Cláudia Amorim, sócia da Sérvulo, considera que o tema dos megaprocessos ficou em falta na Agenda Anticorrupção. A advogada acredita que a justiça “premial” na área criminal é "muito perigosa".
A sócia do departamento de Contencioso e Arbitragem da Sérvulo, Cláudia Amorim, considera que o tema dos megaprocessos ficou em falta na Agenda Anticorrupção, mas não só. A advogada sublinha que também não foram apresentadas soluções para a falta de celeridade da justiça administrativa. Ainda sobre a agenda, alerta que a proposta relativa ao mecanismo da perda alargada de bens é aquela que “levanta maiores preocupações”.
Cláudia Amorim acredita que a justiça “premial” na área criminal é “muito perigosa” e defende antes uma aposta em “soluções de gestão e diversão processual, ao invés da promoção de mecanismos premiais”.
Quanto ao perfil do próximo procurador-geral da República, aponta que deve ser alguém com “muita experiência” na área, que seja “reconhecido e respeitado pelos magistrados”, com “coragem para implementar as mudanças necessárias” e com capacidade para “recuperar a confiança da e na instituição” que representa.
O que falta na Agenda anticorrupção apresentada pelo Governo?
Uma omissão que salta à vista é o tema dos megaprocessos. Não existem medidas específicas para evitar os processos com uma dimensão demasiado elevada, muitas vezes totalmente injustificada. Por outro lado, não são apresentadas soluções para a total falta de celeridade da justiça administrativa. Um particular não pode ter que esperar mais de 10 anos para ter uma decisão numa ação contra o Estado. Esta demora dos Tribunais Administrativos acaba por ser um incentivo à corrupção.
Pontos positivos dessa mesma agenda?
Destacaria quatro pontos positivos: a promoção da atividade plena do Mecanismo Nacional Anticorrupção; a dotação da fase de inquérito criminal com meios digitais; o investimento no “capital humano” dos Tribunais, do Ministério Público e dos órgãos de polícia criminal; e a aposta na educação nesta área desde o ensino básico.
A autonomia do Ministério Público é essencial para o bom funcionamento da Justiça. No entanto, autonomia não significa desresponsabilização. O Ministério Público, tal como a magistratura judicial, é responsável pelas suas decisões e deve prestar as respetivas contas.
O que necessita de ser esclarecido?
Sem dúvida que a proposta relativa ao mecanismo da perda alargada de bens é aquela que levanta maiores preocupações. A meu ver, não parecem estar assegurados princípios basilares como a presunção de inocência e o direito do in dubio pro reo. A Lei que existe hoje quanto a esta matéria já atenta frontalmente contra tais princípios constitucionais. Não deveria, nunca, caber ao arguido provar a licitude da origem dos seus bens. Do mesmo modo, fica por explicar como se pode declarar a perda de bens sem a existência de uma condenação. Esta matéria necessita de esclarecimento e, acima de tudo, de total conformidade com a nossa Constituição.
Por outro lado, é muito importante esclarecer-se em que medida se pretende fazer alterações ao regime dos recursos. Qualquer limitação à recorribilidade, principalmente em matéria criminal, é sempre de evitar.
A fase da instrução pode vir a sofrer alterações. Acha isso um bom sinal?
Não necessariamente. A instrução, em diversos processos, tem precisamente a virtualidade de evitar um julgamento. É certo que, em muitos casos, se revela inútil, mas restringi-la ainda mais só vai servir para desvirtuar por completo a razão de ser da sua existência.
Volta a estar em cima da mesa a ideia da justiça premial. Estamos a ir por um caminho perigoso?
A justiça “premial” na área criminal é, na minha opinião, muito perigosa. Julgo ser preferível uma aposta em soluções de gestão e diversão processual, ao invés da promoção de mecanismos premiais.
A AD e o PS devem estar alinhados nas soluções para a Justiça?
Sendo a Justiça um dos principais pilares do nosso sistema democrático, naturalmente que o desejável é existir o maior consenso político-partidário possível.
Que perfil deverá ter o próximo PGR?
Por um lado, deverá ser alguém com muita experiência na área e que seja reconhecido e respeitado pelos magistrados. Por outro lado, alguém com coragem para implementar as mudanças necessárias. Por fim, é importante que tenha capacidade para recuperar a confiança da e na instituição que representa.
A autonomia do MP é uma ‘desculpa’ da magistratura para não prestarem contas?
Penso que não pode ser feita essa leitura. A autonomia do Ministério Público é essencial para o bom funcionamento da Justiça. No entanto, autonomia não significa desresponsabilização. O Ministério Público, tal como a magistratura judicial, é responsável pelas suas decisões e deve prestar as respetivas contas.
São necessárias alterações legislativas para repor o poder hierárquico do MP?
Não vejo que haja necessidade de fazer alterações legislativas a este respeito.
A ministra disse que será necessária uma nova era para o MP. Concorda?
O Ministério Público atravessa uma fase difícil. Estarão certamente a ser feitas reflexões internas, as quais deverão originar mudanças. É um tempo que deve ser aproveitado de facto para “arrumar a casa”. É essencial para a Justiça um Ministério Público forte e coeso, mas que tenha bom senso e que seja credível perante a opinião pública. Tem que ser, acima de tudo, independente.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“A justiça “premial” na área criminal é, na minha opinião, muito perigosa”
{{ noCommentsLabel }}