Ainda há algum estigma em torno da ambição em Portugal, mas é preciso quebrá-lo e isso irá "impulsionar mais pessoas extraordinárias". Quem o diz são as autoras do livro "O acelerador de carreiras".
Há um estigma em Portugal que é “importante quebrar“: o que dita que quem tem ambição merece ser visto com maus olhos. O apelo é deixado pelas autoras do livro “O acelerador de carreiras”, que, em entrevista ao ECO, explicam que ser ambicioso é mesmo importante para que consigamos trilhar um caminho de sucesso.
Sara Aguiar e Mafalda Rebordão acreditam que “conseguimos tornar a carreira naquilo que queremos”. E, para isso, prepararam uma série de atalhos, como a mentoria, ferramenta que, admitem, ainda não está democratizada de forma suficiente em Portugal, mas pode ser útil não só para os próprios profissionais, mas também para as empresas que queiram crescer.
Outro dos atalhos destacados pelas autoras é o networking, tema sobre o qual versa o capítulo do livro “O acelerador de carreiras” que o ECO pré publicou.
Acho que a carreira e o emprego de sonho não existem. Acho que vão mudando ao longo do tempo.
Mentalidade, atitude e produtividade. É este o trio que dizem ser a chave para, e cito, “o emprego de sonho”. São as duas jovens. A perceção do mercado de trabalho tem mudado muito. Acham que ainda existe o conceito de emprego de sonho?
Sara Aguiar (SA) — Não é bem ao conceito de emprego de sonho que tentamos chegar com estas três variáveis. É mais à ideia de conseguirmos tornar a carreira naquilo que queremos, seja o que for. Otimizarmos a aceleração da nossa carreira rumo àquilo que mais nos importa. Acho que isso tem uma relação direta com aquilo que é um emprego de sonho, mas é mais do que isso.
De que modo?
SA — É sobre o que o trabalho permite. Por exemplo, posso estar a otimizar a minha carreira para ter tempo para fazer projetos fora do meu trabalho. Então, o meu emprego de sonho, o que quero que a minha carreira crie é mais oportunidades e tempo. Acreditamos que estas três variáveis ajudam-nos a tomar as rédeas da nossa carreira e daquilo que queremos para a nossa vida profissional.
Mafalda Rebordão (MR) — Acho que a carreira e o emprego de sonho não existem. Acho que vão mudando ao longo do tempo. A ideia desta fórmula é que cada um possa encontrar o que funciona para si. A carreira de sonho há de ser diferente em momentos diferentes da nossa vida. Se calhar, no início da nossa vida, é uma carreira que nos permite viajar imenso. A seguir, decidimos que as nossas prioridades se invertem, de um ponto de vista familiar. Portanto, é sobre podermos ir alterando ao longo do tempo essa fórmula para a adaptarmos à nossa vida pessoal, porque não existimos sem essa vida pessoal.
Sem querer levantar em demasia a ponta do véu do livro, por que razão escolheram estas três componentes?
SA — Estas três componentes vêm de um exercício de reflexão de olharmos para trás e percebermos que áreas mais influenciam o desenvolvimento da carreira e a nossa capacidade de estarmos felizes nos nossos trabalhos. Estas foram as três áreas que, nos nossos percursos, sentimos que fizeram a maior diferença no desenvolvimento das nossas carreiras. São três áreas que conseguimos treinar, que funcionam como músculos e que, por isso, conseguimos influenciar para jogarem mais a nosso favor. A forma como pensamos, a forma como isso se traduz na forma como agimos e a forma como nos auto gerimos são as três variáveis que mais influenciaram o nosso percurso e, por isso, acreditamos que têm o poder de influenciar muito também os percursos das outras pessoas.
Cada um de nós tem as suas necessidades e as suas próprias definições de sucesso. Aquilo que quisemos criar foi uma forma de cada pessoa olhar para dentro de cada uma destas variáveis e perceber o que é que já faz e o que podia fazer para fazer a maior diferença.
Como é que funcionam essas três componentes?
SA — Cada um de nós tem as suas necessidades e as suas próprias definições de sucesso. Aquilo que quisemos criar foi uma forma de cada pessoa olhar para dentro de cada uma destas variáveis e perceber o que é que já faz e o que podia fazer para fazer a maior diferença. Fazemos isto através do que chamamos hacks. São atalhos, estratégias que estão diretamente relacionadas com cada uma destas variáveis. Por exemplo, na variável do mindset, temos hacks como o networking e a mentoria.
Falaram na mentoria. Têm ambas carreiras internacionais, mas da vossa experiência essa ferramenta é valorizada no âmbito português ou é ainda incipiente?
MR — O facto de a mentoria não ser democratizada o suficiente em Portugal foi o motivo pelo qual começámos o podcast “Ponto Zero”. Referimos muitas vezes, quando falávamos sobre carreira, a influência que os mentores tiveram na nossa vida. Tentamos perceber como é que tínhamos usado os insights destas pessoas e como é que podíamos torná-los mais acessíveis a toda a gente. Hoje já existem muitos programas nas escolas de negócio sobre mentoria. Mas há dois ou três anos isto era uma coisa pouco comum, e continua a ser extremamente invulgar noutro tipo de faculdades.
Porque é que não estamos a tirar o máximo proveito da ferramenta que pode ser a mentoria?
MR — Primeiro, depende muito da área. Há áreas em que esse tema é mais valorizado e difundido. Depois, existe algum preconceito em pedir ajuda. Às vezes, estamos também à espera que exista uma estrutura formal para que este tipo de interações exista, porque estamos a pedir o tempo da outra pessoa. Temos de saber como é que este tipo de interações se gere. Acreditamos que pedir ajuda e ouvir os conselhos de outra pessoa nos pode ajudar no nosso próprio caminho e que é preciso desmistificar esta barreira, quase o preconceito de pedir ajuda.
E de que modo é que a mentoria pode contribuir ou não para o combate à desigualdade de género no mercado de trabalho?
SA — Esta partilha que existe entre as pessoas, quando há uma relação de mentoria, é frequente acharmos que é unilateral. Mas aquilo que sabemos é que não é. Por um lado, com a mentoria, temos os líderes atuais – muitos deles, infelizmente, ainda homens – a partilharem a sua experiência, as suas estratégias, as suas ferramentas com as mulheres. Quando forçamos estas relações entre os homens e as mulheres, tornando os homens um veículo de informação, as mulheres conseguem ter este contacto direto com o que as pode ajudar a dar esse salto. No fundo, ter um líder a partilhar com uma possível líder como é que é ser um líder e o que é que fez para lá chegar. Mas também há outro ângulo interessante: as mulheres que estão nesta relação de mentoria com homens líderes podem explicar-lhe em primeira mão quais são os desafios que estão a sentir, quais são os obstáculos que estão a encontrar.
Ou seja, aproximam o líder do terreno.
SA — Às vezes, os líderes, estando mais afastados desta realidade de gestão intermédia ou começo de carreira, não têm necessariamente sempre este contacto direto com os obstáculos. Quando eles estão mais conscientes destes fatores, também estão mais empoderados para fazerem alguma coisa em relação a isso, caso essa seja a sua vontade.
Nesse sentido, entendem que dentro das próprias empresas – e não só nas universidades, como já discutimos – deve haver programas deste género?
MR — Há muitos tipos de mentores, e em fases diferentes das nossas vidas vamos precisar de diferentes tipos de mentores. Às vezes, precisamos de mentoria de pares. Às vezes, precisamos de mentoria com pessoas mais sénior. Vai ser sempre benéfico se esse sistema já existir, mas com a opção de escolha. A relação na mentoria, por norma, dura algum tempo e, por isso, é muito importante encontrarmos pessoas com as quais, no longo prazo, nos identificamos. As empresas têm de estar cada vez mais conscientes para a importância de facilitar nem que seja programas de buddies. A aprendizagem faz-se com formação, mas falta o resto. Como é que as empresas também facilitam a aprendizagem entre colaboradores? Isso tem imensas vantagens para as empresas.
Por exemplo?
MR — Uma pessoa sente-se motivada, porque está a aprender com alguém que sabe mais do que ela, a outra sente-se motivada, porque finalmente está a colocar a sua aprendizagem e a sua experiência em prática. É uma win win situation para as empresas e para as pessoas.
A ambição não tem de ser uma característica penalizada, mas celebrada. É mesmo importante quebrarmos em Portugal este estereótipo.
Falamos muito de progressão e aceleração ao longo desta conversa. Como é que a ambição é vista em Portugal?
MR — Acho que o tema da ambição em Portugal ainda não é bem visto, em especial do ponto de vista das mulheres. Ou seja, as mulheres ambiciosas ainda não são percecionadas com os mesmos olhos. Homens e mulheres não gostam de mulheres que se autopromovem, e a autopromoção está muito relacionada com a ambição, porque, se queremos chegar mais longe, precisamos de falar abertamente sobre as coisas que fazemos bem. É preciso mesmo quebrar esse estereótipo da ambição. Esta cultura de ambição é muito mais americana, mas é importante porque nos ajuda a abrir portas e a que as pessoas se lembrem de nós em salas de oportunidades. A ambição não tem de ser uma característica penalizada, mas celebrada. É mesmo importante quebrarmos em Portugal este estereótipo e isso vai ajudar-nos a impulsionar mais pessoas extraordinárias.
SA — Temos ambas a vontade de que mais pessoas sejam ambiciosas e que sonhem mais alto. Foi por isso que escrevemos este livro. Sabermos como comunicar a nossa marca pessoal é também muito importante para garantirmos que, quando estamos a comunicar a nossa ambição, comunicamos da forma certa, de uma forma que jogue a nosso favor.
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“A ambição ainda não é bem vista em Portugal. Temos de quebrar o estereótipo”
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