Joana Mota Agostinho e Sónia Queiróz Vaz, sócias e co-coordenadoras da área de Propriedade Intelectual, Tecnologia, Media e Telecomunicações da Cuatrecasas, analisaram o estado da área no país.
As sócias e co-coordenadoras da área de Propriedade Intelectual, Tecnologia, Media e Telecomunicações (PI-TMT) da Cuatrecasas, Joana Mota Agostinho e Sónia Queiróz Vaz, estiveram à conversa com a Advocatus e falaram sobre o tema da proteção de dados e do comércio eletrónico.
Outro dos tópicos foi a recente contratação de Joana Mota Agostinho, que assumiu a co-coordenação da área de PI-TMT, ao lado da sócia Sónia Queiróz Vaz.
A Cuatrecasas decidiu apostar nesta área de PI-TMT porque a procura aumentou?
A Cuatrecasas pretende consolidar a projeção que esta área de prática tem tido ao longo dos últimos anos e continuar a desenvolver o seu elevado potencial face ao crescimento exponencial da economia digital, das tecnologias emergentes e das telecomunicações de nova geração.
Que parcela na faturação tem esta área, comparando com o ‘bolo’ total?
Há cada vez mais clientes, nacionais e internacionais, de diferentes setores de atividades, com necessidades específicas nas áreas de PI-TMT pelo que se trata de um conjunto de matérias com muita procura, principalmente quando estamos inseridos numa sociedade de advogados com uma enorme abrangência geográfica e que é parceira de empresas que são líderes nos respetivos setores, ou seja, que estão na dianteira da transformação digital.
Que áreas (das vossas) é que aumentaram exponencialmente devido à Covid-19?
Esta pandemia serviu como um acelerador à implementação de tecnologias no modo de comunicar, vender bens e prestar serviços, tendo sido por isso necessário as empresas focarem-se no cumprimento da legislação aplicável relacionada com dados pessoais e privacidade, comércio eletrónico e contratação à distância, cibersegurança, direito do consumo, proteção de conteúdos audiovisuais através de novas plataformas, proteção de invenções e know-how, por exemplo, na área da saúde e tecnologia e jogo, incluindo online.
O grande desafio com que nos deparamos quando algo é inventado é aferirmos se essa invenção pode ser objeto de uma patente.
Quais as mais-valias que um escritório como a Cuatrecasas pode trazer nesta área, face à concorrência?
A nossa diferenciação resulta da conjunção entre, por um lado, as vantagens de uma equipa de PI-TMT altamente especializada e que garante a atenção personalizada e a relação de proximidade com os clientes, típico de um escritório de advogados “boutique”, com, por outro lado, as vantagens que advêm de uma grande estrutura, com oferta e sinergias em todas as áreas do direito empresarial, conhecimento focado setor a setor e uma abordagem interdisciplinar, multijurisdicional até, se necessário, o que permite soluções integrais e harmonizadas. E permite também que o cliente usufrua do forte investimento na gestão do conhecimento, na inovação tecnológica e outras vertentes da infraestrutura de suporte, que tornam o nosso serviço mais ágil e eficaz.
O facto de estarem integradas num escritório de dimensão internacional ajuda ao vosso trabalho?
Sem dúvida. Ao combinar o conhecimento local com os nossos recursos globais, conseguimos garantir uma assessoria mais próxima e especializada, ajustada às necessidades de cada cliente, sem perder de vista as grandes tendências de inovação e os cenários de risco e oportunidade em larga escala.
O que mudou no mundo com o RGPD?
Já tínhamos legislação em matéria de proteção de dados pessoais e de privacidade muito antes do RGPD, incluindo no setor específico das comunicações eletrónicas. Trata-se de um direito com tutela constitucional em Portugal e tínhamos já uma diretiva europeia, transposta para Portugal, desde 1995, por exemplo. O RGPD trouxe este assunto para a ordem do dia e transformou o tratamento de dados pessoais num corporate risk por duas razões principais: o facto de se aplicar ao tratamento de dados pessoais efetuado por entidades não estabelecidas na UE, quando as atividades de tratamento estejam relacionadas com a oferta de bens ou serviços a esses titulares de dados na UE, independentemente da exigência de os mesmos procederem a um pagamento e/ou com o controlo do seu comportamento, desde que esse comportamento tenha lugar na UE, por um lado e, por outro, o aumento muito significativo dos valores das coimas aplicáveis.
A violação das regras constantes no RGPD está a ser eficazmente fiscalizada?
As autoridades de controlo espanhola e francesa, por exemplo, têm uma atividade de fiscalização muito mais agressiva do que a sua congénere portuguesa, sem dúvida. Contudo, e apesar das discrepâncias no modus operandi e dos resultados da atividade fiscalizadora, a nossa autoridade de controlo possui uma equipa altamente especializada que procura dar uma resposta atempada às necessidades das empresas e sobretudo, dos titulares dos dados pessoais.
Ainda é necessário um fortalecimento da cultura de proteção de dados pessoais?
Já foi percorrido um caminho bastante satisfatório nesta matéria. Passou a existir uma verdadeira preocupação, transversal a vários setores de atividade, com os temas de privacidade, proteção de dados e cibersegurança. Mas ainda há um caminho a percorrer, principalmente pelas estruturas mais pequenas, com menos recursos financeiros e humanos para alocar aos projetos de compliance nestas matérias. Por outro lado, os titulares de dados pessoais estão, atualmente, mais conscientes dos seus direitos.
A pandemia veio reforçar que a cibersegurança deve ser encarada como um pilar fundamental para todas as entidades, públicas e privadas, para que possam responder a eventuais incidentes de forma adequada.
E de compliance? Quer nas empresas, quer nos escritórios de advogados?
Verificamos a mesma tendência. Ou seja, estruturas com mais recursos, tendencialmente, olham para estes temas como uma prioridade, têm planos mais rigorosos de avaliação, planificação e resolução progressiva de contingências identificadas e preocupam-se verdadeiramente com os danos, incluindo os reputacionais, que podem resultar de incumprimentos da legislação nesta matéria.
Portugal está nas cifras negras no que toca à cibersegurança?
Os dados mais recentes, designadamente, os divulgados pelo Gabinete Cibercrime da Procuradoria-Geral da República, em janeiro de 2021, evidenciam, efetivamente, um aumento muito significativo das denúncias relativas a cibercriminalidade. Essa tendência de crescimento disparou no contexto da pandemia. Destacam-se crimes relacionados com campanhas de phishing, difusão massiva de mensagens contendo malware (software malicioso, vírus informáticos), CEO Fraud e fraudes relativas a utilização de aplicações, incluindo de realização de pagamentos, burlas através de plataformas online, utilizações não autorizadas de imagens e crimes de utilização não autorizada de direitos de autor. Ou seja, a pandemia veio reforçar que a cibersegurança deve ser encarada como um pilar fundamental para todas as entidades, públicas e privadas, para que possam responder a eventuais incidentes de forma adequada. Esse é um trabalho que temos feito de forma muito rigorosa com os nossos clientes.
E o comércio eletrónico? Está suficientemente acautelado no nosso sistema?
O comércio eletrónico também cresceu, tendo sido bastante impulsionado pela pandemia. Tal como em relação à privacidade e aos dados pessoais, também nesta matéria temos em vigor um quadro legislativo robusto, que cobre o comércio eletrónico, a celebração de contratos à distância, a identificação eletrónica e os serviços de confiança para as transações eletrónicas, que estabelece o quadro legal das assinaturas eletrónicas, entre outros aspetos. Sentimos que, no contexto da pandemia, muitos dos clientes que já se haviam posicionado em termos de comércio online, quiseram diversificar ou melhorar a sua oferta e os que não tinham essa presença, quiseram criar a sua estrutura de raiz, de forma a conseguir chegar aos consumidores, uma vez que muitas das suas lojas físicas se encontravam encerradas. Neste caso, o desafio era reinventar-se ou morrer…
Esta pandemia serviu como um acelerador à implementação de tecnologias no modo de comunicar, vender bens e prestar serviços.
A Cuatrecasas está bem garantida no que toca à segurança informática?
A nossa sociedade recebeu a certificação ISO 27001, que certifica que temos SGSI (sistema de gestão da segurança da informação) nos nossos escritórios em Portugal e Espanha e que se reflete em toda a nossa atividade e processos de suporte relativos ao aconselhamento jurídico a clientes.
A segurança informática é um pilar fundamental para a Cuatrecasas pelo que instalámos um sistema para conceber, implementar e operar de forma eficiente a gestão e a acessibilidade da informação, preservar a confidencialidade, integridade e disponibilidade da informação, e minimizar os riscos de violação dos nossos sistemas de segurança.
Sendo sabido que nenhuma entidade é 100% inexpugnável, e por isso mesmo, estamos comprometidos com o máximo nível de cuidados e com a melhoria constante dos nossos processos e sistemas, de forma a podermos prestar aos nossos clientes serviços de qualidade e garantir a segurança da informação.
Como posso saber se uma obra é lícita ou ilicitamente disponibilizada na internet?
Devemos sempre ter em consideração a regra geral que estabelece que qualquer obra suscetível de proteção pelo direito de autor, seja ela do domínio literário, jornalístico, científico ou artístico, confere ao seu autor um direito exclusivo de utilização e exploração da mesma. Essa obra não poderá, em princípio, ser utilizada sem o consentimento do seu autor. Quem escreveu um livro, uma música, criou um software, um slogan publicitário, um filme ou outro conteúdo audiovisual, por exemplo, tem de receber uma justa compensação pelo seu trabalho, original e criativo. Há exceções à regra geral, como é o caso da cópia privada, entre outras, mas, na dúvida, o melhor será aferir sempre quem é o autor da obra e se estamos autorizados a utilizá-la da forma que pretendemos. Os licenciamentos e a transmissão de direitos são procedimentos que se podem realizar de forma simples e rápida, evitando a exposição a eventuais responsabilidades criminais, contraordenacionais, civis e reputacionais. Porque a violação dos direitos de autor é um crime punido com pena de prisão e quem faz utilizações não autorizadas de conteúdos protegidos fica obrigado a indemnizar os titulares dos direitos em causa pelas perdas e danos resultantes da violação. Note-se que este procedimento penal nem sequer depende de queixa do ofendido, ou seja, o ministério público tem legitimidade para avançar com uma queixa-crime, sem mais, a partir do momento em que toma conhecimento destes factos.
Os direitos de autor sofreram um rude golpe com a proliferação da internet e inúmeras plataformas digitais?
Podemos ver esta questão numa dupla perspetiva: se, por um lado, as formas de reprodução e de disponibilização dos conteúdos são agora muito mais rápidas e permitem utilizações não autorizadas de forma massiva, por outro, a Internet e as plataformas digitais também permitiram a disponibilização de conteúdos, de forma lícita, de um modo que nunca antes se tinha imaginado e que potencia o acesso a um acervo absolutamente fantástico de obras, sejam elas filmes, séries, música, arte, entre muitas outras. Temos hoje um consumidor exigente, ávido de novidades, por exemplo, nas novas plataformas de VOD e OTT (como a Netflix, HBO, Disney, YouTube) e isso incentiva a produção e o investimento. Nessa medida, entendemos que os players que se souberam reinventar, reposicionar, diretamente ou através de parcerias, reconhecem hoje que a Internet e as plataformas digitais, muito mais do que uma ameaça que, claro está, tem de se combater de forma estruturada, através de uma estratégia clara de defesa de direitos de propriedade intelectual, se e quando necessário, são um mundo repleto de oportunidades.
Os direitos de autor em Portugal ainda estão pouco protegidos?
Temos legislação que permite reagir a utilizações não autorizadas e defender os direitos de autor. A nova diretiva relativa aos direitos de autor no mercado único digital vem reforçar alguns direitos, pois regulou a utilização de determinados conteúdos criativos, tendo sido vista como uma conquista para os criadores europeus, garantindo o pagamento justo para os criadores, proporcionando uma proteção mais ampla aos consumidores, favorecendo as novas empresas e criando condições equitativas para as pequenas empresas. Mas, na verdade, a proteção destes direitos passa pela adoção efetiva de uma estratégia estruturada de proteção e registo destes direitos, num primeiro momento, de licenciamento, através de contratos escritos, mas também de efetiva reação, nos casos em que se detetam utilizações não autorizadas. De nada adianta termos um quadro regulatório que permite aos titulares de direitos reagirem, se os mesmos não tiverem, por princípio, vontade de utilizar os meios legais ao seu dispor, através de denúncias às autoridades competentes e da propositura de ações adequadas. Se todos os interessados e lesados se unirem nesta causa, têm mais força e os seus direitos serão, certamente, mais respeitados. Caso contrário, continua a pairar aquele sentimento de impunidade.
Quais são os desafios que surgem ao criar uma patente?
O grande desafio com que nos deparamos quando algo é inventado é aferirmos se essa invenção pode ser objeto de uma patente. Para que isso aconteça, a invenção tem de ser nova, implicar uma atividade inventiva e preencher mais alguns requisitos. Ser nova é, desde logo, ter de passar num rigoroso teste: significa que não pode estar já compreendida no estado da técnica, não pode ter sido tornada acessível ao público, dentro ou fora do nosso país. E não pode resultar de maneira evidente do estado da técnica para um perito na especialidade. Feitas estas pesquisas preliminares e como as patentes são direitos territoriais, temos de pensar onde queremos proteger a nossa invenção, em que territórios queremos explorá-la. E aqui temos os desafios dos custos associados às taxas administrativas, claro, para proteger as invenções em vários países. Os desafios seguintes passam por definir estratégias adequadas de exploração, licenciamento e/ou transmissão, bem como de efetivação dos direitos, em caso de violação das patentes.
Que bloqueios tem a nossa lei nesta área?
Não lhe chamaríamos bloqueios, mesmo na fase inicial, que pode parecer ter uma carga burocrática excessiva. O objetivo da concessão de uma patente de invenção é conceder a quem investe na investigação e desenvolvimento de algo verdadeiramente novo um direito exclusivo de exploração. Para as entidades competentes chegarem a conceder esse exclusivo, que garantirá o retorno pelo investimento feito, a compensação adequada pelo trabalho desenvolvido e o estímulo à continuidade da atividade inventiva, torna-se necessário passarmos por um processo administrativo de apuramento sobre se aquele produto, processo, substância ou composição é efetivamente novo e se merece essa tutela ou se é um mero decalque de algo que já existe.
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