Filipe Araújo, vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, em entrevista: a visão, desafios, objetivos e expetativas sobre a neutralidade carbónica e o município do Porto. Veja o vídeo.
A preocupação com a neutralidade carbónica tem vindo a ocupar as agendas dos governos de todo o mundo. Portugal assumiu esse compromisso até 2050 e há municípios, como o Porto, que já têm vindo a fazer esforços para que consigam atingir este objetivo antes do prazo. Que dificuldades encontram nesse processo e o que têm vindo a fazer para as colmatar?
A cidade do Porto tem como maior desafio ambiental alcançar a neutralidade carbónica até 2030. Este é um desígnio muito importante e que ultrapassa as barreiras físicas da cidade, porque contribui para as metas nacionais e para atingir a neutralidade carbónica do continente europeu até 2050. Em termos climáticos, este é um desafio muito ambicioso e que implica um trabalho conjunto com múltiplos parceiros da cidade. O Município do Porto (no conjunto dos serviços e ativos da Câmara Municipal do Porto e das suas empresas municipais) é responsável apenas por 6% do total de emissões da cidade. Como tal, o envolvimento dos diversos parceiros é crucial para se atingir este objetivo climático maior. Foi isto que nos motivou a lançar o Pacto do Porto para o Clima, um compromisso local que visa comprometer diversas partes interessadas da cidade num objetivo comum: a neutralidade carbónica até 2030.
Este Pacto foi lançado pelo Município do Porto tendo em vista agregar múltiplos agentes da cidade – organizações públicas e privadas, bem como os cidadãos individuais – tendo em vista a mudança de comportamentos e o estabelecimento de compromissos que sejam efetivos na descarbonização da economia e consequente redução de gases de efeito de estufa. Neste tema, é natural que o Município faça a sua parte, mas tem de funcionar também como elemento galvanizador das restantes entidades sob pena de não serem atingidas as metas propostas.
Ao abordar a neutralidade carbónica, temos colocado os esforços em tópicos focados na descarbonização da cidade. No Porto, cerca de 50% das emissões são provenientes da utilização dos edifícios e cerca de 40% resultam da mobilidade. Posto isto, são estes os grandes e mais representativos setores que podem ser olhados e trabalhados para reduzir as emissões na cidade, nos quais já estão a ser desenvolvidas muitas ações. De facto, temos vindo a desenvolver múltiplos investimentos em energias renováveis (com especial destaque para o solar), eficiência energética, mobilidade sustentável, regeneração urbana ou economia circular.
Concretizando, no âmbito da mobilidade e transportes, temos no transporte público uma forte aposta procurando reduzir a dependência dos automóveis particulares. Assistimos, hoje, a avultados investimentos nas novas linhas de metro, no Bus Rapid Transit (BRT) da Boavista e mesmo na renovação da frota de autocarros, com especial destaque para a sua eletrificação. Tendo em vista trazer mais utilizadores para o transporte público, um bom exemplo de política é a gratuitidade dos transportes públicos para todas as crianças e jovens até aos 18 anos, um investimento municipal que tem retorno imediato para as famílias e que influencia decisivamente os comportamentos das novas gerações.
Já no que diz respeito à área da energia, o Município tem realizado ações decisivas como a aquisição de energia elétrica de origem renovável certificada para todos os usos municipais, a substituição integral em curso da iluminação pública para 100% lâmpadas LED e a instalação painéis fotovoltaicos nas coberturas de edifícios municipais. Estas são iniciativas que demonstram bem o compromisso existente com a transição energética da nossa cidade.
No eixo dos edifícios públicos municipais, por exemplo, tem havido um investimento continuado na reabilitação tendo em vista melhorar as suas condições de uso, conforto e eficiência energética. Exemplo disso são os mais de 150 milhões de euros investidos nos edifícios habitacionais municipais, por exemplo, mas também em edifícios com outras tipologias de uso – piscinas, escolas, pavilhões, entre outros. Para futuro, é importante que os setores público e privado sejam capazes de continuar a investir na reabilitação que é determinante para a redução dos consumos energéticos e, consequentemente, para a redução das emissões.
No âmbito deste Pacto do Porto para o Clima, a Câmara Municipal promoveu uma série de conferências – o Ciclo de Conversas: Rumo à Neutralidade Carbónica – que se focaram precisamente no tema da neutralidade carbónica. O que vos motivou a criar esta iniciativa?
Precisamente porque compreendemos a diversidade dos desafios para alcançar a neutralidade carbónica, torna-se imperativo, desde cedo, aumentar o envolvimento dos parceiros do Pacto do Porto para o Clima, promovendo a troca de experiências, a partilha de boas práticas e uma reflexão cada vez mais aprofundada sobre diversos eixos de atuação no âmbito da descarbonização.
Desta forma, optamos por promover este primeiro Ciclo de Conversas, uma série de sessões temáticas com o objetivo de aumentar a literacia sobre matérias relevantes e fundamentais para alcançar a neutralidade carbónica e promover o debate informal, mas informado. Os destinatários principais seriam os subscritores do Pacto do Porto para o Clima, mas foi sempre aberto ao público em geral fomentando ainda mais participação. Apesar de ter sido presencial, quisemos, desde o início, que todos as sessões ficassem registadas em vídeo tendo em vista oferecer este conhecimento a toda a comunidade.
Qual o balanço que o município faz destas conferências?
Fazemos um balanço muito positivo. Durante as 10 sessões, ao longo de praticamente 3 meses, reunimos mais de 500 participantes e 40 oradores e moderadores que tiveram oportunidade de debater sobre uma panóplia abrangente de temas relacionados com as alterações climáticas e a descarbonização da cidade. Da energia descentralizada e limpa ao sequestro de carbono, da mobilidade sustentável às soluções de base natural, abordamos ainda o envolvimento da comunidade e os desafios de uma transição justa entre outros temas.
Promovemos a partilha de experiências entre várias áreas do conhecimento e formas de atuação. No painel de oradores e moderadores, mas também no público, contámos com a presença de empresas públicas e privadas, com o setor da cultura e do desporto, com a academia, com organizações sem fins lucrativos, com especialistas de várias áreas do conhecimento, e também com cidadãos de várias atividades profissionais que procuravam conhecimento sobre os temas discutidos e o trabalho desenvolvido na cidade.
O feedback dos participantes foi muito favorável, o que nos deixa ainda mais motivados para continuar. Mesmo entre os cidadãos, o crescente número de subscritores individuais do Pacto do Porto para o Clima constitui um contínuo reconhecimento da importância do tema e da preocupação crescente. Os conteúdos online e pós-sessões têm feito o seu caminho de disseminação, o que nos deixa com a certeza da qualidade e da importância do seu registo para futuro. Para quem não teve oportunidade de participar, os vídeos das sessões podem ser assistidos AQUI ou ouvidos em formato podcast nas principais plataformas.
Aproveito a oportunidade para agradecer muito a todos os oradores, moderadores e participantes que dispuseram do seu tempo para partilhar connosco os seus conhecimentos e contribuir para este grande objetivo comum da cidade do Porto.
Acredita que o município do Porto conseguirá atingir a neutralidade carbónica até 2030?
Sabemos que a neutralidade carbónica da cidade é um objetivo ambicioso, mas acreditamos que está ao alcance desta que é uma cidade competente, empenhada e que demonstrou, muitas vezes, enorme resiliência e saber estar à frente do seu tempo. Queremos que o Porto seja uma cidade líder em termos climáticos.
Alinhado com estes objetivos, o Município foi selecionado pela Comissão Europeia para integrar o restrito lote de 100 cidades europeias que pretendem alcançar a neutralidade carbónica até 2030, antecipando o objetivo em 20 anos. Este conjunto das cidades europeias inteligentes e climaticamente neutras até 2030 será exemplo para as restantes, ultrapassando vários desafios e alcançando conquistas antecipadamente e mostrando que este é um caminho desafiante, mas necessário; difícil, mas possível. Com a perspetiva de maiores apoios em termos europeus, com o envolvimento do Governo nacional e com uma participação massiva dos parceiros do Pacto e dos cidadãos, seremos capazes de fazer a diferença.
A seleção da cidade do Porto é um motivo de orgulho e dá maior alento à nossa vontade de fazer mais e melhor para todos os que vivem, trabalham, estudam ou de qualquer outra forma se relacionam com a cidade.
O que é que ainda falta fazer para tornar o Porto mais sustentável?
Temos a ambição de um Porto mais sustentável em que todos os esforços de descarbonização sejam coerentes e compatíveis com a melhoria da qualidade de vida na cidade, elemento diferenciador e determinante para a atratividade do Porto. Assim, são vários os projetos estruturantes capazes de impulsionar o desenvolvimento da cidade e a sua sustentabilidade: o aumento da área verde disponível e a salvaguarda do arvoredo existente; a melhoria do transporte público, partilhado e de zero emissões; a promoção da mobilidade suave e ativa; a redução dos efeitos das alterações climáticas no território apostando na descarbonização, mas também na adaptação da cidade aos efeitos das alterações climáticas que não serão possíveis de reverter.
É importante continuar a expansão e requalificação dos parques e jardins da cidade, contribuindo para a duplicação dos espaços verdes disponíveis como preconizado no PDM. A requalificação do Rio Tinto e a expansão do Parque Oriental, a construção do Parque Central da Asprela, a conclusão do Parque da Cidade, o enquadramento do novo Terminal Intermodal de Campanhã que é hoje um grande parque, a requalificação e expansão do Parque de S. Roque demonstram bem a capacidade de execução conseguida e são exemplo inspirador para novos projetos. Alguns de curto prazo, tais como o Parque da Alameda de Cartes ou o Parque da Lapa, este último em parceria com agentes privados, mas sem esquecer outras intervenções futuras e de relevo para a estrutura ecológica municipal da cidade, com soluções de base natural cada vez mais importantes para a adaptação do território às alterações climáticas.
Deve ter continuidade a aposta no transporte público, aproveitando para destacar a renovação da frota de autocarros da STCP que culminará com o fim do diesel nestes veículos até 2027 e 40% de eletrificação. Também a expansão da rede de metro é determinante para o Porto: a Linha Rosa, atualmente em construção entre a Boavista e a Baixa da cidade, e o arranque da Linha Rubi, entre Santo Ovídio e Casa da Música, são investimentos decisivos para a mobilidade na cidade do Porto e aumentarão a capacidade de resposta do transporte público. A juntar a estes investimentos, também o Bus Rapid Transit (BRT) que percorrerá toda a Avenida da Boavista e a Marechal Gomes da Costa é uma novidade na cidade, muito importante na ambição da sua descarbonização.
Torna-se imperativo, ainda, continuar a contribuir para uma maior independência energética da cidade, seja através de um consumo de energia cada vez mais inteligente (com maior eficiência energética, maior sensorização e maior racionalidade dos consumos), seja através de maior produção de energia descentralizada e limpa, especialmente de base solar em todos os edifícios públicos e privados em que tal seja possível.
Estes projetos estruturantes têm o potencial de tornar o Porto mais atrativo e ao mesmo tempo mais sustentável, proporcionando uma maior qualidade de vida para os residentes.
Como esperam que seja o futuro ambiental da cidade? Poderá o Porto ser uma cidade ambientalmente mais sustentável?
Atualmente, a grande meta ambiental da cidade é atingir a neutralidade carbónica da cidade até 2030. De facto, trabalhar na descarbonização da cidade e aumentar a capacidade de sequestro de carbono do território são áreas fundamentais para este desígnio, determinante para um futuro ambientalmente mais sustentável da cidade, pois têm uma abrangência extraordinária e impactam diretamente com as áreas da energia, da eficiência energética, da mobilidade, do sistema alimentar, da construção, da distribuição de água, da recolha e tratamento dos resíduos, da criação de mais espaços verdes e plantação de mais árvores, entre outros. Todas estas áreas de ação – muitas delas abordadas no Ciclo de Conversas – são cruciais para uma cidade mais circular e neutra em carbono.
Os objetivos traçados não são fáceis. É necessário adotar uma abordagem que permita envolver diferentes áreas e diferentes stakeholders focados na redução das emissões de carbono, na promoção da mobilidade sustentável, na preservação da biodiversidade, na gestão eficiente dos recursos e na sensibilização da população para a importância da sustentabilidade da nossa cidade e da nossa região.
Mas, estou confiante de que estamos no caminho certo e que a cidade continuará a mobilizar-se por este desígnio de futuro. É esse o Porto em que eu acredito. Uma cidade que se continue a distinguir pela qualidade de vida e que seja farol e exemplo de boas práticas e ambição rumo à neutralidade carbónica.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“A cidade do Porto tem como maior desafio ambiental alcançar a neutralidade carbónica até 2030”, diz Filipe Araújo, vice-presidente da Câmara Municipal do Porto
{{ noCommentsLabel }}