetos de matérias-primas a montante;
- Fundo de Inovação: enquanto o concurso de 2025 destinará mil milhões de euros (em 2025) ao fabrico de tecnologias limpas, o concurso de 2026 incluirá pelo menos 700 milhões de euros para matérias-primas de referência e tecnologias limpas, com foco no reforço das cadeias de abastecimento de matérias-primas de referência;
- Programa Europeu de Investimento na Defesa: financiará projetos de matérias-primas de referência na cadeia de valor das matérias-primas de defesa;
- Horizonte 2021-2027: serão mobilizados até 300 milhões de euros para apoiar o investimento em I&D;
- Projetos fora da UE: O Global Gateway apoiará projetos relevantes em países parceiros, garantindo que os fornecimentos sejam direcionados para a aquisição na UE.
No entanto, Bruxelas garante que irá definir “condições claras” e poderá recuperar fundos caso “os projetos não garantam a segurança do abastecimento”.
Insta ainda os Estados-membros e as regiões a canalizarem até mil milhões de euros do apoio da Plataforma de Tecnologias Estratégicas para a Europa (STEP) para apoiar projetos. “Obviamente, também contamos com a mobilização de fundos por parte dos países europeus – fundos de coesão, por exemplo. Enviei uma carta aos 27 ministros das Finanças para solicitar formalmente esse apoio”, revelou o vice-presidente da Comissão para a Prosperidade e Estratégia Industrial da Comissão, Stéphane Séjourné, em conferência de imprensa.
Já para apoiar projetos em países parceiros irá lançar, no âmbito do Horizonte Europa, uma parceria europeia cofinanciada, composta por Estados-membros e países terceiros, para cofinanciar projetos de investigação e inovação ao longo da cadeia de valor das matérias-primas críticas.
A Comissão avança ainda que, para estimular a inovação, vai lançar concursos específicos no âmbito do Horizonte Europa, no valor de 593 milhões de euros, para o programa de trabalho 2026-2027, com o objetivo de apoiar a otimização da utilização de recursos numa economia circular e em novos processos de produção. O Conselho Europeu de Inovação (CEI) também disponibilizará um apoio financeiro misto adicional de 50 milhões de euros, através de um desafio do Acelerador CEI, para projetos inovadores de gestão de recursos na Europa.
“A circularidade é uma componente fundamental deste plano. Mantemos os resíduos de matérias-primas críticas na Europa para criar um verdadeiro setor europeu de reciclagem. A partir da primavera de 2026, iremos implementar restrições à exportação de resíduos de ímanes permanentes, bem como medidas para manter os resíduos de alumínio dentro da Europa”, detalhou Stéphane Séjourné.
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O que é o Centro Europeu de Matérias-Primas Críticas?
No âmbito do plano, como forma de “proteger a indústria europeia de choques geopolíticos e de preços”, a Comissão Europeia vai, no início de 2026, criar um Centro Europeu de Matérias-Primas Críticas.
O objetivo passa por fornecer informações de mercado, orientar e financiar projetos estratégicos utilizando “instrumentos específicos com parceiros públicos e privados”, bem como “atuar como gestor de portfólio para cadeias de abastecimento diversificadas e resilientes, incluindo através de compras e reservas conjuntas”.
Nesta linha, com o intuito de proteger o setor da volatilidade geopolítica e de preços, ao mesmo tempo que aumenta a consciencialização sobre escassez, vai apostar numa “Plataforma de Matérias-Primas” para “facilitar os esforços das empresas para agregar a procura, adquirir conjuntamente matérias-primas estratégicas e garantir acordos de fornecimento”.
Bruxelas adianta que estão em curso contactos com os Estados-membros sobre uma abordagem coordenada da União Europeia (UE) para a formação de reservas de matérias-primas críticas, com um projeto-piloto previsto para entrar em funcionamento no início de 2026. Ao mesmo tempo, o plano prevê a “monitorização, a coordenação em situações de crise e a defesa contra interferências hostis”.
Em conferência de imprensa, o comissário para o Comércio e Segurança Económica, Maroš Šefčovi, adiantou que é sugerido a cada Estado-Membro que “nomeie um Conselheiro Nacional para a Segurança Económica” e que seja criado “um grupo consultivo de confiança composto por representantes empresariais da UE”.
A Comissão Europeia pretende ainda incentivar grandes empresas a realizar o que denomina de “testes de stress de matérias-primas críticas”, e a adotar medidas de mitigação, bem como proteger as cadeias de abastecimento europeia contra “interferências estrangeiras” através da “restrição da participação de entidades chinesas e controladas pela China no Programa de Trabalho de Matérias-Primas Críticas do Horizonte EU”, do “reforço dos controlos e definição de condições para o investimento direto estrangeiro”, e da implementação de uma “abordagem política robusta, incluindo instrumentos comerciais, para combater potenciais práticas não mercantis, por exemplo, a manipulação de preços”.
Proxima Pergunta: Em que medida é que Portugal poderá ter um papel ativo?
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Em que medida é que Portugal poderá ter um papel ativo?
Portugal tem reservas de lítio, o que coloca o país com potencial para ser um fornecedor estratégico do bloco europeu nesta matéria-prima. Contudo, os projetos para exploração não escapam incólumes a contestações.
Em março, Bruxelas identificou quatro explorações portuguesas na lista dos 47 projetos estratégicos selecionados pela Comissão Europeia para “assegurar e diversificar” o acesso às chamadas matérias-primas críticas, tendo como promotores a Savannah Resources, a Lusorecursos, a Lifthium Energy e a Somincor.