Quem é suspeito? O que está em causa? Oito perguntas e respostas sobre a investigação judicial na Madeira
- Frederico Pedreira
- 15 Fevereiro 2024
Foi a 24 de janeiro que "rebentou" mais um caso mediático na justiça portuguesa, com a detenção de dois empresários e do autarca do Funchal. Em causa suspeitas que vão da corrupção à prevaricação.
Ver Descodificador-
Quando teve início esta investigação?
-
Quem são os suspeitos?
-
O que está em causa na investigação?
-
Miguel Albuquerque não é arguido neste caso?
-
Que crimes estão em cima da mesa?
-
Quantas vezes recusou o juiz libertar os detidos?
-
Quais as medidas de coação decretadas pelo juiz de instrução?
-
Que efeitos políticos teve esta investigação?
Quem é suspeito? O que está em causa? Oito perguntas e respostas sobre a investigação judicial na Madeira
- Frederico Pedreira
- 15 Fevereiro 2024
-
Quando teve início esta investigação?
O “pontapé de saída” deste caso foi dado no dia 24 de janeiro na sequência de cerca de 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias efetuadas pela Polícia Judiciária, sobretudo na Madeira, mas também nos Açores e em várias zonas do continente. Pedro Calado, Custódio Correia e Avelino Farinha foram detidos nesse mesmo dia. A investigação começou após duas denúncias anónimas terem sido recebidas pelas autoridades judiciárias.
A detenção dos dois empresários e do autarca do Funchal surgiram na sequência de uma operação que também atingiu o presidente do Governo Regional (PSD/CDS-PP), Miguel Albuquerque, que foi constituído arguido, mas em processo separado.
As buscas na Madeira envolveram 140 inspetores e 10 especialistas de polícia científica, tendo estes viajado sozinhos para a região autónoma. Luís Neves, diretor da Polícia Judiciária, explicou que a necessidade da realização da operação foi concluída no final de setembro passado, tendo sido emitidos 107 mandados de busca a cumprir na Madeira, enquanto no continente foram cumpridos 25 mandados.
Proxima Pergunta: Quem são os suspeitos?
-
Quem são os suspeitos?
Na mira da justiça estão três principais suspeitos:
- Pedro Calado, ex-presidente da Câmara Municipal do Funchal;
- Avelino Farinha, sócio de Custódio Correia em várias empresas e líder do grupo de construção AFA;
- Custódio Correia, sócio de Avelino Farinha em várias empresas e CEO e principal acionista do grupo ligado à construção civil Socicorreia.
Proxima Pergunta: O que está em causa na investigação?
-
O que está em causa na investigação?
Os indícios apurados pelo Ministério Público concluem que se estabeleceu “ao longo do tempo” uma relação de particular proximidade e confiança, em que Pedro Calado “atou, e atua ainda” como um denominador comum aos outros suspeitos, tendo conseguido a confiança de Miguel Albuquerque e Avelino Farinha, por um lado, e agindo como intermediário, de modo a agir em função dos interesses do Grupo AFA junto do Governo Regional (mesmo que já afastado de funções no mesmo) e do Município do Funchal e, bem assim, “a fazer valer a vontade do presidente do Governo Regional da Madeira em diversas áreas dominadas por aquele grupo empresarial”.
Num segundo patamar, o DCIAP considera que as buscas se justificam no caso de José Afonso Tavares da Silva, vice-presidente da assembleia geral da Câmara do Comércio e Indústria da Madeira em representação da Sociedade de Automóveis da Madeira (SAM); António Prada, administrador do Pestana há mais de 20 anos, Susana Prada, ex-secretária Regional do Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climática; Luís Miguel Silva, adjunto do presidente do Governo Regional; e Bruno Pimenta de Freitas, diretor do Savoy – Investimentos Turísticos SA. “Um conjunto de intervenientes processuais, com intervenção direta na prática de alguns factos, relativamente aos quais não é possível, por ora, descriminar”, explica o despacho.
“Indivíduos que, por força das funções concretas que exerceram e exercem, ligadas ao Governo Regional ou a sociedades no perímetro dos grupos empresariais potencialmente beneficiários de condutas com repercussão criminal, têm acesso a documentação com potencial relevo probatório para a presente investigação”. Bem como “um vasto conjunto de entidades públicas e empresariais, em cujas instalações se prevê que exista documentação da maior relevância para a compreensão dos factos que aqui se investigam, seja por força da sua participação em processos concursais de natureza pública na qualidade de concorrentes, seja pela sua intervenção nos respetivos processos de decisão e de adjudicação”.
O Ministério Público requereu ainda que se autorizasse a realização de busca no Hotel Savoy Palace, no Funchal, sem sucesso. “Mas tal implicaria a passagem de mandado de busca em que o concreto local onde a mesma deveria ser realizada não estaria individualizado nem seria cabalmente identificável”, explicou o juiz de instrução Nuno Dias Costa.
O juiz referiu ainda que, mesmo com o que chama de “opacidade” da prova neste tipo de criminalidade, “o que conduz a dificuldades investigatórias acrescidas face a formas comuns de criminalidade”, concluiu-se que “as denúncias que deram origem à investigação têm vindo a ser corroboradas pela prova documental junta ao processo”, diz no despacho assinado a 22 de janeiro.
Proxima Pergunta: Miguel Albuquerque não é arguido neste caso?
-
Miguel Albuquerque não é arguido neste caso?
O Ministério Público decidiu investigar Miguel Albuquerque de forma autónoma num outro processo no que se refere a suspeitas relativas a Pedro Calado e aos dois empresários madeirenses.
No caso do ex-presidente da Madeira estão em causa várias situações. Uma delas é relativa ao crime de atentado ao Estado de Direito. Segundo o despacho Ministério Público, a que o ECO também teve acesso, Albuquerque não terá gostado da manchete do dia 2 de julho do Jornal da Madeira, com o título “Droga assusta turistas e inquieta comerciantes”.
A jornalista em causa referia que a imagem turística da Madeira estaria a ser afetada pela “combinação da problemática da droga com os sem-abrigo, asseguram ao JM diversos comerciantes da baixa funchalense. Os comerciantes acusam os toxicodependentes de importunarem clientes e de terem comportamentos violentos. A situação terá piorado após a pandemia”. Perante isso, terá pedido a Pedro Calado que falasse com Avelino Farinha, administrador do grupo AFA, que detém mais de 50% do jornal, para que a jornalista fosse afastada. Mas a jornalista nunca chegou a ser afastada.
Porém, o DCIAP considera que existem indícios de crime. “Resulta, assim, a existência de indícios de que Miguel Albuquerque e Pedro Calado, aproveitando a posição acionista de Avelino Farinha sobre alguns dos principais jornais da região, tenham atuado junto do mesmo, tendo em vista o condicionamento de jornalistas ao serviço daqueles órgãos de comunicação social”. Com condutas “que se afiguram suscetíveis de colocarem em causa as liberdades de imprensa e de expressão, ambas com proteção consagrada na Constituição da República Portuguesa”.
O Ministério Público também acredita que o ex-presidente do Governo Regional fez um pacto corruptivo com empresas da região, gozou com a família, por exemplo, de “umas férias de luxo com experiência premium e crédito ilimitado” no hotel Savoy do Funchal. A oferta foi de Avelino Farinha, dono da empresa AFA que detém o Savoy e, na vertente da construção civil, é responsável pela esmagadora maioria das obras públicas na Madeira.
Miguel Albuquerque terá estado cinco dias com a mulher e seus dois filhos no Savoy, sem pagar a estadia. Terá sido Luís Miguel Silva, adjunto de Miguel Albuquerque, a solicitar a Avelino Farinha que providenciasse dois quartos na unidade hoteleira. Uma estadia de uma semana no Hotel Savoy, no Funchal, ultrapassa os 6.100 euros por pessoa.
A investigação acredita que a proximidade entre Avelino e Albuquerque permitiu estas férias como exemplo de contrapartida por atos praticados enquanto presidente do governo da Madeira “suscetíveis de beneficiarem o grupo AFA e o próprio Avelino Farinha. A confirmar-se a situação, tal consubstanciará uma vantagem pecuniária ilegítima”.
Proxima Pergunta: Que crimes estão em cima da mesa?
-
Que crimes estão em cima da mesa?
Segundo o Ministério Público, Pedro Calado é suspeito de sete crimes de corrupção passiva. Este crime é punido com pena de prisão de um a oito anos, mas a pena pode chegar aos dez anos se for agravada.
Segundo o artigo 373.º do Código Penal (CP), destina-se ao “funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação”.
Mas se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
Já Custódio Correia é suspeito de três crimes de corrupção ativa e Avelino Farinha de quatro. O crime de corrupção ativa (artigo 374.º do CP), pune o agente com pena de prisão de um a cinco anos.
“Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, é punido com pena de prisão de um a cinco anos”, lê-se.
Mas se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
Mas a lista de crimes não fica por aqui. Apesar de não concretizar, o Ministério Público sublinha que “são ainda suscetíveis de integrar a prática pelos arguidos dos crimes de prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, participação económica em negócio, abuso de poderes e tráfico de influência”. Ou seja: poderão ser cerca de cinco crimes por cada um dos arguidos.
Proxima Pergunta: Quantas vezes recusou o juiz libertar os detidos?
-
Quantas vezes recusou o juiz libertar os detidos?
O juiz de instrução criminal que está a liderar os interrogatórios aos três arguidos detidos recusou duas vezes o pedido de libertação imediata feito pelos advogados de defesa: uma vez a 1 de fevereiro e outra a 8 de fevereiro. O argumento, sabe o ECO/Advocatus, foi sempre o mesmo: falta de fundamentação legal para a libertação.
Pedro Calado, Avelino Farinha e Custódio Correia estiveram detidos 21 dias quando a lei diz expressamente que só em casos excecionais os arguidos podem ficar mais de 48 horas até serem apresentados ao juiz de instrução criminal.
É suposto que todos os cidadãos detidos possam ser presentes a um juiz de instrução criminal e terem conhecimento das medidas de coação aplicadas no prazo máximo de 48 horas, “salvo em casos excecionais devidamente fundamentados e observando princípios de estrita necessidade e proporcionalidade”.
Segundo a Constituição da República Portuguesa, “a detenção será submetida, no prazo máximo de 48 horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coação adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa”.
Determina ainda que “a prisão preventiva tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei”.
Proxima Pergunta: Quais as medidas de coação decretadas pelo juiz de instrução?
-
Quais as medidas de coação decretadas pelo juiz de instrução?
Só 21 dias após terem sido detidos é que o juiz de instrução anunciou as medidas de coação dos três detidos. Pedro Calado, Avelino Farinha e Custódio Correia ficaram em liberdade com termo de identidade e residência (TIR), a medida cautelar menos gravosa.
O juiz considerou não haver indícios fortes de que os arguidos tenham praticado qualquer crime, nomeadamente o crime de corrupção, apesar de o Ministério Público ter pedido que os três arguidos ficassem em prisão preventiva.
Com o termo de identidade e residência, os três arguidos passam a ter de se identificar e indicar a sua morada, bem como mantê-la atualizada. Para o caso da mesma se alterar ou o arguido se ausentar dela por mais de cinco dias, deve informar o tribunal. Será na morada indicada que os arguidos vão receber as comunicações do tribunal, considerando-se validamente notificados.
As medidas de coação foram conhecidas três semanas depois da detenção dos três arguidos no Funchal e depois de o juiz ter recusado duas vezes libertar os arguidos. Pedro Calado, Avelino Farinha e Custódio Correia estavam detidos há 21 dias — desde o dia 24 de janeiro — quando a lei diz expressamente que só em casos excecionais os arguidos podem ficar mais de 48 horas até serem apresentados ao juiz de instrução criminal.
Proxima Pergunta: Que efeitos políticos teve esta investigação?
-
Que efeitos políticos teve esta investigação?
Um dos efeitos políticos desta investigação foi a renúncia de Pedro Calado ao cargo de presidente da Câmara Municipal do Funchal. O arguido entendeu que era a “conduta adequada face às circunstâncias que está a atravessar”.
Outro dos efeitos foi a renúncia de Miguel Albuquerque ao cargo de presidente do governo regional da Madeira, que ocupava desde 2015. Albuquerque afirmou que esta decisão foi “para bem da Madeira”.
Depois de elencar todas as medidas adotadas durante o seu mandato, nos vários setores, Miguel Albuquerque reconheceu, no entanto, que “só com estabilidade” governamental vai conseguir alcançar os “objetivos positivos” que propôs no início do mandato.
Por isso, se “para bem da Madeira é necessário encontrar uma solução de estabilidade”, o presidente demissionário do governo regional disse estar “disponível para contribuir para uma boa solução” e encontrar outro líder da coligação PSD/CDS aos comandos do executivo regional.