“A economia hoje é mais sólida para resistir a um temporal”

Vítor Bento, economista e presidente da APB, acredita na capacidade de resistência das empresas à crise política, mas alerta para o aparecimento de populismos.

Economista, já foi muita coisa, é agora presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), e foi o convidado desta semana do podcast do ECO e da CNN Portugal, ‘O Mistério das Finanças’. Fala do país, como economista, responde às críticas de Mário Centeno à política comercial dos bancos na remuneração dos depósitos. Está preocupado com o afastamento entre as elites, os decisores, e o povo. E dá um exemplo: “Eu não ando muito em transportes públicos, mas ando em alguns, nomeadamente, ando de metro. E uma das coisas que acho que é inaceitável é que no metro quase nenhuma escada rolante funciona. Mas não funciona há anos. Eu vou a Londres, que tem uma rede de metro muito maior, e eu nunca vi uma escada rolante avariada. Aqui, em Lisboa, estão permanentemente avariadas e demoram anos a ser recuperadas. Porque as pessoas que tomam decisões políticas não andam de metro. Porque se andassem de metro já estava resolvido. Isso já estaria resolvido“.

Bem-vindo, Vítor Bento, vamos, então, tirar “o elefante da sala”. Depois das declarações de Mário Centeno, a pergunta é se os bancos não deveriam estar a pagar melhor pelos depósitos? O governador do Banco de Portugal assinalou uma diferença significativa que existe entre os juros que os bancos recebem pelos seus depósitos do Banco Central e os juros que pagam aos seus clientes, dizendo que essa diferença não é muito compreensível, e que põe em causa o contrato social entre a banca e os portugueses.

Em primeiro lugar, muito obrigado pelo convite, estou aqui com muito gosto… Relativamente, digamos, ao ‘elefante na sala’, como presidente da Associação Portuguesa de Bancos, não posso comentar uma matéria de política comercial, cada banco aplica as suas políticas comerciais como entende, em concorrência, e o que é necessário assegurar é que há concorrência no mercado. Mas para não pensarem que utilizo isto para fugir à vossa pergunta, posso pôr-me no papel de analista económico. E, no fundo, aplicar a teoria económica, isto é, no mercado, quando há mais oferta do que procura, ou quando a oferta cresce mais do que a procura, é natural que o preço tenda a descer. Quando acontece o contrário, quando a procura sobe mais do que a oferta, o preço tende a subir, que é o que acontece, por exemplo, com a habitação. Na habitação, nós temos uma restrição da oferta, a procura tem subido muito e os preços sobem.

Ou seja, os bancos estão cheios de liquidez?

Exatamente. Portanto, não precisam… Não precisam de disputar ativamente pela captação de depósitos. Isto são números muito redondos, [mais] por cada 80 cêntimos de crédito que dão, têm um euro de depósitos. Têm um excesso de liquidez, portanto, de acordo com as leis da economia, e as leis da economia são abstratas…

Aquilo que os bancos estão a dizer aos seus clientes é “deposite aqui o seu dinheiro e perca”. Porque em termos reais, a remuneração é mais baixa do que a inflação…

Não, não é perca, porque isso depende… Se as pessoas tiverem alternativas mais favoráveis, quer em termos de segurança, quer em termos de aplicação, são livres de procurar essas alternativas. Há ocasiões em que há alternativas que podem parecer mais atrativas e há saída de depósitos dos bancos, há outras em que não existem essas alternativas. Mas se não existirem essas alternativas, a culpa não é dos bancos.

Deixe-nos acrescentar dois pontos que estão, na verdade, implícitos à crítica do Governador. Por um lado, os bancos foram muito rápidos a ajustar as suas taxas de juros quando o BCE fez esse movimento. E agora, ao contrário, são lentos a ajustar a remuneração dos depósitos. A margem financeira nos últimos dois anos aumentou, também em números redondos, cerca de dez mil milhões de euros. Por outro lado, recordo que, recentemente, os bancos livraram-se de uma condenação no chamado ‘cartel da banca’ porque o processo prescreveu… Estes dados mostram que, se calhar, não há assim tanta concorrência. E também não haverá a necessária literacia financeira dos consumidores e clientes dos bancos.

OK, isso envolve uma série de observações. Em primeiro lugar, relativamente à questão das velocidades, temos que perceber uma coisa. No lado do ativo, isto é, no lado do financiamento, os créditos estão contratualizados. E dentro desses contratos, que são a longo prazo, os créditos à habitação são de 30 anos, a 20 anos, 15 anos, e dentro desses contratos, as condições de remuneração estão indexadas à Euribor. Os bancos não têm interferência na formação da Euribor. E, portanto, quando a Euribor sobe ou desce, isso reflete-se automaticamente nos contratos vigentes.

Vítor Bento, economista e presidente da Associação Portuguesa de Bancos, em entrevista ao podcast "O Mistério das Finanças" Hugo Amaral/ECO

Os novos atualizaram muito rapidamente…

Atualizaram, baixando os spreads. O ponto é esse. Relativamente à Euribor, quando se fazem os novos contratos indexados à Euribor, é para aquilo que vier a ser da Euribor. Portanto, pode-se ver como pode ser. Mas, nos spreads, o ajustamento foi significativo. E, aliás, esse foi outro dos indicadores de que há, de facto, concorrência na banca.

Nesse período em que as taxas de juros subiram e umas tinham spreads mais elevados, formados numa altura em que o indexante era muito baixo, o que assistimos foi a uma transferência muito grande de empréstimos de uns bancos para os outros. Esse foi, de facto, um dos indicadores práticos, para além de todas as histórias que nós possamos enunciar, onde, de facto, houve muita concorrência. Da mesma forma, também houve muitas mudanças de depósitos de uns bancos para os outros, houve bancos que pagavam melhor, e os clientes reagiram. Estes dois movimentos respondem as duas questões. Por um lado, porque é que as taxas se ajustam numa determinada velocidade e, por outro lado, há ou não há concorrência.

Do lado dos depósitos, a contratualização é feita em cada depósito, em geral. E aí são as condições vigentes nesse momento. Se tiver contratado um depósito com uma taxa mais elevada e, entretanto, a Euribor baixa, como aconteceu agora recentemente, quando as taxas começaram a baixar, o depósito fica à taxa original.

Relativamente à questão da concorrência, há de facto. Os nossos níveis de concentração comparam com o resto da Europa e, em alguns casos, até temos maior diversidade tendo em conta a dimensão do nosso mercado. É claro que o nosso mercado não tem a dimensão do mercado alemão, não tem sequer a dimensão do espanhol, e os índices de concentração do mercado espanhol são maiores do que são em Portugal.

Portanto, em Portugal há condições de facto concorrenciais. Agora, a concorrência funciona de dois lados. A concorrência funciona do lado da oferta e do lado da procura. Os clientes também têm que ter a sua proatividade, procurar aquilo que lhes é mais favorável. Não podem ter uma ação passiva. Para serem agentes da concorrência, os próprios clientes têm que ter uma atividade nesse sentido. Relativamente à margem financeira, cresceu muito porque partiu de uma base praticamente nula. Os bancos andaram, durante dez ou 12 anos, a perder dinheiro…

…ajustaram as contas com os clientes…

…a perder dinheiro [insiste]. Primeiro, objetivamente, e depois a perder em termos de comparação, isto é, o dinheiro que iam ganhando, os níveis de rendibilidade que iam apresentando, eram muito insuficientes para remunerar o capital posto à sua disposição. Isso não lhes permitia atrair capital e refletia-se, entre outras coisas, na forma como o mercado valorizava os bancos. Em Portugal, só temos um banco cotado, o BCP, que é indicador disso, mas na Europa há muitos mais, Todos tinham o seu valor de mercado cotado abaixo do valor contabilístico, o que era uma indicação de que os investidores consideravam que os bancos não davam uma remuneração suficiente. Só agora nestes dois últimos anos é que a remuneração do capital superou marginalmente o custo do capital. Mas há outra comparação que podemos fazer: Quando os bancos têm lucros muito volumosos, não significa necessariamente uma rendibilidade volumosa.

Voltemos aqui aos clientes. Os bancos também estão a beneficiar do conservadorismo dos clientes portugueses, da aversão ao risco. Mas o Estado também ajudou quando cortou a remuneração dos certificados de aforro. Não há alternativas. Assim, o que me estão a dizer é que tenho que ler livros de finanças para saber investir em mercados de capitais e correr mais riscos, o que explica talvez a referência de Centeno ao risco de os bancos porem em causa o contrato social com os portugueses.

Sim, sim, eu percebo. Em primeiro lugar, não partilho da opinião de que as pessoas não sabem o que é que fazem e que eu sei mais do que as pessoas, de modo que as ensino como é que se devem comportar. Parto do princípio que as escolhas que as pessoas fazem são aquelas que, face às circunstâncias que têm, melhor satisfazem as suas preferências. Se as pessoas são mais adversas ao risco ou mais amigas do risco, no fundo isso é uma questão cultural e é uma questão, digamos, de preferências de cada um, e daí não infiro nenhum juízo moral. Portanto, é o que é e, obviamente, é dentro dessas circunstâncias que depois o mercado funciona.

Mas, e eu há pouco estava-me a passar essa, o facto de os depósitos terem um custo mais baixo enquanto custo de recursos, reflete-se depois no crédito, porque Portugal provavelmente tem dos créditos de habitação mais baratos da Europa, dos créditos de habitação a taxa variável, dos mais baratos da Europa com os créditos mais baixos, precisamente como o custo de recursos será mais baixo, por haver um excesso de oferta de recursos, isso permite também que depois as pessoas que compram casa, as pessoas que precisam de empréstimos para ter habitação, pagam menos do que pagariam noutras circunstâncias, portanto…

E o contrato social…

…Mas o que é o contrato social?

É a confiança nos bancos.

Mas os bancos têm… Aliás, se os bancos captam os depósitos e se há esse boom de captação de recursos, é porque as pessoas confiam nos bancos.

Beneficiaram da decisão do Estado de cortar a remuneração dos certificados de aforro…

Eu não acho que o Estado tenha feito nada de mal nem nada de bem. O Estado reagiu de acordo com o mercado. E eu tenho alguma autoridade nessa matéria…

Houve muita pressão sobre o jogo…

Não, não, não, desculpe, não é verdade. Os bancos não fizeram pressão nenhuma sobre o Estado sobre isto, nem tinham nada a fazer, e mais do que isso, o Estado não tinha que seguir pressão nenhuma. Provavelmente, fui a primeira pessoa a baixar a remuneração dos certificados de aforro quando fui presidente do IGCP, porque, na altura, os certificados eram o instrumento mais caro de financiamento que o Estado tinha, e não só o mais caro, mas o mais arriscado, porque, basicamente, os certificados da aforro, para o Estado, são depósitos à ordem. Assim, significa que de, um momento para o outro, esse financiamento pode desaparecer. Eu não creio que o Estado tenha agido irracionalmente, o Estado não tem que estar a pagar acima do mercado para se financiar, pelo contrário.

Vítor Bento, economista e presidente da Associação Portuguesa de Bancos, em entrevista ao programa/podcast “O Mistério das Finanças”Hugo Amaral/ECO

Vamos, então, ao primeiro mistério desta semana, uma sugestão de Vítor Bento. Afinal, porque é que os bancos têm má reputação?

Prefiro a expressão “mal-amados”…

Muito bem… Por que é que são “mal-amados”?

Em primeiro lugar, não é fácil de explicar, e a explicação mais completa provavelmente seria muito longa. Mas há aqui um paradoxo. De facto, quando vemos a opinião publicada, é muito adversa aos bancos e, portanto, sugere o mau amor que existe face aos bancos. Mas, depois, os clientes, quando são inquiridos nos inquéritos internos que os bancos fazem, inquéritos de satisfação, em geral respondem com índices de satisfação muito elevados. Portanto, os clientes do banco A, B, C e D, estão satisfeitos, gostam do seu banco, mas depois uma opinião abstrata e geral…

Normalmente, serão as mesmas pessoas, não é?

Não sei se são as mesmas pessoas, porque nem todas as pessoas têm voz pública. Essa é uma distinção que é importante fazer. Quem tem voz pública é um segmento muito limitado da sociedade e, provavelmente, muito enviesado de representação da sociedade. Depois, há outras razões, provavelmente mais… mais profundas de natureza cultural, as religiões. Nomeadamente as religiões monoteístas, sempre tiveram uma postura muito adversa à intermediação financeira em si, e portanto à ideia de ganhar dinheiro com dinheiro.

Houve culturalmente, digamos, esse pano de fundo muito profundo e muito persistente. Depois, toda a ideologia marxista também considera a atividade de intermediação financeira como uma atividade improdutiva, uma atividade exploradora e, portanto, tudo isso, obviamente, sem qualquer fundamento científico, mas, enfim, são questões ideológicas, mas tudo isso funciona como um pano de fundo que fomenta essa adversidade dentro do segmento de voz pública.

Qual é a responsabilidade da banca? Também não contribuiu, ela própria, para essa má fama?

Obviamente, os casos sucessivos que se deram terão contribuído. Já vamos a isso também. Mas aquilo que a banca faz, a coisa mais prática que a banca pode fazer e que os bancos estão a fazer, que é feito individualmente, é servirem bem os clientes. Ao servirem bem os clientes, isso é o contributo mais positivo que podem dar para a sua boa reputação. Embora, mais uma vez, insisto neste ponto, a este aspeto de paradoxo, é que depois isso gera uma boa opinião sobre os bancos em concreto, mas persiste uma má opinião sobre os bancos em abstrato. Mas não fujo à questão que estava a ter… A grande crise financeira deixou uma ferida muito profunda na sociedade, portanto, isso contribuiu muito negativamente para a reputação dos bancos.

Em alguns casos com razão. Portanto, os bancos destruíram muito capital, tiveram práticas, obviamente, que se revelaram erradas e consequências sociais muito negativas, mas, por outro lado, há uma ideia que tem progredido muito, mas sem fundamento, que o Estado utilizou dinheiro público para salvar os bancos. O Estado não salvou os bancos no sentido dos acionistas. O Estado salvou foi os clientes, salvou os depositantes, porque se os bancos são levados à falência, provavelmente as consequências sociais teriam sido terríveis.

Os acionistas dos bancos perderam muito dinheiro, que não haja dúvida sobre isso, e os bancos que desapareceram perderam o dinheiro todo, e os outros, os que persistem, perderam muito dinheiro pelo caminho, agora estão a recuperá-lo, portanto, com esta rendibilidade, mas o segmento que foi sempre preservado foram os depositantes, e o Estado interveio algumas vezes, portanto, dentro do trade-off que o Estado considerou, se houvesse uma catástrofe financeira, isso teria um impacto até em termos de uma depressão económica muito mais profundo, do que era o custo para preservar a contenção dos depositantes.

Vamos ao próximo mistério, a crise política e o seu impacto na economia. As eleições antecipadas vão ter impacto? Não vão ter impacto?

Bom… a instabilidade é sempre adversa, não é? A instabilidade acaba por gerar custos de transação, para utilizar, enfim, uma linguagem de ‘economês’, e diminuem a eficiência económica. A instabilidade é sempre uma coisa má [mas] atendendo, digamos, ao nível de estabilidade económica que, apesar de tudo, atingimos nos últimos anos, o efeito negativo provavelmente será menor. Também porque a economia tem muitas alavancas nas quais se apoiar, sem ser necessariamente o Estado.

É um bom sinal, não é?

Exatamente, exatamente, isso é um bom sinal. A crise política vai atrasar determinadas decisões e, portanto, o efeito positivo que essas decisões poderiam trazer vai ser atrasado e, obviamente, isso tem custos, mas provavelmente não terá custos dramáticos. Os custos que têm, e esses que são mais prolongados, é a sucessão de crises políticas, é a instabilidade política que andamos a viver há muito tempo. Isso gera não só incerteza, depois gera dentro das pessoas, dentro da sociedade, um grau de insatisfação, de dúvida e acima de tudo de frustração, porque as pessoas esperam que os governos existam para resolver problemas. Se a bolha se distanciar demasiado daquilo que é a base popular, a base popular solta-se da bolha e, depois, aparece um candidato de surpresa que, de repente, aparece a tomar conta disto tudo como nós vimos em sociedades muito desenvolvidas. Eu não quero utilizar nomes, mas como aparece em sociedades desenvolvidas, nós, de repente, ficamos surpreendidos como é que aparece uma determinada solução. Aparece precisamente porque a elite esqueceu-se da base popular, desprezou-a, e a base popular rebelou-se.

De facto, a bolha político-mediática vive demasiado entretida com os seus umbigos e com as suas questões internas e com isso vão descurando as questões profundas da sociedade. Dou-vos um exemplo. Eu não ando muito em transportes públicos, mas ando em alguns, nomeadamente, ando de metro. E uma das coisas que acho que é inaceitável é que no metro quase nenhuma escada rolante funciona. Mas não funciona há anos. Eu vou a Londres, que tem uma rede de metro muito maior, e eu nunca vi uma escada rolante avariada. Aqui, em Lisboa, estão permanentemente avariadas e demoram anos a ser recuperadas. Porque as pessoas que tomam decisões políticas não andam de metro.

Esta crise foi ‘inventada’ dentro do Parlamento, dentro do que chamou a bolha política, desprezando ou afastando-se daquilo que é o país real.

De facto, a bolha político-mediática vive demasiado entretida com os seus umbigos e com as suas questões internas e com isso vão descurando as questões profundas da sociedade. Dou-vos um exemplo. Eu não ando muito em transportes públicos, mas ando em alguns, nomeadamente, ando de metro. E uma das coisas que acho que é inaceitável é que no metro quase nenhuma escada rolante funciona. Mas não funciona há anos. Eu vou a Londres, que tem uma rede de metro muito maior, e eu nunca vi uma escada rolante avariada. Aqui, em Lisboa, estão permanentemente avariadas e demoram anos a ser recuperadas. Porque as pessoas que tomam decisões políticas não andam de metro. Porque se andassem de metro já estava resolvido. Isso já estaria resolvido. As pessoas que se levantam às cinco e às seis da manhã, que não têm a voz pública, que não falam nas televisões, não falam nos jornais, não são ouvidas. O descontentamento dessas pessoas manifesta-se ou na abstenção ou votando em partidos radicais.

Vamos insistir. Considera que as empresas portuguesas já são suficientemente robustas para viverem com o ano de 2025, que vai ter, na verdade, duas eleições e meia, isto é, legislativas, autárquicas e presidenciais em janeiro? O Banco de Portugal reviu em uma décima a previsão de crescimento para este ano, enquanto Cláudia Azevedo, CEO da Sonae, dizia esta semana que 2025 é “um ano perdido”.

Duas coisas. A primeira, deixe-me fazer uma observação geral relativamente às previsões económicas e às sondagens. Devemos habituar-nos a deixar de focar no ponto central das previsões. Porque, exatamente, o facto de subir uma décima ou de descer uma décima não tem significado absolutamente nenhum. Isso está dentro do intervalo de confiança e, portanto, significa que, na prática, não se espera uma mudança. E nas sondagens é a mesma coisa. Eu percebo essas reações de desapontamento, de desilusão, face àquilo que era a expectativa de um funcionamento normal e que, obviamente, quando há essas perturbações, passe o pleonasmo, perturba o normal funcionamento e isso, obviamente, tem consequências adversas. Mas, felizmente, como disse no início, a economia hoje em dia já tem pontos de suporte suficientemente fortes para resistir melhor. Se quiser, enfim, tivemos este temporal [a depressão Martinho] muito recentemente… portanto, as casas que são mais sólidas resistiram mais facilmente do que as casas menos sólidas. Aqui [na crise política] é a mesma coisa. A economia hoje é mais sólida para resistir a um temporal.

Podemos, então, passar agora para a má moeda, atribuída por Vítor Bento ao clima político do país.

De facto, temos um clima político que se tem vindo a degradar e isso é mau para a sociedade em geral. Quer dizer, as sociedades, como um todo, para além dos aspetos legais em que assentam, têm conjunto de normas de comportamento que são tacitamente aceitas pela sociedade, que são transmitidas de geração em geração através da cultura, através da educação. Obviamente, vão sendo adaptadas às circunstâncias, mas as sociedades tacitamente aceitam esses comportamentos e isso define-se, se quiser, no nível de essência em que a sociedade assenta aquilo que chamo de uma moralidade social. Temos vindo a assistir a uma degradação da nossa moralidade social, do nosso nível de ciência, nomeadamente no próprio sistema político.

Está a falar em Portugal também?

Em Portugal, em Portugal… A começar pela linguagem política, quer dizer, a linguagem política tem vindo a degradar-se a um nível, quer dizer, isto é quase uma discussão de rua. Eu lembro-me mesmo no tempo do PREC, nós temos uma memória seletiva e pode-me estar a escapar alguma coisa, mas lembro mesmo no tempo do PREC, nos debates na Assembleia, e que eram feitas com grande efusividade ideológica, mas houve sempre um nível de decência nas relações entre as pessoas, sentadas em bancadas opostas e, portanto, com uma adversidade ideológica, talvez, com uma força tão grande que hoje não há. Eu acho que a adversidade ideológica hoje é menor do que havia nesse tempo, mas, apesar de tudo, havia um respeito pelas pessoas, havia um respeito por regras de bom comportamento.

O Vítor Bento teve a oportunidade de desempenhar funções governativas. Neste clima político a degradar-se, admite vir a desempenhar alguma função governativa?

Eu tive, de facto, oportunidades, mas na altura, por razões da minha vida, com que eu tinha que lidar na minha vida, não foi possível. Enfim, não me orgulho do facto de não ter contribuído para o bem da sociedade, mas hoje, de facto, as condições do exercício de cargos públicos têm uma envolvente de tal forma adversa, que é muito difícil muitas pessoas aceitarem, infelizmente. Felizmente, ainda continua a haver pessoas bem-intencionadas que aceitam, eu não sei se, depois, algumas se desiludem depois de se confrontarem com a experiência. Mas acho que, apesar de tudo, é um bom sinal, e eu tenho reconhecimento pelas pessoas que fazem isso, mas começamos a ter uma seleção negativa

Vamos então concluir este podcast com a boa moeda, escolha nossa. A boa moeda é Maria Luís Albuquerque, comissária europeia que tem como pastas os serviços financeiros e o mercado de capitais. Ora, neste momento, não só é uma personalidade bastante respeitada em Bruxelas como já avançou, esta semana, com a estratégia para a União de Poupanças e Investimentos.

Acho todas estas iniciativas louváveis e isso mostra também a capacidade de intervenção de Maria Luís Albuquerque. Sei que é muito empenhada nas coisas em que se mete e, portanto, se as coisas não funcionarem bem, não será seguramente por responsabilidade sua. Mas não resisto a fazer um comentário mais geral, que não tem a ver com a comissária europeia, que acabou de chegar à função. Há uma certa cultura europeia, e mais europeia continental, que é o convencimento de que mudando o nome das coisas se muda a realidade. E este é um bom exemplo… Isto é uma reedição da União do Mercado de Capitais, que durante muitos anos esteve em cima da mesa e não produziu resultado nenhum. Portanto, isto é uma nova iniciativa, um novo processo? Não, é a continuação, obviamente, com uma nova envolvente, com circunstâncias que, entretanto, mudaram. Mas é um pouco isso. A Europa é muito palavrosa, depois, a eficácia das ações fica um bocadinho mais atrás.

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